OTIMISMO PARA RETARDADOS

Este artigo abaixo NÃO é meu.

Bem que eu queria que fosse, pois gostei muito, por isso estou postando. Ele é do Luiz Felipe Pondé, talvez o Schopenhauer da atualidade. Nem tanto por uma visão pessimista da vida, do mundo e das pessoas, mas pela realidade que ele nos joga na cara sem nenhum pudor ou receio de desagradar.

Achei esse artigo uma tremendo 'bordoada'. Os politicamente corretos vão se arrepiar com os dizeres do Pondé, mas, cá entre nós, o cara só fala a verdade, só isso, só não tem medo do que pensem dele.

Um filósofo independente de fato. Adoro isso.

Apreciem Luiz Felipe Pondé.

OTIMISMO PARA RETARDADOS

Dias atrás , esperando um voo, ouvi uma expressão que sempre me soa idiota: “Passageiros da melhor idade”.

Uso dessa lembrança para responder aos leitores que me escreveram (por conta da coluna do dia 29/06) um tanto revoltados com a dureza do meu tratamento do fenômeno loser (homens e mulheres fracassados na vida, envelhecidos, sem dinheiro, sem amor, sem chances) e de outro fenômeno, o otimismo para retardados. Muitos leitores questionavam meu “direito” de dizer coisas duras assim para as pessoas e que todos têm o “direito a ter esperanças”.

A maioria da humanidade é loser. Tanto a arte, quanto seu oposto, a estatística, prova isso. Mas o que seria um programa de otimismo para retardados? Cuidado que você pode, de repente, tropeçar com ele na empresa ou na escola (que horror!), e provavelmente levado a cabo pelo departamento de recursos humanos ou por alguma pedagoga boba apaixonada pela felicidade como produto da educação.

Mas antes, reafirmo: somos todos losers, na medida em que, se tudo está dando certo hoje, a fragilidade da vida (traições, ódios, indiferença, crise financeira, morte) mostrará sua cara. Todavia, a maioria de nós vive isso de modo mais imediato: virtudes são raras, a covardia impera, as competências são escassas (sempre aparece alguém melhor do que você), a inveja corrói as relações, o mercado mata.

A própria paixão que a modernidade tem pela “velocidade” carrega em si o lado negro desta paixão: o risco da aceleração para o vazio é grande e o desejo de permanecer tendo sucesso no mundo contemporâneo tem a consistência de um gás venenoso. Por exemplo, na carreira profissional inventaram uma bobagem chamada “agregar valor a si mesmo” que significa basicamente: não repouse nunca, corra sempre. Ninguém consegue correr sempre, e a experiência humana do envelhecimento fala exatamente do contrário: a vida caminha para o repouso.

A tentativa de negar isso é a palhaçada do termo “melhor idade” para se referir aos idosos, que na realidade não têm valor algum no mundo porque poucos produzem e quase nenhum consome. “Agregar valor a si mesmo” e “melhor idade” são dois exemplos claros do programa de otimismo para retardados.

Faz parte desse programa outro exemplo: a ideia de que exista uma coisa chamada “direito a esperança” e que “respeitar” isso passe pelo perfil obrigatório de um colunista ou de um intelectual. Pelo contrário, quanto melhor for uma reflexão, menos comprometida ela deve ser com um programa de otimismo para retardados. O simples imperativo de associar pensamento à felicidade já é sequela deste programa.

Chamar a última fase da vida de “melhor idade” é um desrespeito ao idoso inteligente. A desvalorização do envelhecimento é consequência inevitável da inaptidão do idoso para responder às demandas do capital e da paixão idiota pela velocidade que falei acima. Sendo o idoso a “encarnação” do passado, e tendo sua experiência valor zero no mercado do mundo, é inevitável que ele sinta que não vale nada.

Contra os idosos hoje em dia há também o fato de que são muitos. Com o grande aumento da quantidade deles, fruto dos avanços da medicina (graças a Deus e às indústrias farmacêuticas, que espero continuem a ser criativas e a ter muito lucro), percebemos que a maioria dos idosos é banal e pouco sábia. Aliás, o efeito das grandes quantidades é sempre este: redução do valor como mercadoria, banalização do conteúdo. Quanto mais idoso existe, menos ele vale no mercado dos homens. Contradição dura esta, não? A vida longa é desejável, mas o resultado é o aumento do estoque de banalidade na forma deformada do corpo humano.

Outro fator a destruir o lugar do idoso no mundo contemporâneo é sua substituição por outros instrumentos de transmissão de conhecimento: internet, mídia, uma escola a cada esquina (mesmo que vagabunda). Esse fenômeno foi chamado de “morte do narrador”: ninguém precisa do idoso para “narrar o mundo” e dar sentido a ele. O idoso é ultrapassado, não acompanha as mudanças, é lento, tende ao repouso. De lugar da produção de sentido (o narrador da vida), ele passa a ser o abismo da falta de sentido dela: envelhece, perde funções vitais, é um peso para os seus, ocupa espaço e é inútil.

Sofro com o fato tanto quanto os que “têm esperança”. Respiro do mesmo gás. Morrerei do mesmo veneno.

Frederico Guilherme
Enviado por Frederico Guilherme em 27/04/2011
Código do texto: T2933552