SENTIMENTO DE ANGÚSTIA
“O que devo fazer?” “Será que é correto fazer isso?” “O mundo não deveria ser assim” ou “por que o mundo é assim?”... Quem nunca fez este tipo de pergunta? Constantemente nos vemos diante de situações ou problemas que nos levam a fazê-las.
Isto é tão “normal” que nunca, ou dificilmente, nós paramos para pensar sobre o ato mesmo de fazer estas perguntas. Simplesmente perguntamos, sem nos questionarmos por que as fazemos; elas fazem parte do nosso cotidiano, da nossa “normalidade”.
Eis um sentimento polêmico, sobre o qual muito se tem falado, inclusive com as maiores contradições. O filósofo estóico Epíteto ( 50-120 d.c.) dizia que “ a filosofia é a experiência que fazemos de nossa fraqueza”. Esta nos causa angústia.
A angústia educa e ensina. Nela aprendemos a nos predispor à possibilidade. Estar aberto e disposto à possibilidade de tornar-se mais angustiante do que estar disposto e aberto à realidade. Isso equivale a dizer que a existência humana é trágica porque todas as suas possibilidades, além de serem possibilidades de sim, são também possibilidade de não.
E debaixo de toda possibilidade humana se esconde sempre a ameaça do insucesso, do fracasso e da morte. Não há situação humana que possa proteger-se de uma tal ameaça. Não há quem nos liberte da condição de discípulos da angústia.
Kierkegaard diz que a palavra mais angustiante pronunciada por Cristo não foi: “Meu Deus, por que me abandonaste?”, mas a que dirigiu a judas: “O que tens a fazer, faze-o depressa!” A primeira expressa o sofrimento por aquilo que estava acontecendo, a segunda, a angústia por aquilo que podia acontecer. E só nesta última se revela a humanidade de cristo, porque humanidade significa angústia.
Heidegger considerou a angústia o caminho privilegiado de compreensão do ser. Na angústia o homem se compreende nitidamente como “ser para a morte”, “sente-se em presença do nada, da impossibilidade possível de sua existência”. Isto significa que na angústia percebe com muita nitidez que ele está na determinação e na disposição de ser, está na liberdade de existir e também de não existir.
Em Sartre, a liberdade é precisamente o Ser da consciência: nela, o ser humano é o seu próprio passado — bem como o seu devir — sob a forma de nadificação. Sendo consciência de Ser (liberdade), há para o ser humano um determinado modo de situar-se frente ao passado e ao futuro como sendo e não sendo ambos ao mesmo tempo. A liberdade humana, da perspectiva sartreana, é a escolha irremediável de certos possíveis: o homem não é, mas faz-se. Liberdade radical, à maneira de Sartre, implica em total responsabilidade que, por sua vez, há de acarretar uma angústia ilimitada. Sob a regência sartreana, existência humana se confunde com liberdade —tomada como dimensão total do humano, sem limites ou condições.
Em Sartre, existência é escolha, assim como o homem é transcendência ou realidade humana um “vir-a-ser” em projeto. Em rigor, somos inteiramente responsáveis por nossos atos e nossa liberdade nos obriga a prestar contas a todos—e até contra todos— de nossas escolhas deliberadas. Desse modo, cabe ao homem assumir sua condição de existente. Ora, vê-se logo que a liberdade, sob o escopo teórico sartreano, coincide no fundo com o Nada que está no coração do humano: para a realidade humana, ser é escolher-se de tal e tal modo, com tais e tais conseqüências. A liberdade não é um Ser apenas ela é o Ser do humano — ou, em linguagem mais precisa, a liberdade é precisamente o Nada de Ser do homem, sua radical indeterminação.
Sendo livre, o humano não tem como se precaver nem contra a permanente possibilidade de fazer novas escolhas de sua maneira de Ser e nem como escapar às suas responsabilidades; logo, a descoberta de sua própria liberdade terá antes o gosto amargo da “condenação”—trata-se aqui do sentimento de angústia — do que o gosto da jubilosa experiência comumente associada à liberdade. Desse modo, pode-se dizer que a liberdade nos aprisiona nela própria: “estamos condenados a ser livres”
(SARTRE 2, p. 484).
KIERKEGAARD, Sören. O Desespero Humano (Doença até a morte). Trad.
Adolfo Casais Monteiro. P. 187 a 279 da coleção Os Pensadores. Rio de
Janeiro: Abril Cultural, 1988.
SARTRE, J. P. O Ser e o Nada: Ensaio de ontologia fenomenológica, trad. Paulo Perdigão Petrópolis: Vozes, 2002.