Abuso Sexual Infantil e Resiliência - Traumas e Superação por Vítimas de Abuso Sexual Infantil

ABUSO SEXUAL INFANTIL E RESILIÊNCIA:

TRAUMAS E SUPERAÇÃO POR PARTE DAS VÍTIMAS DE ABUSO SEXUAL INFANTIL.

Kelly Priscila Oliveira Da Silva.

RESUMO:

O seguinte artigo irá trabalhar a questão do Abuso Sexual Infantil, os traumas vividos pelas vítimas e a capacidade de resiliência que cada uma desenvolve. O objetivo é dar uma rápida visão sobre a dinâmica do abuso e quem são suas principais vítimas, bem como dados recentes sobre o Abuso Sexual Infantil.

PALAVRAS-CHAVE:

Abuso Sexual Infantil; vítimas; resiliência.

INTRODUÇÃO

Ao lançar um olhar sobre o cenário em que a igreja se encontra percebe-se que há uma distorção de valores éticos, morais, espirituais, e familiares. Sem dúvidas a visão que se tem do século XXI é uma visão caótica, triste, que por vezes elucida questões que procuram respostas para saber onde a humanidade errou para que haja tanta discórdia, incompreensão e falta de amor e empatia no coração do homem pós-moderno. Diante disso o inevitável para os cristãos é parar e refletir sobre o papel que a igreja exerce em uma sociedade que vive um trânsito rápido entre descobertas, mas que permanece com violência, atrocidades e bestialidades cometidas nos tempos mais remotos conhecidos pela história.

Ao deter o olhar em tais violências, é natural que o sujeito do olhar sinta em seu íntimo certa repugnância e espanto por aquilo que o homem é capaz de fazer. A violência contra mulher, por exemplo, tem tomado dimensões inimagináveis como espancamentos, e pressões psicológicas que torna incapaz a escrita, do mesmo modo violência aos idosos e mendigos tem tomado proporções de tortura que se fossem registradas muitas pessoas não acreditariam. Contudo o que mais tem chamado atenção nos últimos anos, com o merecido destaque da mídia, é a violência a crianças.

O seguinte artigo pretende tratar o assunto acima citado, “Violência a Crianças” no seu âmbito sexual. Irá se tratar a definição de termos, a visão da lei, traumas que esse tipo de violência deixa na vítima, e a superação que muitas vítimas obtêm através da resiliência.

DESENVOLVIMENTO

A violência a crianças tem ganhado número entre as estatísticas de forma significante, segundo estudiosos o fato ocorre por duas questões básicas:

1. O número de pessoas que têm tomado coragem para denunciar a violência em menores tem crescido, devido à importância que a mídia tem dado ao caso e ao número de órgãos que tem surgido para defender os infantes;

2. Infelizmente, a segunda questão é que realmente o número de pessoas que praticam violência contra criança tem aumentado com o passar dos anos.

Violência a crianças é um termo amplo, que, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) abrange:

- Abuso físico, que pode ser caracterizado por espancamentos, surras, queimaduras com “bituca” de cigarro, garfo quente, bater em crianças com fio de ferro, cabide, cordas, dentre outras crueldades;

- Abuso psicológico, que vai desde negligência e abandono de menor indefeso, a ‘xingar’ a criança, proferir palavras de maldição sobre seu futuro, referir-se a suas debilidades como as piores coisas do mundo, envergonhar a criança na presença de colegas, primos, irmãos, ou qualquer outra platéia, sugerir que teria sido melhor um aborto ao ter dado à luz a criança, e muitas outras atitudes impensadas de pais e responsáveis que terminam por lançar seu estresse e problema em crianças;

E por fim, Abuso Sexual Infantil. O Abuso Sexual Infantil também é conhecido como Pedofilia e Estupro de Vulnerável. Os termos se interligam de forma íntima, pelo fato de um corresponder ao outro na definição de termos. Segundo Allender, (2008, p. 56, 57), muitas vítimas de Abuso Sexual Infantil não conseguem admitir depois de adultas que sofreram tais abusos, por não saberem reconhecer o que de fato caracteriza um abuso sexual. Por esse motivo, são necessárias as definições de tais termos para o prosseguimento do trabalho.

