DA VIOLÊNCIA...
Devemos temer a aliança e a união da barbárie exterior com a interior.
Edgar Morin
Na proporção inversa do que há de melhor na natureza humana – o Amor – está a terribilidade da violência. Ambos são construções, como tais, são multicausais. Das tantas teorias a respeito, dois problemas sobressaem: somos livres e responsáveis por nossas ações? Ou produtos de fenômenos como educação, hereditariedade e ambiente geral?
Sob leituras modernas, eu, você, todos, somos capazes de tudo. O que nos impede de realizarmos algo – violento ou não – são certas circunstâncias. Hobbes, aliás, nos alerta quanto aos desejos. Nas paixões, afirma, estão os porquês dos males humanos. Bem verdade que Rousseau defende a ingenuidade humana ao acreditar numa bondade natural corrompida pela sociedade. Sem dúvida, em Maquiavel, encontramos uma espécie de desilusão interpretativa do humano aos nos sugerir que a essência são os desejos e nada nos fará melhores do que somos. Nele, somos ato, de modo que nem racionalidade, nem paixão existem como dualidade.
A “violencidade” são ações – conscientes ou não – pelas quais se realizam as estultícias humanas. Há labirintos sem quaisquer indicativos de salvação. O relógio civilizatório estaciona provocando colapsos, degenerando não só integridades físicas, mas subjetividades e variadas formas de discriminação social. A dignidade humana é golpeada por forças agônicas, regressivas e mortais. A desconfiança filosófica se transformou em desconstrução niilista forçando, claro, uma animalidade sem precedentes. A contracultura do desabrochamento e dos desbloqueios apequenou a inteligência nos prendendo a lógicas materialistas. O único caminho, rezam, é o da adaptação. Só loucos e desequilibrados resistem. Colaborar com esse “real” é esgotar as veredas das possibilidades. Crentes num “amor” fundamentado? Não é o suficiente. Faz-se imprescindível Amor maduro e produtivo, carregado de movimentos, conflitos, como marcenaria da paciência e da disciplina. Amor social exige fé e não avança sem práxis viáveis. Nele, abundam anseio de união e ausência de exploração.
Se, por um lado, a ruptura com a violência é de cunho pessoal; por outro, mantém vínculos profundos com a educação, com a complexidade cultural e com os contextos. Razão pela qual ouso dizer: essa cultura do "Presentismo", da valorização do consumo, da celebração do individualismo, dos controles mínimos, do hedonismo, da desintegração dos laços familiares, da falta de perspectivas pessoais e profissionais, desta concentração de renda perversa, dentre outros fatores, não pode gerar senão, conforme Hobsbawm, declínio da civilidade e crescimento da barbárie. Acerta ainda o mestre: "A violência atual tem íntima relação com a história do século XX, levando-nos a habituar com o desumano e aprendermos a tolerar o intolerável. Reflete a desintegração social e política, o crescimento da barbárie, expressa na perda de referências e valores".
Essa sociedade mutilada e mutiladora, enfim, nutre o desastre, o terror, a barbárie, implantando um futuro perdido. Afogamos e asfixiamos o Ser, incapazes de empreendermos novas e necessárias lutas iniciais. Nossa agonia, creio, há de convergir para o nascimento amoroso da humanidade, jamais para o desvario da violência. Lembremos com Morin: “Cada qual se encontra engajado na luta toda no jogo das incontáveis inter-retroações”. Afinal, não existem bodes expiatórios, amigo, não.