UMA HISTORIADORA DE FÉRIAS E ENTEDIADA - A INVENÇÃO DA MODA

A vestimenta surgiu por motivos práticos que facilitavam a sobrevivência, resguardando o ser humano do frio, dos ventos, dos espinhos e arestas a que etava exposto quando saía para caçar ou pescar ou dar uma olhada na tempestade e imaginar que tipo de criatura estaria tão furiosa com eles que tentasse afogá-los nas inundações ou o que eles tinham feito para merecer aqueles furacões e relâmpagos incendiários.

Como, no princípio não se sabia ainda tecer, as roupas eram apenas coberturas feitas de pele de animais caçados e só quem as possuía eram as mulheres dos caçadores e os próprios caçadores, é claro.

As mulheres dos piores caçadores, que só conseguiam caçar coelhos pré-históricos, era obrigadas a unir várias peles para ter um casaco decente e, como ainda se pescava com lanças, elas tiveram que inventar a agulha e a linha.

Quanto às mulheres dos pescadores, estas tinham que trocar alguns belos pentes de espinhas de peixe por peles de animais com as mulheres dos caçadores, que viviam despenteadas, coitadas.

Os caçadores que se distinguiam dentro do clã ou tribo obviamente logo passavam a liderar as caçadas e daí para se tornarem líderes do grupo todo e terem as melhores parideiras para si foi um pulo.

Muitas e boas mulheres era, claro está, sinônimo de status, pois só quem era muito bom caçador podia alimentar um harém e uma prole numerosa, o que era, segundo os biológos, o objetivo máximo da existência humana, a perpetuação dos genes.

De acordo com os historiadores, a formação familiar e a união de várias famílias em grupos foi também uma estratégia de sobrevivência, pois era muito mais fácil defenderem-se dos predadores se vivessem em grandes grupos de indivíduos, cada um contribuindo de alguma forma para a manutenção da sua prole, ou seja, perpetuação dos genes novamente.

Grandes grupos de bons caçadores e pescadores usavam melhores peles e tinham mulheres mais bem penteadas e passaram a dominar grupos de mal vestidos e despenteadas, o que acabou por formar o embrião da sociedade classista em que se vive hoje, cujo objetivo máximo é conseguir o maior número de peles e pentes que puder, para continuar identificando-se com o melhor e mais forte grupo, mesmo que ao custo de uma estante sem livros.

A durabilidade das peles era o fator primordial para seu valor, haja visto que dava um trabalho imenso curtir estas peles e quanto mais bem curtida mais valor era agregado, e mais status dava a quem a usasse.

O valor das peles e o status de quem as usava eram proporcionais à sua durabilidade, espessura, tamanho e animal fornecedor, sendo assim, mais uma vez, os melhores caçadores e suas mulheres permaneciam no topo da escala social e os piores caçadores, cada vez mais mal vestidos, negociavam lanças, machadinhas e panelas de barro em troca destas peles na tentativa de se fazerem passar por exímios caçadores e aumentarem suas chances de copular e passar seus genes à diante.

As mulheres dos piores caçadores tentavam a todo custo atrair a atenção dos melhores para garantir sustento à sua prole e, para isso, também trocavam o que pudessem em troca de melhores peles, que as fizesse se parecerem com as mulheres dos líderes dos grupos vizinhos ou domiates.

Quando os caçadores e pescadores tornaram-se agricultores e pecuaristas o acúmulo de riquezas proporcionado pela armazenagem de grãos e constante produção de carne e leite resultou numa sensível melhora na manufatura das peles, já que estas eram abundantes e uma pele mal cortada e inutilizada por uma péssima costureira era facilmente substituída, o que levou a uma menor preocupação com a durabilidade e maior cuidado na costura e curtição do couro, trazendo ao uso vários modelitos e cores diferentes, resultantes da aplicação de diferentes produtos no trato com a matéria-prima.

Ora, apenas os melhores caçadores mais fortes e líderes dos grupos tornaram-se os primeiros pecuaristas e agricultores, que cercaram e defenderam sua terra primeiro, tendo ao seu serviço todo o clã que lideravam e vestiam, o que descambou num rudimento de sociedade sedentária, na qual era necessário um governo permanente e algumas leis de proteção à família, à tradição e à propriedade, para que os velhos caçadores-agricultores-pecuaristas não perdessem seus postos e permanecessem chefiando a todos, e, por hábito, se vestindo com os melhores tecidos de origem animal e vegetal que produziam.