Segundo uma cartilha desenvolvida pela Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência (ABRAPIA), a Pedofilia é caracterizada por toques e carícias nos genitais de crianças, expor à criança material erótico, tirar a roupa do infante a fim de se satisfazer sexualmente (de certa forma isso também abrange o voyeurismo ), ter relação sexual com a criança, ocorrendo ou não a penetração, manter uma relação de sexo oral e/ou anal com o infante, fazer filmes de ordem pornográfica com a criança e por fim, o tráfico sexual de crianças.

A Pedofilia ainda é definida pelo Dicionário Eletrônico Houaiss3 como:

Substantivo feminino, rubrica: psicopatologia. 1) perversão que leva um indivíduo adulto a se sentir sexualmente atraído por crianças 2) prática efetiva de atos sexuais com crianças (p.ex., estimulação genital, carícias sensuais, coito etc.)

Para Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) a pedofilia é tida como crime:

Título 7. Constitui-se dos crimes e das infrações administrativas:

Art. 224. Produzir ou dirigir representação, teatral, televisiva ou película cinematográfica, utilizando-se de criança ou adolescente em cena de sexo ou pornográfica.

Art. 225. Fotografar ou publicar cena de sexo explícito ou pornográfico envolvendo criança ou adolescente.

Já o Abuso Sexual Infantil é definido por Allender (2008, p.58) como:

[...] qualquer contato ou interação (visual, verbal ou psicológica) entre uma criança ou adolescente e um adulto, na qual a criança ou adolescente esteja sendo usada para a estimulação sexual daquele que comete o ato, ou de outra pessoa. (p. 58)

Segundo Allender, “o abuso sexual pode ser cometido por uma pessoa com menos de 18 anos, desde que haja uma diferença significativa de idade entre ela e a vítima.” (2008, p. 58) Para o ECA, essa diferença de idade deve ser de no mínimo cinco anos entre o abusador e a vítima.

Allender ressalta ainda, que “quando o abuso sexual é cometido por uma pessoa que tenha relações sanguíneas ou legais caracteriza-se um incesto ou abuso sexual intrafamiliar.” .

Esse tipo de abuso geralmente dura um período maior fazendo com que suas sequelas sejam quase sempre irreparáveis. Martins (2010, p. 80), relata que:

Dentre as várias modalidades de violência que vitimam crianças e adolescentes, é a violência sexual intrafamiliar caracterizada também como abuso sexual incestuoso, a considerada mais nociva à saúde da criança e ao adolescente vitimado, por ser este tipo de violência, às vezes, de longa duração e difícil de ser denunciada.

A mesma autora alerta que “a violência do incesto não pode ser traduzida apenas pela relação sexual genital, mas principalmente pelas consequências que isso acarreta na saúde da vítima”. Tanto Martins (2010, p.92, 93), quanto Allender (2008, p. 56, 57, 58) expõem que o Abuso Sexual Infantil não está atrelado apenas ao coito, mas também a estimulações sexuais e a exposições do corpo semi-nu ou totalmente despido.

Segundo Martins (2010), o abuso sexual de crianças e adolescentes é um dos tipos de violência mais freqüentes, e assume várias formas que vão desde acariciamento até o estupro . De acordo com a cartilha desenvolvida pela ABRAPIA , uma pesquisa realizada pelo Centro Regional de Atenção aos Maus-Tratos na Infância (CRAMI), da cidade de Campinas, SP mostrou que das 1251 crianças atendidas no Instituto Médico Legal de Campinas, foram vítimas de abuso sexual 67,3% entre 7 e 14 anos; 31,7% entre 2 e 7 anos e 1% abaixo de 2 anos de idade.

A mesma cartilha comunica que 14,4% dos adolescentes atendidos no Serviço de Assistência Integral à Adolescência (SAIA) de São Paulo demonstraram ter sido vítimas de abuso sexual; estudo no ABC paulista registrou que 90% das gestações em jovens com ate 14 anos foram fruto de incesto, sendo o autor, na maioria, o pai, o tio ou o padrasto.

