SER OU NÃO SER DE ALGUÉM – EIS A QUESTÃO.

Todos querem um amor eterno, mesmo sabendo que se a própria vida não é eterna fica difícil um amor eterno na vida. Contudo, a ilusão é o combustível da vida e sem ela a gente vive como um peixe fora d’água.

Nos mistérios do amor, quase sempre o poder de um sobre o outro é estabelecido direta ou subliminarmente. “Ter alguém”. “Ser de alguém”. Talvez sejam esses os grandes dilemas do amor na forma que a sociedade nos conduz, embora saibamos que, na pratica NINGUÉM É MESMO DE NINGUÉM. Ser de alguém ou ter alguém são sentimentos que, no geral, nos envolvem movidos pela paixão. No processo de “apaixonamento”, não raro a gente se deixa levar pelos impulsos arrebatadores que o tesão nos conduz. Então a gente se dar por completo, se olha por inteiro, se promete um ao outro nas eternas juras de amor.

Os caminhos da paixão não são os mesmos do amor, embora saibamos que tudo fica mais fácil quando a gente se apaixona. O amor enquanto processo de construção a dois até acontece, mas requer dos parceiros muita sintonia além da atração que certamente tem que haver entre ambos. Dá-nos a sensação de que o amor verdadeiro tem que ser constituído em bases sólidas que nos possam dar sustentação para prosseguir na vida sem o fantasma da solidão. Talvez nas relações de amor, se possa suportar as agruras do dia-a-dia, bem como as transformações que o tempo provoca no corpo e na mente das pessoas.

Fica evidente a relação intrínseca entre amor e paixão e sua direta relação com o medo da solidão por um lado, e o tesão, a necessidade do corpo, por outro. Penso que talvez esteja aí a necessidade de pertencimento de grande maioria de seres humanos em seus processos de construção afetiva. Nesse meio de tão complexas compreensões que amor e paixão deixam, o CIUME insurge como ingrediente de dor e prazer, de união e separação.

Há quem diga que o ciúme é expressão de quem gosta, bem na lógica do “quem gosta cuida”, mas isto é questionável. Basta entender que o amor só é grande se for LIVRE e com base na confiança – esta é a grande retórica usual nesses casos. Indagamos: Se houver confiança, o ciúme se vai embora? Em que bases se constroem uma confiança em relações afetivas? Haverá amor tão grande que possa tirar dos amantes a lógica de que o fingimento é inerente à grande maioria de humanos? Diante de uma pessoa bonita, atraente, haverá amor e paixão que nos blindem de sentirmos atração?

Inúmeras seriam as hipóteses que discorreríamos neste tema. O que nos contraria é sabermos que a evolução humana nas relações de amor, no processo histórico, é muito tímida. Evoluímos em ciência e tecnologia, mas na relação com o outro e nos processos das relações sociais muito pouco avançamos. Contudo, somos compelidos a raciocinar na questão cultural e seus pressupostos acerca dessas questões tão profundamente arraigadas a nossa natureza, como o amor, a paixão e o medo da solidão. Dá-nos a impressão de que o certo não é o que nos dizem que não é certo. Dito diferente: se diante de uma pessoa bonita, atraente, o nosso coração pulsa mais forte independente de estarmos apaixonados ou não, então há algo errado. Errado ou equivocado, mas não importa o conceito. Certo é que a nossa cultura nos conduz a “sermos de alguém” ou a “termos alguém” bem na concepção do pertencimento. A própria cultura se encarrega de nos punir ou nos premiar diante do cumprimento dos nossos papéis sociais desempenhados. Numa relação a dois, o casal tem que mais que ser feliz parecer ser feliz. Mais que não trais parecer não fazê-lo. Neste meio de cumprimento de papéis, tudo indica que “fazer de conta” parece ser a regra, mesmo que por dentro o sentimento não corresponda ao que se faz por conta.

A traição se constitui, como se vê, num dos grandes elementos constituidores dos processos de pertencimento a outrem. Há quem suporte ser traído naturalmente, mas há quem não suporte e tenha as mais inesperadas reações diante desse fato, mesmo considerando que a traição atendeu a um sentimento despertado dentro de uma pessoa. Nesse meio termo, nos perguntamos se o errado é o traidor ou o traído ou ainda a outra pessoa do triangulo. Talvez nenhum dos três, se considerarmos que o “X” do problema é a nossa cultura falso moralista que estabeleceu a monogamia das relações afetivas. Nesse contexto, refletimos que tudo poderia ser diferente se o que é socialmente condenável fosse aceito como normal ou vice-versa. A razão desta prerrogativa está fundamentada na realidade interior de cada pessoa, pois se dentro de cada pessoa brotar um desejo de fazer sexo com outra pessoa que não a “nossa” por que não fazer? Afinal, não defendemos que o que sentimos é o que nos move desde que seja verdadeiro. Deste modo, como é que nossa sociedade institui a monogamia como modo de vida, sabendo que a natureza do homem e da mulher não são monogâmicas, ou pelo menos nos levar a crer que assim são?

Fica claro que a cultura é relativa, posto que há culturas em que os homens traem naturalmente suas mulheres e estas não desenvolvem sentimento de traição. É bem verdade que tudo isto carece de maiores investigações, mas no que nos compete saber, o PERTENCIMENTO a que somos compelidos a ter em nosso tipo de sociedade é meio “furado” em sua essência. Assim, amor, sexo, paixão, ciúme, traição, passam a ser questionados de dentro pra fora de cada um, considerando que embora não gostemos de ser traídos, traímos e quando o nosso parceiro descobre, tentamos mentir involuntariamente.

Diante de tudo, as relações interpessoais se nos configuram como frágeis em quase todos os seus significados, o que nos faz querer entender que vivemos uma coisa para atender às expectativas sociais, mas somos outra na nossa intimidade. Estaria legitimada a falsidade? Estaríamos querendo pra nós o que não temos condições de oferecer aos nossos parceiros a quem um dia dissemos amar, idolatrar, “viver até que a morte nos separe”? Certo é que sabemos pouco de nós e das relações que construímos no nosso dia a dia. A grande dificuldade é que a moral vigente não foi construída por nós, mas a sociedade exige de nós o seu cumprimento, embora não tenhamos participado da sua construção.