A geração miojo
A GERAÇÃO MIOJO
Antônio Mesquita Galvão
Conheço muitos que não puderam quando queriam,
porque não quiseram quando deviam (F. Rabelais).
Encontrei uma garota, de uns quinze anos, filha de um amigo, que veio me contar uma novidade: “Tio, aprendi a cozinhar!”. Como eu lhe perguntasse o que aprendera, ela respondeu: “Miojo!”. Ora, aprender a cozinhar miojo não é coisa muito relevante... Para quem não sabe, miojo é um lámen (um tipo de macarrão instantâneo), que fica pronto em três minutos, inventado por um japonês chamado Momofuku Ando. Quando ele morreu em 2007, aos 96 anos, os usuários do produto fizeram “três minutos” de silêncio em sua homenagem. Preguiçosos, uni-vos!
Juntando idéias e juízos, me permiti elaborar um tipo humano que poderia se chamar de “geração miojo”, para sintetizar um grupo de pessoas que têm pressa em tudo que fazem, são imediatistas em suas atividades e tratam tudo com uma superficialidade marcante. Têm pressa, mas muitos não sabem para onde vão. Querem o sucesso imediato, mas não sabem como construí-lo. E isto é danoso pa-ra as pessoas, as famílias e a sociedade como um todo. A felicidade não depende do que nos falta, mas do bom uso que fazemos do que temos.
Para esses, adultos, adolescentes e crianças, tudo aponta para o prático, que eu chamo de miojização, onde não existe mais o processo natural das coisas da vida, mas tudo é visto pelo enfoque da pressa e do pragmático. Com isto se acelera a quebra de muitos paradigmas, entre eles a ética do óbvio e o desleixo com o convívio. O pragmatismo é uma forma utilitarista de usar as coisas. Só tem valor aqui-lo que se pode tirar vantagens imediatas, o que é útil e que dá prazer. Dentro des-ses quadros de desfaçatez da sociedade humana, a mídia mundial noticiou, no iní-cio de outubro, que no México já se e4studa a realização de casamentos com prazo de término fixado. Eu morro e não vejo tudo...
Há dias escutei o filósofo Mario Cortella, como bom interiorano, falando na "despamonhização" da sociedade como causa de tantos problemas nas famílias. Explico: Antigamente as famílias do interior faziam do ato de elaborar a pamonha, aquele bolo de fubá, um ritual doméstico. Os homens colhiam o milho, as crianças tiravam as cascas e os pelinhos das espigas, as mulheres ralavam os grãos e todos ajudavam a fazer a iguaria. A família toda se envolvia no processo. Hoje é diferente: quem ainda mantém o gosto pelo alimento, compra-o pronto.
Hoje em dia, com a explosão dos fast-food tudo ficou aparentemente mais prático, mas o convívio das pessoas foi para o espaço. Há cidades, como Canoas, onde moro, que não possuem um teatro ou uma biblioteca decente, mas possuem mais de um fast-food de marca a-mericana. As pessoas preferem comer um miojo, de qualidade discutível do que elaborar uma refeição mais trabalhada. A gente vai a uma dessas lanchonetes mo-dernas – em geral sob o impulso da ditadura infantil (os filhos impõem onde a famí-lia vai comer) – e nem se pede mais a comida pelo nome, mas por um número que consta do painel. A refeição, ou vem num saco de papel ou em uma caixa de pape-lão. Ora, comida em saco é para cachorro e em caixa é para passarinho.
Antigamente a gente ia almoçar fora. Não havia comida pronta; levava uma hora para vir o alimento... Era um acontecimento! O bom do “comer fora” não é tanto a comida em si, mas a espera, o bate-papo, o convívio. No fast-food é tudo rápido; inclusive os bancos são desconfortáveis para você comer ligeiro e dar lugar para outras pessoas. O microondas coroou o império da comida congelada. Hoje muitos têm saudade do alimento feito em casa: vão aos restaurantes para comer “comida caseira”. Esta é uma das loucuras do século XXI.
Como ensina Augusto Cury, alguns têm títulos de doutores, mas não são reprodutores de conhecimentos. Repetem o que leram ou estudaram: repetem o que os outros produziram. Precisamos de poetas da vida nos meandros da sociedade. É preciso surpreender as pessoas e ajudá-las a mudar os alicerces de sua história. Quem não usa os conhecimentos ou a experiência em favor de sua vida, perdeu tempo. Nossa vida é muito valiosa para ser insignificante
A “sociedade do imediato” nos leva a buscar o prático, os miojos da vida, ao invés do certo, do salutar ou do justo. Comer miojo não indica apenas que a pessoa é preguiçosa, mas revela um estilo apressado e provisório... Buscamos a cultura do miojo para tudo: é escola miojo, família miojo, amor miojo, trabalho miojo, amizade miojo, sexo miojo. É tudo rápido, prático e descartável, mesmo que não seja tão bom... Nessa filosofia do provisório surgem as práticas de consumo. Os objetos, bens de uso, roupas, etc. são vistosos, mas de pouca duração. Bonitinhos mas ordinários.
