A SAUDEPUBLICA NO BRASIL

A SAUDE PUBLICA NO BRASIL

jTorquato

Dona Mariazinha levantou-se, calçando a velha chinela que não tinha mais calcanhar de tão gasta, dobrou o lençol único e remendado, enrolou a esteira, pôs o café para requentar no alquebrado fogão, vestiu um pano à quiza de chalé ao pescoço, trocou a saia velha e incolor por outra xadrezada, não trocou a blusa azul clara porque não tinha mais nada que vestir, fechou a porta com uma corda dando nó, e saiu caminhando ao passo que suas pernas conseguia.

Passou pelo seu cemitério particular onde por baixo do monte de barro encimado por uma tosca cruz de madeira, jazia seu marido, ali enterrado enrolado em seu cobertor, parou para sua reza diária e seguiu o caminho aberto entre o mato. Ia para o centro do bairro pegar a Van da prefeitura e, pela primeira vez, ia ver o “Dotô”, devia isso ao seu vizinho e grande amigo do seu falecido marido. Ele era o motorista da Van.

Ainda estava clareando o dia quando chegou a praça de onde avistou uma multidão ao redor de um veículo cinza com o nome da prefeitura, apreensiva para não perder sua condução, tentou apertar o passo sem conseguir, tudo lhe doía, a barriga principalmente, os tornozelos, joelhos, pulsos, da cabeça e por traz dos olhos já era dor antiga. Mas a Van não se moveu, e ela viu então o Seu Joaquim, o Quinca, fardado com uma roupa engraçada, lhe acenar. Ela suspirou aliviada e continuou seu manco e vagar andar.

A Viagem fora torturante, principalmente para quem nunca esteve em “ajuntamentos humanos”, a cada Polícia Rodoviária, o Seu Quinca mandava se abaixar todos que estavam em pé, era uma agonia, o calor que estava se formando naquele ajuntamento já denunciava o mal cheiro dos corpos suando. A viagem parecia não terminar nunca, o carro dava pulos nos buracos da estrada mal conservada, a suas dores aumentaram e com isso dobrava seu sofrimento, sentia que não ia chegar viva ao “Dotô”.

Mas chegaram, Seu Quinca alarmado com a Mariazinha, a tomou nos braços e pediu uma cadeira de rodas, todos entraram num Prédio Branco com faixas amarelas e foram juntar-se aos demais numa fila interminável. Seu Quinca orientava a todos, esta fila é para fazer prontuário, depois vão para aquela outra fila, a fila da marcação, quem tem doença tal é o Doutor fulano de tal, é naquela outra fila, quem for marcar exames é naquela outra fila, assim por diante.

As 14 horas, já com fome mas muito acostumada a driblar este inconveniente para pobre, Mariazinha saiu da fila de prontuário com seu cartão e entrou na fila do Dotô Miranda, as pernas lhe tremiam e ela já estava arrependida de ter vindo, era velha, nunca precisou de Dotô, a não ser quando sofreu o acidente e quebrou a perna direita, mas nem para tirar o gesso voltou mais, quando sentiu que estava boa, mandou seu marido serrar. Naquela vez que foi, presenciou o suficiente para saber que pobre é lixo.

Já estava farta de esperar, queria ir embora, se pudesse saia andando, mas o lugar era estranho e muito longe de sua cabaninha, tinha de esperar pela carona do Seu Quinca.

As 16 horas ela foi encaminhada para ser atendida... atendida?

O Dotô Miranda já tinha ido embora, agora tinha de remarcar, enfrentar outra fila. Seu Quinca gentilmente tomou seu lugar e as 18 horas finalmente Seu Quinca veio com a remarcação. Para Dalí a 60 dias.