OPERAÇÃO DESARMAMENTO

Gerou polêmica a recente operação da Polícia Militar, destinada a recolher armas ilegais em residências na zona rural do município de Montes Claros. Pela abordagem dos militares ficou claro que o objetivo era concitar os moradores a entregarem as armas ilegais que possuem em casa, tal qual o projeto de desarmamento do governo federal. A operação, entretanto, colide com uma ideia generalizada de que armar-se é a solução para defender-se da onda de violência que existe nos meios urbanos e rurais.

A operação tem sido objeto de críticas por muitos moradores da zona rural. Essas críticas, ao que tudo indica, surgem por uma carência de uma campanha que esclareça melhor a esses moradores os objetivos reais da operação. Um senhor na comunidade de “Me livre”, que recentemente foi vítima de um assalto a mão armada em sua residência, mostrava-se indignado pelo fato de que a polícia não conseguiu desvendar o crime do qual fora vítima e poucos dias depois visitou sua casa em busca de armas. Ora, ele foi “assaltado”, isto é, pego de surpresa, ter uma arma em casa nessa situação significa, no mínimo, que a arma se tornaria objeto de roubo e que ele provavelmente seria morto, caso reagisse.

A grande questão é que a maioria dos cidadãos não tem consciência do que é de fato utilizar uma arma. Sentem uma falsa segurança ao possuí-la em casa e se julgam capazes de manuseá-la sem riscos para si próprios e para as pessoas do seu convívio. Acreditam que para possuir uma arma e utilizá-la em sua defesa em caso de necessidade, basta saber municiar, fazer pontaria e fazê-la disparar. Isto seria equivalente a alguém que sabe apenas funcionar um carro e fazê-lo se movimentar: é o mesmo que julgar-se motorista sem conhecer de legislação de trânsito, regras de circulação, direção defensiva, etc.

Quase todas as pessoas que sabem fazer uma arma disparar se julgam capazes de utilizá-la (os filmes policiais hollywoodianos reforçam essa ideia); muitas dessas pessoas durante toda a vida dispararam menos de 30 tiros e ainda assim se julgam capazes de atingir um alvo com segurança. Um atirador profissional dispara cerca de 5 mil tiros por ano, vive cercado de regras de segurança e ainda assim nem sempre consegue precisão de 100% nos seus disparos. Um leigo, ao disparar uma arma, especialmente se num momento que se expõe aos efeitos de uma carga emocional, tem uma possibilidade muito grande de alvejar pessoas inocentes, seja pelo alinhamento direto do tiro ou por ricochete do projétil em superfícies sólidas.

Outra questão que é preciso levar em conta é o cuidado no manuseio da arma – só para se ter uma ideia, nos locais de armamento de policiais em serviço e nos clubes de tiro esportivo existem áreas específicas para municiamento e desmuniciamento de armas, equipados com caixas de areia e outros recursos que permitem absorver disparos acidentais sem provocar vítimas; essas precauções existem porque cientificamente está provado que a possibilidade de disparo acidental no manuseio de uma arma é muito grande, até mesmo para quem é profissional.

Além das situações já citadas, existem outras questões que as pessoas nem sempre estão preparadas para respondê-las, por exemplo: Como guardar uma arma em casa sem que ela se torne facilmente um objeto de furto ou roubo? Como mantê-la em local seguro, fora do alcance de crianças e adolescentes (nesse aspecto, adolescentes são tão curiosos quanto crianças) e ao mesmo tempo em condições de ser apanhada para ser utilizada em uma situação de emergência? Como acondicionar a munição para que esta não perca seu efeito? Em que situação a lei permite que um cidadão possa utilizar-se de uma arma para defender a si mesmo e/ou a terceiros? Como fazer um disparo com segurança? Como proceder após ter que utilizar uma arma em situação amparada pela lei? Estas e muitas outras perguntas são esclarecidas a quem adquire uma arma legalizada, através de um curso que o candidato à aquisição da arma é obrigado a fazer.

Um outro problema é o mito da arma legalizada. Muitas pessoas acreditam que possuir arma legalizada é estar permanentemente sob suspeita, pois toda vez que houver uma vítima de disparo de arma de fogo e não houver identificação do autor do disparo, todos os possuidores de armas do mesmo calibre estariam sob suspeita. É uma desinformação que as pessoas envolvidas com o mercado ilegal de armas procuram difundir para atender aos seus interesses mercantilistas. É muito comum ouvir-se de pessoas desinformadas frases do tipo “não vou possuir uma arma que a polícia sabe que possuo!”.

Talvez esteja faltando à Polícia Militar complementar a operação desarmamento com uma intensa campanha de esclarecimentos acerca das desinformações que acompanham a ideia de que armar-se seria a solução para defender-se da violência.