Ainda, em cada 100 denúncias de maus-tratos contra a criança e o adolescente feitas à ABRAPIA, 6 são de abuso sexual. A vítima é do sexo feminino em 80% dos casos, sendo que 49% têm entre 2 e 5 anos e 33% entre 6 e 10 anos. (ABUSO SEXUAL, p.4). Além disso, dados publicados pelo CRAMI mostram que até o mês de Maio do ano de 2011, foram registrados 575 casos de Abuso Sexual Infantil só nos municípios de Santo André, Diadema e São Bernardo do Campo.

Na cidade de Pindamonhangaba foram registradas na Delegacia da Mulher no ano de 2010, 30 boletins de ocorrência denunciando o Abuso Sexual Infantil, ao passo que no Conselho Tutelar foram atendidos 59 casos durante o ano. Segundo a ABRAPIA, pode-se afirmar que no Brasil, 165 crianças ou adolescentes sofrem abuso sexual por dia, ou 7 a cada hora.

Diante da Legislação Brasileira e do ECA, o Abuso Sexual Infantil é crime, e quando descoberto é dever da justiça e da sociedade colocar a criança a salvo do abusador:

Art. 130. Verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual impostos por pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum. (ECA)

O Estupro de Vulnerável, é a definição dada pela Lei para o Abuso Sexual Infantil quando há o coito. Este crime se aplica tanto ao estupro de menor indefeso, como também em qualquer situação em que a vitima esteja em desvantagem diante do abusador, quer no sentido de força física, emocional, ou psicológica.

A Legislação Brasileira, no art. 213 do Código Penal Brasileiro, traz o seguinte texto para o crime de estupro: “Constranger mulher à conjunção carnal , mediante violência ou grave ameaça”. A presunção da violência é assim citada no art. 224, “Presume-se a violência, se a vítima: a) não é maior de 14 (catorze) anos; b) é alienada ou débil mental, e o agente conhecia essa circunstância; c) não pode, por qualquer causa, oferecer resistência” (Martins, 2010)

Os abusos sexuais infantis têm se tornado cada vez mais presente na realidade da família brasileira. Não é difícil encontrar alguém que tenha sofrido abuso na infância, e só esteja relatando o caso depois de adulto. Autoridades no assunto são unânimes em relação às marcas deixadas nas vítimas na fase infantil e adulta.

As vítimas de abuso sexual recebem marcas em seu físico, e em seu psicológico. Por muitas vezes não conseguem se desenvolver de forma saudável em áreas da vida que estejam atreladas à sexualidade, como relacionamentos amorosos. Geralmente a vítima tende a repudiar qualquer contato sexual, ou interessar-se de modo excessivo para tudo o que esteja relacionado à relação sexual.

Há ainda casos em que a vítima desenvolve um perfil homossexual por não conseguir manter uma relação confiável com o gênero que abusou dela. Além dessas marcas visíveis na vida sexual, as vítimas ainda podem carregar traumas quanto à criação de filhos, e formação de família. Allender atenta para o fato que muitas das vítimas de Abuso Sexual Infantil não conseguem se desenvolver profissionalmente, e ainda carregam uma baixa auto-estima em relação ao seu corpo, sua vida etc.

Contudo, alguns psicólogos e psicanalistas têm observado que algumas vítimas de Abuso Sexual Infantil têm conseguido se re-estabelecer consigo mesmas, com a vivência social e familiar, e conseguem até mesmo manter uma vida sexual saudável. A essas pessoas, a psicologia empresta um termo da física, e as chama de Resilientes.

A Resiliência é primeiramente usada pela física e tem a definição no dicionário como: substantivo feminino, rubrica: física. Propriedade que alguns corpos apresentam de retornar à forma original após terem sido submetidos a uma deformação elástica . A psicologia tem entendido que vítimas que passam por situações conflitantes e traumáticas e conseguem recuperar-se são resilientes, pois se assemelham a esses corpos que são submetidos às pressões e retomam à forma original.

