O complicado, o mais complicado e o complicadíssimo na formalização do uso dos recursos naturais

Belém, 25 de janeiro de 2008.

O ano de 2008 é inaugurado pela lista dos municípios campeões de desmatamento nos últimos tempos. Nada de novo, a não ser que agora é oficial que localidades como Alta Floresta-MT ou Altamira-Pa são exemplos de desrespeito à Amazônia e às tentativas mundiais de combate aos fatores que provocam o aquecimento global.

A sociedade civil organizada, os institutos de pesquisas governamentais e não governamentais, e o próprio Governo federal já tem em mente o que precisa ser feito e não são poucas as sugestões. Uma dessas propostas é hoje um mecanismo concreto e promissor chamado Lei de Gestão de Florestas Públicas, destinada a dar um pouco de controle à exploração madeireira ainda em boa parte irracional, não obstante as iniciativas de manejo florestal por algumas empresas responsáveis e comunidades organizadas.

Para o licenciamento ao setor empresarial já há procedimentos, macetes e mesmo identificação das mais burocráticas mesas para a aprovação de planos de manejo florestal madeireiro. Ao visitar a Secretaria Estadual de Meio Ambiente, é fácil constatar a presença diária dos despachantes e responsáveis técnicos das empresas a monitorar seus processos em tramitação. Quem vai de primeira vez, pensa que é algum evento sendo realizado no prédio da SEMA. Não é, é lobby mesmo. É necessário, pois todo órgão governamental funciona que nem campainha (tem que apertar) ou deve ser tratado que nem feijão (só rende se for à pressão).

As comunidades tradicionais possuem condições logísticas e financeiras para acompanhar seja na SEMA, IBAMA, etc, seus processos de manejo florestal? Simples: não, ainda não. Depois de este autor lidar com a burocracia reinante por quase uma década, experimentado nos corredores Kafkiano do IBAMA, a impressão que se tem é que ainda patinamos no não reconhecimento do Governo Brasileiro dos arranjos produtivos oriundos do manejo florestal madeireiro e não madeireiros por famílias agroextrativistas. Apesar de lançada a Política Nacional para o Manejo Florestal Comunitário, nem sequer um departamento especifico para esta modalidade fora até hoje criada, misturando as suas situações com o manejo empresarial. O Ministério do Meio Ambiente em 2005 encomendara um estudo para saber dos entraves existentes para a aprovação de planos de manejo elaborados por comunidades rurais amazônicas, pesquisa esta feita pela ótima engenheira florestal Sandra Costa e já se apontava que era necessário dividir o que era empresarial de comunitária. Estudo feito, suor e neurônios queimados por ela certamente e mais um bom artigo arquivado. Ninguém pode dizer que o MMA não sabe dos problemas que existem no manejo comunitário.

Os gurupaenses lá do Estuário do rio Amazonas cansando dessa situação e após verem mais de 300 autorizações para exploração e nenhuma ATPFs emitidas para transporte de madeira dessas áreas de manejo, resolveram fazer manifestação no IBAMA-Ap, convidaram vários técnicos a visitarem suas áreas com o propósito de levar subsídios para a formulação de leis adaptáveis à realidade comunitária, geriram projetos do próprio MMA (ProVárzea e ProManejo) para incentivar o manejo florestal e nada, nada de conseguir uma forma continuada de análise de planos por parte do Governo Federal ou Estadual.

Cansaço.

Bom, depois de um tempo de observação das mudanças estruturais na gestão das florestas amazônicas, pode-se fazer um quadro das possibilidades de aprovação de planos de manejo florestal comunitários, aqui dividido sob o signo de: O Complicado, O Mais complicado e o Complicadíssimo, tomando como base o estuário amazônico e quiçá, o Estado do Pará.

