Tolerância 500
Tolerância 500
O ser humano é avesso às mudanças rápidas. Só se conforma com elas quando são provocadas por ocorrências naturais (enchentes, vulcões, furacões e assemelhados) que alteram radicalmente o cotidiano dos afetados.
Quando elas são criadas por atos administrativos (mesmo bem intencionados) que pretendem atender anseios de mais de 90% da população, acontece uma primeira fase de “reclamações” até que percebamos que de fato a medida poderá ser benéfica se ocorrerem aceitação e colaboração de quase todos. Os desajustados sempre serão contra. Mas normalmente as mudanças atendem aos grupos que patrocinam campanhas eleitorais. Como são camufladas por “vantagens” (paliativas) voláteis, a grande camada sem percepção as aceita e as incorpora ao pacote de prejuízos sociais.
Entre os latinos, provavelmente o brasileiro é o mais resistente às mudanças, apesar de estar sempre resmungando que “alguma coisa tem que mudar” quando em raros momentos de lucidez percebe que está sendo “embrulhado” pelos seus dirigentes (de qualquer esfera).
A luta para combater a acomodação tem de ser parecida com a longa batalha para manter o peso: DIÁRIA.
Quem se exercita por 60 minutos diários, se deixar de fazê-lo por 3 dias, será alertado pela balança (ou pelo cinto) que seu peso aumentou. Isto lhe obrigará a um “sacrifício” na próxima semana ingerindo menos comida e aumentando os movimentos que efetivamente torrem as calorias excedentes.
No caso da manutenção de nossa cidadania, estamos parados muito além de 3 dias. Mais do que três décadas. Ou três séculos. E os dirigentes inescrupulosos já perceberam esta atitude passiva que nos anestesia e se prolifera através de nossos gens, alterando o DNA que passa tal herança à geração seguinte. Ela se manifesta externamente através das seculares frases de descomprometimento:
“- DEIXA assim para ver como é que fica” (quem deixa, concorda);
“- vamos TORCER para melhorar” (se o agricultor apenas torce sem lavrar, nada nasce);
“um dia vai melhora se DEUS quiser (largar na mão de outros é fugir da responsabilidade).
Infelizmente nosso povo foi doutrinado a aceitar um cenário de baixa qualidade apesar de pagar um dos mais altos impostos do mundo. São centenas de procedimentos “inocentes” que praticados regularmente, nos doutrina a nos portarmos como mero rebanho sem livre arbítrio. Vamos conferir o que aceitamos em troca dos valores que nos extorquem.
Dentro do condomínio aceitamos:
- cães transitando pela ala social.
- lâmpadas de emergência que ficam acesas durante o dia.
- lâmpadas de emergência que não funcionam quando falta energia.
- luzes de presença que demoram acender.
- elevadores que enguiçam semanalmente.
- portões que são deixados abertos pelos moradores.
- jardins abandonados.
- festas com som acima dos decibéis tolerados.
- carros estacionados fora das vagas.
- carrinho de compras estacionado dentro das unidades ou usado em obras.
Dentro da cidade toleramos:
- ruas esburacadas, sem iluminação adequada, sem sinalização, sem limpeza.
- bueiros entupidos.
- carros sobre calçadas.
- caminhões descarregando na hora do rush.
- semáforos com defeito por mais de meio dia.
- serviços públicos ineficientes.
- viaturas oficiais infringindo regras.
- serviços particulares caros com péssimo atendimento (filas nos bancos acima de 15 minutos, entregas que atrasam 2 ou 3 dias, filas nos mercados, transportes coletivos deficientes, SACs telefônicos que demoram 10 minutos até cair a ligação ).
- escolas deficientes (administração, estrutura, material, pessoal, currículo inadequado).
- escolas que não entoam hinos cívicos.
- tráfico de drogas à luz do dia.
- hospitais piores que as escolas, com a agravante que em muitos casos matam.
- falta de policiamento constante (só acontece por uma semana DEPOIS de alguma ocorrência que mereça destaque na imprensa).
Dentro do país toleramos:
- dirigentes (executivo, legislativo, judiciário) corruptos.
- Leis que só se aplicam aos PPPs.
- mídia conivente.
- programas de TV sem conteúdo educativo no horário destinado às crianças.
- reeleição dos meliantes.
- urnas eletrônicas (nem o Paraguai as usa).
- obras pelo triplo do preço (sabemos para onde vai a diferença).
- disparidades salariais entre os que trabalham e os que nos furtam usando a pena.
Escândalos onde não prendem os autores nem se recupera o montante desviado.
E por que tudo isto ocorre? Simples e claro como um copo de café.
Os dirigentes públicos, sabedores que o povo desprovido de compreensão se distrai facilmente com escolas de samba, futebol, shows, novelas, games explosivos, BBB e eventos de mesmo quilate, os incentiva de forma que a população os tenha em abundância em revezamento ao longo do ano.
As poucas energias que nos restam para ficarmos “indignados” são canalizadas para manifestações pelas liberdades sexuais, uso de drogas, prática de centenas de cultos “religiosos” que enriquecem os “condutores dos rebanhos”, direitos dos presidiários que chacinam crianças e velhos, uso de transportes irregulares e correlatos.
Imaginar que a população consiga reunir mais de 1.000 pessoas por cidade para registrar seu descontentamento com os rumos de nossas vidas é um sonho. No entanto, como todo projeto nasce de um sonho, existe a esperança que um dia ocorra um evento que se torne o marco zero na liberdade de nossas almas em busca de algo que nos traga orgulho de viver neste país.
Ou podemos tolerar este estado de colônia por mais 500 anos?
Haroldo P. Barboza – Vila Isabel / RJ
Autor do livro: Brinque e cresça feliz.