Esse processo do descartável funciona justamente para acelerar o ciclo do consumo: compra, usa, exibe, estraga, joga fora e compra outro. A sociedade é tão consumista que, na sua voragem, as pessoas se consomem a si próprias. Isto cria uma sociedade – e infelizmente a partir dos jovens – sem história e sem presente e, por consequência, com um futuro muito nebuloso.
Essa mesma sociedade, existencialista e pragmática, recomenda o carpe diem de Horácio, como desfrute o que de melhor tem o dia de hoje, pois amanhã ninguém sabe... Muitos vivem o hoje sem perspectiva para o futuro. Vão à balada como se fosse a última... bebida, comida, diversão, sexo, pois “o amanhã pode não vir”, como dizia Renato Russo, um falso guru da juventude brasileira.
A mídia, o mundo artístico, as redes sociais, tudo incentiva a pressa, a superficialidade e o descompromisso com a vida. e quem mais sofre com essa banalidade são os jovens. Na verdade, a vida é uma pedra de amolar – como afirmou George B. Shaw – desgasta-nos ou afia-nos conforme a qualidade do metal de que somos fei-tos. Hoje em dia, os pais pelos mais variados motivos, descuidam-se do trato afetivo com seus filhos e filhas. Com0o não sabem dar carinho, dão coisas.
O trabalho, os compromissos sociais e até atividades de militância religiosa afastam-nos dos cuidados devidos com crianças e adolescentes. Em função disto, como não podem se fazer presença, os pais dão presentes materiais, facilidades nas lojas e shoppings, criando a aberração de uma juventude pre-cocemente consumista, que exige bens, já que não ganha carinho. Os pais, ao invés de impedir essa robotização, pelo contrário, incentivam mais...
Em vez de incentivar as crianças a viverem a infância na alegria das brincadeiras inocentes com primos e coleguinhas, a mídia tem-lhes povoado a imagina-ção de vídeos violentos, de horas inativas em face da tevê ou do computador. As redes sociais, na infinidade incontrolável de sugestões, incentivos, provocações, têm arruinado em muitas crianças a ingenuidade dos brinquedos.
As crianças, na verdade, não brincam mais. Fazem-se adultos precoces. Só querem estudar, fazer cursos disso e daquilo para saber mais, para suplantar; Mais que isto: se tornam “anões intelectuais”, como afirmou a professora Carmen Galvão em um artigo recente. E então se põem a praticar atos de violência que já lhes frequentaram mil vezes a fantasia. Que alguma daquelas imagens se torne realidade não lhes custa muito. Basta um descuido dos pais, e eis o que vimos em São Paulo, quando um garoto matou a professora.
Se a tranquila Noruega se preocupou com os vídeos que açulam violência depois da loucura de Anders, já adulto, que dizer daqueles que batem sobre a imaginação infantil? Os filhos presos à internet enganam os pais que pensam que seus jovens então tranquilos e seguros. E talvez nesses momentos estejam a preparar alguma tormenta amanhã. E por “geração miojo” não se compreende apenas crianças e adolescentes, mas todo um conjunto social de pessoas, algumas até bem maduras, que usam a pressa para fugir de algum tipo de ansiedade de vida. É nesse "horror vacui" que surge a depressão.
As causas para a depressão infantil, em geral estão dentro de casa. Um am-biente familiar desequilibrado propicia uma série de transtornos mentais, entre eles a depressão. Especialistas afirmam que “crianças que vivem sob muita tensão num ambiente familiar e/ou social muito violento ou com muita privação material ou afetiva tendem a ter depressão”.
Você já se deu ao trabalho de uma auto-análise, profunda, honesta, isenta e verdadeira, do tipo: “O que há de essencial em mim? Quais os meus valores? Do que sou capaz? Quais as minhas necessidades? No que posso contribuir para a felicidade, minha e dos demais? Como reajo diante dos problemas e das crises?”.
Usando um mecanismo de defesa, é comum projetarmos nossos defeitos nos outros: “puxa, como você é egoísta!”. “Você é incapaz de reconhecer seus erros!”. “Cabeça dura: você sempre quer ter razão!”. E vai por aí. Não é o outro: sou eu. Nossas crises têm origem – segundo nosso modo de ver – no vizinho, no outro, no governo. Perguntados sobre sua destinação no mundo, muitos respondem: nasci para trabalhar, para sofrer; existo nem sei para quê. E o pior é quando o ser não conhece suas origens e objetivos, deixa de exercer e exigir o respeito devido à sua dignidade de pessoa. Muitos afirmam ter como objetivo, o gozar a vida. E cabe perguntar: Você é totalmente feliz assim? A resposta, invariavelmente, é não, devido à transitoriedade desse gozo. E por que não é feliz?