A Dr. Rosimeire Martins , em sua tese sobre Abuso Sexual, Sofrimento e Resiliência confirma que:

“O comportamento resiliente é dinâmico, e pode ser construído e/ou desenvolvido através de interações entre o indivíduo e seu meio ambiente, [...]. Deste modo, a resiliência pode estar presente, ou ser desenvolvida antes, durante ou após uma agressão; pode possibilitar uma adaptação às adversidades, ou a superação do trauma sofrido, o que não significa que a experiência agressiva tenha sido apagada. A ressignificação do trauma vivido pode ser feita em distintas fases da vida como a infância,a adolescência ou a vida adulta, desde que estabelecido um vínculo de confiança” (p. 177.178. sem grifo no original)

É importante ressaltar, que como Martins afirma, a resiliência não significa apagar da memória a experiência vivida. Allender (2008) lembra que, na questão do Abuso Sexual Infantil tudo é “uma questão de lembrança” (p. 25-48). Allender expõe que esquecer não é o melhor caminho para a resiliência, para ele o esquecimento é apenas uma estratégia que a vítima encontra para esconder a vergonha do abuso. (p. 39).

Allender estuda que não é bom para a vítima esquecer, ou bloquear as memórias do abuso, pois:

[...]”bloquear lembranças” surge, em qualquer idade, a partir da confusão, da vergonha e da tristeza. De modo objetivo, o que causa o bloqueio é algo maior que a dor. É a sensação de vermos o mundo desmoronar sem a ajuda que gostaríamos: ordem sendo substituída pelo caos; relacionamentos rompidos pela traição; alegria e felicidade subjugadas pelo desespero. [...] creio que a supressão consciente pode se transformar numa distorção e até mesmo numa ilusão que bloqueia completamente as lembranças do passado. (p.39,40)

Portanto, a vítima se torna resiliente quando consegue viver com as lembranças do abuso sofrido. Martins declara que “as qualidades da resiliência permitem às pessoas se refazerem de feridas dolorosas, assumirem as redás de suas vidas e irem em frente (p. 181)”. A autora relata que a resiliência é algo trabalhado ao longo da vida da vítima, deste modo percebe-se que não é uma ação estanque, mas algo que exige da vítima e das que a cercam um esforço para superar os traumas deixados pelo abuso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É bem verdade que as vítimas de Abuso Sexual Infantil carregam marcas inimagináveis em suas mentes. As lembranças, como diz Allender, não podem ser simplesmente dominadas e por esse motivo por vezes vêm à mente, e causam dor naqueles que as sente. Através do artigo escrito, pôde-se perceber que o abuso sexual infantil também se constitui em um abuso físico e psicológico, pois por vezes envolve violência física, e “acelera” o crescimento sexual da criança causando um retardo na área sexual da vítima. Além disso, através dos dados pôde-se concluir que a maioria dos abusadores faz parte do convívio social da vítima, constituindo um abuso intrafamiliar, o que torna mais difícil a superação do trauma.

Porém, também foi observado que é possível que essas vítimas desenvolvam um caráter de superação para o trauma vivido. Com o devido acompanhamento e incentivo, vítimas adultas de Abuso Sexual Infantil, podem refazer suas vidas e serem sobreviventes, verdadeiras resilientes que conseguiram passar por situações tão conflituosas sem perder a esperança e a fé na vida.

O que fica agora é um claro desafio proposto: auxiliar tais vítimas na sua recuperação emocional, e fazer com que elas percebam que seu verdadeiro valor não foi anulado no ato do abuso, mas que elas continuam com o mesmo brilho e importância para Deus, Aquele que conhece as feridas mais profundas.

REFERÊNCIAS

ABUSO SEXUAL, Mitos e Realidades. Por quê?! Quem?! Como?! O quê?! Coleção Criança Carinho, ABRAPIA, 201?

ALLENDER, Dan B. Lágrimas Secretas. Cura para as Vítimas de Abuso Sexual na Infância. São Paulo, Mundo Cristão, 2008.

CD-ROM, Dicionário Eletrônico Houaiss3, versão mono-usuário 3.0, 2009.

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, ECA, Ministério da Saúde, Ministério da Criança, 200?

MARTINS, Rosimeire de Carvalho. Jovens Mulheres Vitimadas. Abuso Sexual, Sofrimento e Resiliência. Curitiba, Juruá, 2010

Café e Leitura
Enviado por Café e Leitura em 26/08/2011
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