Para tanto, perceberam e determinaram que as vestimentas dos líderes não precisavam ser duráveis como as dos trabalhadores braçais da lavoura e da pecuária, já que viviam encastelados, e foi aí que a roupa da elite deixou de significar trabalho ou competência e passou a significar poder de compra.

Hoje, os valores agregados à roupa são os mesmos, embora transformados, poder de compra e tentativa de identificação com líderes de tribos e clãs passageiros como bandas de roupas coloridas e berrantes e personagens de filmes e novelas. Há ainda, após as inúmeras revoluções político-ideológicas da humanidade, quem alegue utilizar roupas por proclamar ou se identificar com ideologias diversas, que eu não consigo identificar sem uma pesquisa séria e chatíssima.

Mesmo tendo a indústria da moda um único objetivo, o lucro, os consumidores não se cansam de ostentar as vestimentas como meio de afirmação social ou de protesto ou de negação de algo ou da origem ou seja lá o que for.

A imitação pirata e a produção em escala industrial confundiu os fatos da moda e democratizou estilos, mesmo que não tenha democratizado a qualidade, o que mistura numa só bermuda um surfistinha sarado filhinho de papai, um estudante de escola pública e um office-boy universitário.

Embora a mobilidade social esteja diretamente ligada à roupa que se usa na hora de procurar um emprego, atualmente há tantas variáveis envolvidas no processo de aceitação de um ser humano a partir de sua apresentação que tudo o que se pode definir é que roupa não pode ser usada em deterinado ambiente de trabalho, e não o que deve ser usado no mesmo.

A moda não deixa de ser um engodo, posto que, derivando de uma necessidade prática e tornada uma forma de epressar um poder real, perdeu todo o poder que representava de fato à época dos caçadores, passando a representar um poder subjetivo, vendido como produto, que só é válido para quem usa e os que com ele compactuam ou entendem, de uma forma tal que há aqueles que se vestem claramente defendendo uma ideologia mas são vistos como contrários a ela por quem não faz parte do seu grupo, sendo a moda sempre dinâmica, passageira e em constante reinvenção e contradição.

Vejam o caso dos emo, por exemplo: quase tudo o que herdaram do vestuário veio dos punks e dos góticos dos anos 80 e os mais velhos que ainda se vestem pensando que estão expressando uma dessas corretnes são na verdade emo sem saber.

Não é incrível?

E o hippismo? Significava uma ruptura com a linha certinha e um desleixo com as regras do bem vestir assim como uma negação de tudo o que esta linha era, desde os defensores da guerra do Vietnã aos racistas brancos que negavam o poder do rock'n roll, até que a indústria e a mídia perceberam o potencial de mercado daqueles saiões e calças de flanela velha e hoje não dá para diferenciar uma velha hippie deselixada de uma adepta da alta costura, sem que o pacifismo e o inconformismo seja sequer mencionado.

Enquanto a roupa é vista por quem usa como um cartão de visitas, um espelho ou reflexo da sua personalidade e ideias, ela representa, para quem a produz, um filão inesgotável e certeiro, onde só é necessário vestir um dos produtos da mídia para que aquele estilo passe a significar algo além de dinheiro para os consumidores.

A conclusão, infelizmente, é de que a moda não propõe nada além de uma constante sequência de ideologias e estilos descartáveis, manipulando os anseios de identificação do consumidor, que, sem perceber, transforma-se em um catálogo ideológico sem conteúdo.

Exceto aqueles mais teimosos que aderem à moda dos sem-moda, cujo uniforme é sempre algo contrário ao que se está usando no shopping mais próximo.

Acontece que este 'estilo' logo é engolido pelo mercado e vomitado de volta e passa a ser mais um rótulo passageiro, pasteurizado e imitado ou repudiado por diferentes grupos ao mesmo tempo, que não se constrangem em mudar suas pseudo-ideologias ao sabor do mercado.

Quem se mantém à margem total desta oca insanidade é justamente aquele seu vizinho 20 anos mais jovem gatinho nerd ou pseudo-looser que se veste como um louco, sempre, independente do que você ou os amigos dele estejam ou não usando e do que você imagina que ele está querendo expressar.

É que ele simplesmente não vê TV nem sabe o que você usou no primeiro encontro, ele só percebe que sua roupa ficou maravilhosamente bem em você.

Mesmo que você esteja totalmente fora de moda.

Iama K
Enviado por Iama K em 06/07/2011
Reeditado em 06/07/2011
Código do texto: T3078690
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