1 – O Complicado

O cenário dito “Complicado” são os pedidos de planos de manejo em áreas fundiariamente regularizadas de competência do Estado, ou seja, PEAS , PEAEX , TEQ e Títulos Individuais do ITERPA para trabalhadores rurais. Nestes casos, uma vez obtida a regularização fundiária, a tramitação é de planos de manejo florestal comunitário madeireiros e não madeireiros envolvendo como órgãos Pará versus Pará, ou seja, com SEMA e ITERPA, instituições com relativa facilidade de diálogo. As associações comunitárias podem estabelecer uma estratégia clara de como acompanhar estes dois órgãos. No entanto, é complicado pelo ITERPA se encontrar em franco trabalho de retomada de suas funções, a vários anos sem uma linha de raciocínio definida e que só após o inicio do atual governo estadual passa a ter um horizonte de ações concatenadas a dar o sentimento de segurança da terra aos homens do campo. Um exemplo disso é a Instrução Normativa nº1, de abril de 2007, que aponta as difentes modalidades oferecidas pelo Estado em regularização fundiária. A SEMA por sua vez, ainda está se restruturando e tal qual o nível federal, não possui ainda os elementos operacionais e legais para tornar a aprovação de planos de manejo comunitários como elemento rotineiro de proteção às florestas estaduais. Sua vantagem é que está empenhado e possui o Instituto de Desenvolvimento Florestal do Estado Pará (IDEFLOR) como aliado importante.

2 – O Mais Complicado

O cenário aqui classificado como “O Mais Complicado” atende as áreas de várzeas, notadamente as regiões do Baixo Tocantins e Micro-regiao do Marajó. Nestas áreas, a regularização fundiária pode ser feita através dos Projetos de Assentamentos Agroextrativistas feitos pelo INCRA, após autorização da Superintendência de Patrimônio da União (SPU) e regional. As autorizações de uso que vem sendo emitidas pela GRPU às famílias várzeiras, apesar de significar um avanço no reconhecimento de posse dos moradores, NÃO É A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA PROPRIAMENTE DITA, e não há certeza se seria aceito pelos órgãos ambientais como sendo um documento de terra que legitimasse planos de manejo. É mais complicado porque além de demorada a regularização das terras (em média 1000 dias de tramitação, segundo experiências em Gurupá e Abaetetuba), é preciso elaborar o Plano de Utilização do Projeto de Assentamento para assim prever planos específicos para produtos florestais madeireiros e não madeireiros (uma exigência do INCRA). Além disso, é importante que haja a celebração de um termo de cooperação técnica entre SEMA, INCRA e GRPU para analisar os pedidos das comunidades. Milhares de famílias fazem parte desse cenário. Como agilizar?

3 – O Complicadíssimo

Aqui é chamado “Complicadíssimo” a situação de planos de manejo florestais comunitários em Reservas Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento Sustentável gerenciadas pelo IBAMA e Instituto Chico Mendes. Além de demorada a criação de uma RESEX ou RDS, o que já se tornou “natural”, as famílias da Unidade de Conservação tem que deparar-se com uma exigência da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação: a que para ter planos de manejo de qualquer produto de origem florestal, deve estar elaborado o Plano de Manejo de Unidade. É complicadíssimo, não por conta do Instituto Chico Mendes, que se esforça em correr atrás do prejuízo de muito tempo sem a implementação de fato e direito das RESEX ou RDS. O problema é que existe um emaranhado de situações burocráticas na União envolvendo licitações, aprovação de orçamento, prestação de contas, etc., que não dá escala na elaboração de Planos de Manejo de Unidades de Conservação, com casos de reservas amazônicas a mais de uma década paradas em suas atividades formais pela não conclusão de seus planos de gestão.

Os três cenários acima descritos podem ser um alento considerando que na conjuntura atual ao menos existe uma relação de causa e efeito mais visualizável para que se tenha o manejo florestal comunitário reconhecido. Dependendo onde vivem já é possível assessorar (e advertir) famílias agroextrativistas sobre a morosidade e em que órgãos devem dirigir-se.

A utilização do termo a seguir é a constatação que avanços foram feitos, mas quão complicada ainda é a vida para as comunidades amazônicas.

A luta continua.