Diferenças, Igualdades e Violência - " 174a última parada"

Diferenças, Igualdades e Violência

Ontem, assisti na Tv, “174, última parada”, uma produção fictícia em referência ao episódio ocorrido no RJ, quando no seqüestro de um ônibus um policial erra o tiro e acerta a cabeça da refém.Acho que todos se lembram.

De acordo com o apresentado, o seqüestrador com uma história de pobreza e abandono da família, sem saber ler ou escrever foi viver nas ruas onde conheceu as drogas, sobreviveu à chacina da Candelária, foi recolhido a fundação de recuperação de menores e aliou-se ao traficante, que também estava recolhido. Fugiu da fundação e em companhia do traficante iniciou-se em assaltos. As imagens iniciais mostram um garoto com um brilho de inocência nos olhos, que com o passar do tempo, tem a expressão do ódio e termina com medo e terror quando se fecham para sempre. Da chacina até o dia do seqüestro, ele contou com o auxílio de uma ONG, que o amparava e incentiva aos estudos e ao trabalho, mas em vão...

A história do traficante, difere-se apenas por sua mãe ter sido usuária de drogas e por dívida com o traficante ter entregado o filho como pagamento e ter que abandonar a comunidade, aparecendo posteriormente como evangélica, enquanto que a mãe do seqüestrador era uma trabalhadora que vivia na comunidade e morreu durante um assalto a seu bar. Durante todo o filme, são utilizadas palavras chulas e gírias o cenário é de grande pobreza combinada com armas e muita violência promovida pelo tráfico de entorpecentes. Expressões como: “Fui criado por uma branca nojenta que me tratava como lixo” ou “Você pensa que os playboys vão te dar alguma coisa?Tem que tomar!” entre outras que sugerem preconceito são freqüentes, porém as frases são ditas pelos personagens “negros”.

Bem, até aqui é fácil compreender que fatores como o abandono da família, a falta de escolaridade e vida nas ruas restringe ainda mais o senso crítico do indivíduo, que passa a ver a vida sob um prisma conturbado, onde em seus pensamentos o existir para a sociedade significa ter poder pelos bens que se possui. Mas, não podemos deixar de pensar que todos possuem noção do que é certo e o que é errado, independente das condições, principalmente no que tange a ferir a integridade física, moral ou ambas de alguém.No filme, a primeira noite em que dormiu na calçada, foi acordado enxotado com água, o fez se sentir humilhado.Depois de anos nas ruas, já não se sentia constrangido, logo deduzimos que perdeu o respeito e o amor por si mesmo.Como poderia respeitar outros se estes passaram a ser indiferentes para ele e com ele?

A violência não aparece como justificativa de sua condição, mas como forma de “estar no comando”, de exercitar poder em uma mente adoecida e exposta a estímulos contrários ao que consideramos sociáveis. O que se pode esperar de medidas sócio-educativas? Como colocar móveis novos, sem tirar os velhos da casa? Como tornar sociável um indivíduo sem que receba alimento para o corpo, para a alma e para a mente?

A escravidão no Brasil durou cerca de 350 anos e trouxe para o país cerca de 4 milhões de africanos—37% de todos os escravos trazidos às Américas. Os negros autodeclarados compõem 6,3% da população brasileira, somando cerca de 11 milhões de indivíduos. Estão espalhados por todo o território brasileiro, embora a maior proporcionalidade esteja no Nordeste. Consideram-se negros todos os descendentes dos povos africanos trazidos para o Brasil e que têm o fenótipo característico africano.

Ao negros são minoria e estão em sua maioria vivendo nas periferias dos grandes centros urbanos, sem as condições necessárias, mas asseguradas pela constituição a todo cidadão brasileiro, para que possam viver dignamente e igualitariamente, desenvolvendo suas aptidões e cidadania. De certa forma, ainda existe a escravidão no Brasil, visto que não são poucas as comunidades existentes que abrigam negros, pobres, negros e pobres e nordestinos (muito presentes nas regiões sul e sudeste do país), que representam mão de obra barata, contratados muitas vezes sem o devido respeito à CLT. Condenamos negros e pobres à escravidão da ignorância de seus direitos e ao domínio de quem está no poder e estes, são negros e caucasianos. O quero dizer é que se a maioria da população brasileira é branca, mesmo com milhares brancos na faixa da pobreza vivendo nas periferias em condições idênticas ás dos negros, ainda resta uma maioria branca e uma minoria negra, que vive melhor e uns poucos negros e brancos que vivem bem. Assim, alimentar “raiva”, “ódio”, por esta ou aquela raça é no mínimo uma tolice, já que quem está no poder, pouco se importa qual a cor da pele de quem servirá aos seus propósitos.

Juntemos então, segregação (sem distinguir raça), péssimas condições de sobrevivência, falta de instrução que resulta na falta de qualificação e colocação profissional, miséria e preconceito e temos a fórmula da escravidão espontânea, alimentada pela indignação, insatisfação e desejo de mudança que produz a violência, fechando o circulo.

É preciso compreender que se existe uma luta, não deve ser por negros ou brancos, tem que ser por brasileiros, porque é isso que todos nós somos. Precisamos nos encontrar enquanto NAÇÃO, não existe pátria sem Nação, como não existe um lar sem uma família.

No ocorrido no Rio de Janeiro, quem foi o culpado pela morte da moça?Só o seqüestrador?A mãe e o policial? Não. Todos os que segregam, negam oportunidades, discriminam, que fingem não ter sua parcela de culpa mas reclamam a crise social que vivemos. A verdade é que não há inocentes nesta história. Todos são culpados, e de certa forma, todos são vítimas, mas não posso deixar de pensar que Geísa Firmo Gonçalves, a professora de 20 anos usada como escudo pelo seqüestrador Sandro, depois de passar horas de horror sob a mira de um revólver, com o resultado que todos conhecem, foi vítima duas vezes: Geísa, também nasceu na pobreza, deixou o interior do Ceará para tentar a vida no Rio, morava na Rocinha e dava aulas para crianças, por um salário de R$ 300,00.

Ainda, com tudo isso precisamos ter um certo cuidado ao manifestar tais constatações, afim de que evitemos uma compreensão equivocada dos jovens, que poderiam justificar-se em sua condição de vida ao cometer atos infracionais, pequenos delitos e crimes. É preciso deixar claro que toda a crítica ao sistema é baseada no caráter de pessoas, no convívio social, na organização das estruturas governamentais, que são dirigidas por “gente”. Que não se trata de justificar, mas de buscar as causas no próprio ser humano e modificá-las.

Por outro lado, as eleições estão aí..

Quantos enxergam uma oportunidade de mudanças? Quantos se interessam no currículo do candidato? Quantos vêem no voto, uma maneira de fazer valer seus direitos? Quantos esperam o dia da eleição, pensando no churrasco, na viagem, num dia de feriado tranqüilo?

Se existe diferença, aqui ela se desfaz.