Pois não, doutor.

Há em nosso léxico um pronome de tratamento que serve para demonstra respeito por qualquer pessoa, seja qual for a sua posição social. É o pronome senhor (a). Todavia, alguns bacharéis em nossa sociedade insistem em ser tratados por doutor, tratamento que, segundo eles, é um direito garantido por lei. Ora, quando se reduz uma questão ao teor da lei, perde-se a chance de analisá-la criticamente e objetivamente.

O título de doutor é concedido a quem conclui o último grau de formação superior que é o curso de doutorado. Os bacharéis em direito reivindicam o título de doutor respaldados pela lei de 11 de agosto de 1827 que, deveras, concede o título de doutor a quem se qualifica. Entretanto, vale lembrar que, à época, aquele curso era o último grau de formação, não havia doutorado. Hoje em dia já existe doutorado mesmo para quem já se considera doutor.

Esta constatação, no entanto, não anula a lei que, apesar de arcaica, ainda vigora. E convenhamos, não há problema algum em se conceder o título de doutor a pessoas que exercem funções tão importantes na sociedade, como médicos e advogados. O problema está na forma como esse título é usado. Esses bacharéis querem que clientes, funcionários e até amigos os tratem por doutor o tempo todo, como se doutor fosse um pronome de tratamento. Por trás dessa ostentação esconde-se uma anomalia social já identificada por Sergio Buarque de Holanda em “raízes do Brasil”, onde ele afirma que “ a dignidade e importância que confere o título de doutor permitem ao indivíduo atravessar a existência com discreta compostura”. Fica claro, portanto, que as pessoas usam o título de doutor para ostentar uma posição de superioridade e associam essa palavra a um status social.

Como já mencionamos, o pronome senhor (a) é perfeitamente adequado para demonstrar respeito por qualquer pessoa. Não existe lei que obrigue uma pessoa a tratar outra por doutor. Doutor é um título e deve ser usado como tal. Usa-se um título quando é necessário especificar que se possui qualificação para exercer uma determinada função (em documentos, cartas, requerimentos, etc.). Fora isso, o seu uso é discriminador e antidemocrático. Talvez tenha chegado a hora de pararmos para pensar no assunto, visto que já estamos no século XXI e vivemos numa sociedade igualitária. Refletir criticamente sobre nossas convicções pode ser um primeiro passo para evitarmos que reduzamos nossa existência a um mero título ou a bens materiais ou a status.

vavá barreto
Enviado por vavá barreto em 20/05/2011
Reeditado em 22/05/2011
Código do texto: T2981971
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