A verdadeira alegria não está nas coisas, mas nas pessoas. Uma família feliz nada mais é que o paraíso antecipado. Para ser feliz, nada melhor do que trocar preocupação por ocupações, combater o estresse, ocupar-se para ser feliz. O riso é a distância mais curta entre duas pessoas que se amam e se colocam a serviço um do outro. Procure as fontes de alegria em sua vida e celebre.
Dê graças. Celebre acima de tudo a dádiva da vida, do céu azul, da natureza que está aí para você, aprenda a saborear cada momento como se fosse único. Coloque um sorriso no rosto e pratique a terapia do riso, da alegria sempre que puder.
Nós somos eternamente insatisfeitos. Raramente estamos felizes com o que temos e somos. Sempre almejamos algo distante de nós, o bem que não temos, o mérito que nos falta. Vale aquela historinha da mulher que foi a uma loja para comprar um par de sapatos, já que o que tinha estava deixando a desejar. Por mais de meia hora ela experimentou tipos e modelos não se agradando de nenhum. De repente, debaixo da pilha de sapatos ela apanhou um que a deixou feliz.
Quando perguntou ao balconista o preço, recebeu a resposta de que não custava nada. Aquele era o sapato dela, com o qual ela entrara na loja. Ás questões usuais, como “Por que vivo?”, “Tem sentido a minha vida?”, têm respostas na necessidade de ca-da um encontrar o significado para a sua existência.
Para a descoberta de um sentido, a vida precisa ser plena em seu sentido on-tológico, devendo ser construída em três planos: a) físico – retrata o lado instintivo, onde só os apelos do corpo decidem e ordenam; b) sensível – enfoca o sentimenta-lismo: o indivíduo sonhador forma seu viver e agir em um campo de simpatias, gostos e paixões; c) sobrenatural – consciente de sua origem e destinação, o espíri-to torna-se livre para tomar as decisões mais importantes da vida.
O sentido da vida de cada um está profundamente relacionado com a própria vida, mais especificamente aos eventos que se constrói a partir dos arquétipos do passado somados aos valores do hoje. O sentido da vida nunca é dado por completo, mas é descoberto junto com a própria vida. É uma conquista gradativa.
A vida se dá a quem a procura. O mundo pertence a quem se atreve. Nesse particular, não importa quantas vezes a gente respirou, mas quantas foram as oportunidades em que perdemos a respiração por causa da emoção. Muitas coisas na vida não podem ser explicadas, mas somente presenciadas. E vividas.
No aspecto do pensamento, filosofar é indagar, é criar uma forma de pensamento que vá além do óbvio, é descobrir as coisas que estão além daquilo que apa-rentam ser. O mundo hoje, os sistemas sociais, econômicos, culturais e mesmo religiosos gostam de apresentar pratos-feitos, prontos, coisas acabadas, dogmatizadas, como um miojo: é só jogar na água quente e polvilhar com o molho que vai dar o sabor padrão.
Nos miojos, enquanto comida, embora apresentem uma variedade de opções que vai do frango à carne, calabresa e aos vegetais, todos tem o mesmo sabor. Assim é a vida de alguns: pensam que assumem opções, mas no fim fica tudo igual, sem muita chance de escolha. Em tudo na vida, a perfeição é finalmente atingida não quando nada mais existe a acrescentar, mas quando não há nada a retirar.
Alertando para os desvios da sociedade renascentista francesa, François Rabelais († 1553) advertiu seus pares sobre o perigo de “... muitos que não puderam quando queriam, porque não quiseram quando deviam”. Esse alerta ressoa em nossos ouvidos moucos até hoje. O fato é que a sua vida e o seu mundo mudam quando você muda. Fora disto é retórica e tentativa vã de buscar soluções onde só há equívocos e descaminhos.
O fato é que as práticas da chamada “geração miojo” se tornam sérios obstáculos para a consecução e prossecução de um sentido de vida que traga satisfação à pessoa... Tudo gera uma angústia existencial, aquilo que Sartre († 1980) chamou de náusea.
Por esta razão os consultórios dos analistas e as ruas estão cheias de pessoas desestruturadas, desajustadas, sem identidade, deprimidas e infelizes. A capacidade de comprar bens, de consumir e de estar sempre com presas não os faz felizes.
O pequeno personagem de Exupéry reclama, em um de seus mais expressivos diálogos que "os homens se acostumaram a comprar tudo pronto, por isso não tem amigos, pois não se vendem amigos em lojas...".