Não É Lenda, É Fato

Trabalhei em uma fábrica onde o quadro de trabalhadores era de “quarenta e dois” funcionários, que trabalhavam no mesmo prédio sobre a mesma linha de produção. Um deles, no dia do aniversário, resolveu levar refrigerante e brigadeiros, a fim de agradar os colegas de profissão. A ideia era servir um brigadeiro e um copo de refrigerante para cada indivíduo, no intervalo de 15 minutos, horário reservado para o café da tarde.
Se eu levar apenas “quarenta e dois brigadeiros” possivelmente vai faltar, caso alguém apareça de ultima hora, ponderou. – Vou levar “quarenta e cinco” para que ninguém corra o risco de ficar sem comer pelo menos um. No dia seguinte, para própria surpresa, havia alguns de seus amigos reclamando que simplesmente por terem ido lavar as mãos antes de comer a guloseima, acabaram atrasando e ficaram sem experimentar os brigadeiros, pois os mesmo tinham se evaporado.
– Impossível, razoou aborrecido. Pois eu avisei ao pessoal que seria somente um por pessoa. E desabafou: “De que me adiantou ter tanto cuidado em tratar bem cada um de vocês, se a gula de alguns não tem limite”.

Infelizmente, o relato acima não é lenda, é fato. Aliás, se fosse uma lenda, não me sentiria tão entusiasmado em construir nem sequer uma frase sobre o assunto, quem dirá um artigo. Não que eu não goste das estórias, contos, fábulas e lendas que se contam por aí. Apesar de mentirosas “na maioria das vezes” muitas lendas apresentam características muito próximas da realidade. Mas o que me deixa perplexo é saber que muitas histórias verídicas se confundem com fábulas e lendas, cujas personagens são obra da imaginação. O que na verdade dói, é ver que tais baixezas e falta de respeito com o semelhante não é “meramente” fruto da mente dos contadores de estórias. Este mal está profundamente arraigado nos mais diversos meios da sociedade, nos mais distintos ambientes ditos civilizados, grudado como se fosse uma nódoa que depois de impregnada na roupa, não há santo que consiga restaurar o tecido ao estado original.
Basta aceitar o fato de que o instinto das pessoas não muda, mas os mesmos são domáveis, para perceber que as pessoas não mudam porque não querem mudar. O ser humano é parte do Reino Animal, contudo, dotado de raciocínio que o faz um ser racional e civilizado.
A educação familiar desde a mais tenra idade é fator proeminente na preparação do indivíduo para a vida social. Acontece que para muitos, os ensinamentos fundamentais não tem o menor valor, e acabam se enveredando por caminhos muito diferentes daqueles ensinados quando crianças.

Muitos têm dificuldade para agir em benefício do próximo.
O que mais irrita, tais pessoas são as primeiras a questionar os políticos, criticar policiais, o governo e sempre procuram um bode expiatório para acusar de ser o principal responsável por seus fracassos.
Não me surpreende o fato de que tais pessoas sonegam impostos sob alegação de que há muita gente do governo corrompida, que rouba também. Tenho comigo que se alguém julga os outros deve antes dar o exemplo. Se a pessoa não se sente culpada lesando seus próprios companheiros de trabalho, não agiria em benefício próprio, se em condições de fazê-lo estivesse? Será que tais pessoas, se eleitas a um cargo político, cumpririam seus mandatos com integridade e lealdade aos eleitores? Não sei não… Para ser sincero, eu dificilmente confiaria em alguém assim.

Não quero falar de mim mesmo, pois, embora eu repudie tais comportamentos, não me coloco acima do bem e do mal.
Prefiro falar de pessoas que conheci muito pobres e necessitadas, mas que se orgulhavam de suas sofridas condições de vida.
Sempre conto um fato do qual fui testemunha ocular.
Um menino, apenas um menino. Certo dia seu pai o enviou ao supermercado, e, por engano, a moça do caixa lhe deu dinheiro a mais em troco. Antes que chegasse a casa, voltou para devolver o dinheiro que lhe deram a mais. Seus amigos não concordavam e achavam-no, um idiota.
– “Seu otário, esse dinheiro não faria falta alguma ao dono do supermercado. Não vês que ele já roubou muito mais que isto da freguesia?” – Pode ser, disse lhes o menino: mas eu não poderia ficar com aquele dinheiro, por dois motivos justos. O primeiro é porque a pessoa que mo deu é assalariada, assim como eu também. Se “ela fechar o caixa faltando, o dinheiro será descontado de seu ordenado no final do mês”. Eu não me perdoaria pelo resto de minha vida.
E depois, meu pai me daria uma surra se me visse com algum dinheiro que não fosse ganho honestamente.
Uma justificativa de causar inveja. Uma lição de moral, que fez emudecer aqueles que não concordavam com ele quanto à devolução do dinheiro.

Foi aí que vi a diferença entre o honesto e o réprobo.
A argumentação daquele menino, no entanto, fez triunfar o caráter de uma pessoa justa. Acho prudente e necessário pedir ajuda do céu, para que Deus nos livre das tentações que nos cercam diuturnamente. Aceitar nossas condições de humanos imperfeitos, sujeitos a tentações que possam nos fazer cair, é sinal de humildade. Mas, uma coisa é reconhecer nossas fraquezas, outra, convenhamos, é não fazer o mínimo de esforço para viver com dignidade sem desrespeitar os direitos dos outros, e ainda tentar justificar um comportamento ignóbil, sob alegação de que a maldade é congênere do homem. Generalizando: – “Se todos fazem assim, por que eu tenho que ser diferente?”
Ninguém tem o direito de atropelar ninguém. Até porque os direitos do cidadão terminam exatamente onde começam os dos outros.

Quem nunca ouviu aquela historia do cidadão que tinha o costume de chegar bem cedo para o trabalho, e deixava o carro bem longe da portaria da fabrica, lá no final do enorme estacionamento? Um dia, perguntado por que fazia isto, respondeu ele: “É melhor deixar as vagas mais próximas à entrada para os que chegam por último, assim, não se atrasarão para entrar. Não acha?

Pode ter certeza de que o cidadão, autor da pergunta, é um brasileiro, mas não estava no Brasil quando passou por essa experiência. É uma cultura diferente, um povo diferente. Mas são gentes, são humanos assim como todos os demais habitantes do mundo. Atitudes como estas só mostram o quanto temos que melhorar, no tangente a viver em grupos. 
Só viveremos em um mundo melhor e mais humano se cada cidadão se conscientizar de suas obrigações para com o próximo.

Hanilton Di Souza
Enviado por Hanilton Di Souza em 26/03/2011
Reeditado em 22/05/2011
Código do texto: T2871584
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