Luxo no lixo
Luxo no lixo.
Este registro vale para 95% dos condomínios de nossa nação, onde cada morador imagina que pagando X pela manutenção do prédio terá os mesmos privilégios de outro que paga 5X em bairro nobre da cidade e desfrutando de benefícios de alto conforto. Só que nestes locais mais caros, as normas definidas são respeitadas mais sob pena de altas multas do que consciência propriamente dita.
Efetivamente, cada morador de um condomínio tem a justa preocupação em reduzir os custos com a manutenção do local onde reside para aliviar seu orçamento mensal. Diversas medidas são tentadas neste sentido: alternância de elevadores, redução das lâmpadas nas partes comuns, proibição da lavagem de carro com o uso de mangueiras, compra de material de limpeza em sistema de cooperativa formada por um grupo de prédios, empresas de manutenção com preços justos, redução do quadro de funcionários. Este ponto é o mais delicado, pois diversos fatores devem ser considerados antes de se adotar tal ação. Claro que um condomínio, assim como uma empresa, não é uma entidade assistencial caridosa. Mas as decisões devem ser bem equacionadas na balança onde são depositados os custos e benefícios de cada atitude tomada para que no futuro não aconteçam arrependimentos dolorosos. O fato abaixo, ocorrido num condomínio dentro de meu bairro ilustra bem a precipitação que normalmente traz prejuízos. Como o fato é real, os nomes abaixo são fictícios até por questões de segurança dos envolvidos.
Dona Etelvina é Síndica de um condomínio com 34 moradores. Nele trabalhavam o Porteiro noturno Paulo e o Zelador Pedro. Ambos casados e abrigados no próprio prédio. Numa reunião atabalhoada, o Conselho Administrativo, apoiado por 17 moradores, decidiu cortar as horas-extras do Porteiro noturno e demitir o Zelador. Ambos com mais de 5/17 anos de casa respectivamente e cada um com filho menor. O Zelador que nas horas de folga resolvia (de graça) alguns problemas de gás, elevador, entupimento, fechaduras e outros pequenos (que podem se tornar gigantes) incômodos. Além de ser de alta CONFIANÇA realizando serviços dentro das unidades sem a presença do morador. O Porteiro já não possui as mesmas habilidades, o que vai obrigar a convocação de profissionais (caros) para solucionar os tais incômodos cotidianos.
Estabeleceram 6 cotas extras para arrecadar o montante indenizatório do funcionário e o demitiram oferecendo-lhe uma camisa de malha. Anexaram seu cubículo à área de festas. Se ele voltou para sua terra natal ou se transformou em mais um camelô favelado vizinho nosso, não temos dados no momento.
Contrataram um zelador terceirizado através de uma firma que presta tal serviço. Este elemento trabalharia 4 horas por dia em dias alternados, para recolher o lixo, lavar as escadas e outras tarefas de pequeno porte, já que o Porteiro tem a tarefa de estar na entrada do prédio nos horários definidos em seu mapa de trabalho. Nos três primeiros meses a decisão pareceu ser altamente vantajosa, tendo em vista que o condomínio reduziu seu custo com pessoal em quase R$ 900,00 e cada morador passou a economizar quase R$ 28,00! Uma quantia que não cobre uma semana de quem fuma, um terço de um tanque de gasolina ou 3 kg de ração para os cães que agora dividem o elevador do prédio com os usuários que pagam a cara manutenção desta máfia.
No entanto, há 15 dias, o tal Zelador terceirizado saiu do prédio com uma sacola de plástico que teoricamente só tinha latas vazias de refrigerantes e cervejas para reciclagem. Só que seu peso excessivo fez arrebentar o fundo e objetos pesados caíram na calçada. O sujeito os recolheu com pressa e sumiu rápido do local, antes da chegada da Síndica, que estranhou o fato. Ela percorreu o prédio com seu sobrinho e fizeram a terrível descoberta! As mangueiras de incêndio dos oito andares, do play, da garage e da portaria, foram cortadas e seus bocais de encaixe (de metal) desapareceram. Bem como quatro extintores. Rapidamente concluíram quem era o autor da façanha.
A firma que enviou o tal funcionário tirou o seu da reta, alegando que não havia flagrante do fato ocorrido e portanto era prematuro alegar que o culpado era o tal sujeito (que pediu para ser deslocado para outro prédio alegando melhor forma de locomoção). Enquanto esta discussão se arrasta (deve demorar alguns anos), o prédio não pode ficar exposto ao perigo de um incêndio sem os recursos necessários. Em pleno Natal, pingou a primeira cota extra (de três) inesperada de R$ 90,00 (tiveram de trocar as fechaduras das portas de acesso do prédio) para cobrir os gastos da reposição do material. E estão pagando hora-extra ao Porteiro para realizar parte dos serviços de manutenção, até encontrarem uma solução(?) satisfatória para o prédio!
A partir deste exemplo, percebemos quanto estamos correndo riscos com certas medidas "econômicas" (como se já não bastassem os problemas que enfrentamos no trajeto casa-qualquer-lugar-casa ao longo do dia). Pelo menos dentro dos limites onde moramos desejamos um mínimo de tranqüilidade (e ela não é obtida totalmente mesmo com os cuidados que normatizamos e alguns de nós desprezam) para passarmos algumas horas despreocupadas. A confiança que se adquire num funcionário dedicado após anos de convivência, prestativo e de bons princípios, hoje em dia, quando o relacionamento humano está deteriorado pela "globalização" que nos massacra (ajudando no aumento do índice de violência doméstica), é quase como ganhar na loteria. Dispensar tais predicados e correr o risco de introduzir um elemento talvez nocivo adquirindo intimidade com nossos hábitos e com nossos filhos e netos, não tem preço (como diz aquela propaganda do cartão de crédito). Imaginem colocar nosso patrimônio e nossas vidas em risco para economizar menos de R$ 30,00 por mês!
Em resumo, mal comparando, tal atitude se assemelha a de uma pessoa que deixa de comprar uma tortinha fresca e bem embalada por R$ 5,00 e adquire uma exposta à poeira, sem data de validade e de procedência duvidosa por R$ 1,99. No dia seguinte, as complicações intestinais (ou piores) podem levar a vítima a gastar uns R$ 300,00 com a consulta e os medicamentos para restabelecer o estado normal de seu organismo.
A verdade exposta quando precisa ser dita com todas as letras dói. Principalmente em quem a escuta. Mas o fato é simples: quem acha que o valor do condomínio é caro para os recursos que oferece, tem dois caminhos:
1 – trazer alternativas para reduzi-lo. Tem de comparecer às reuniões. Não pode se omitir.
2 – Mudar-se para local onde seu orçamento lhe permite gastar pouco e não ter elevador, não ter vaga livre para seu carro, empregado à disposição para emergências e similares.
Devemos deixar a demagogia de lado e perceber a realidade que cada um de nós tem condição de sustentar.
Haroldo P. Barboza
Autor do livro: Brinque e cresça feliz.