OS HOMENS QUE SE VESTEM DE MULHER

O carnaval, de modo geral, libera tudo. Anjos e demônios que passam o ano todo contidos, decidem sair dos seus armários e se manifestam pelo país afora, especialmente em Recife, Olinda, Salvador e Rio de Janeiro. Parece que o “pano” da moral vigente cai e a ribalta fica exposta. É como se o falso moralismo estivesse de folga sendo ele mesmo. É como se as pessoas entregassem ao “carnaval” a responsabilidade temporária de comportamentos nem sempre aceitos no dia-a-dia das pessoas. Dito diferente, tudo passa a ser normal, afinal “é carnaval”.

Particularmente no Recife e Olinda o que mais me leva ao interesse é a quantidade enorme de homens vestidos de mulher. Diferente das mulheres que não se vestem de homem. Tenho a impressão de que quem menos é notado nestes carnavais são os travestis. Há uma mistura tão grande de homens vestidos de mulher que eles (coitados) talvez tivessem que inverter: fantasiarem-se de homens no carnaval.

Independente de qualquer insinuação que possamos inferir, esses episódios são meio contraditórios se levarmos em consideração que a grande maioria de homens que se vestem de mulher no carnaval, passa o ano todo (velada ou ostensivamente) exercendo o equivocado direito de disseminar a homofobia. Por que então “soltam a franga” no carnaval? Detalhe: em nome da folia, muitos pegam literalmente no pau dos homens. O interessante também é que os homens casados se soltam com o beneplácito das esposas. Nas entrelinhas fica o simbolismo: “quem vai dizer que sou frango se estou brincando o carnaval com a minha família”? De fato nada há de concreto nisto. Mesmo pegando no pau de algum homem em pleno frevo tipo “Galo da Madrugada”, efetivamente isto nada pode ter relevância no que concerne à sexualidade duvidosa. Também não garante o contrário.

Independente de qualquer compreensão psicológica acerca dessa vontade de grande parte dos homens gostarem de se vestir de mulher, algo não engolimos: os homens, quase sempre, detestam ser comparados às mulheres, inclusive rejeitam indumentárias comuns como brinco na orelha. Vejamos que hoje o brinco na orelha ainda é visto por certos machos com muita reserva. O chamado metrossexual é pra muitos um disfarce de gente “do babado”. Quem garante que não seja? Mas há quem não seja!

Esse simbolismo é forte. Aqui no Recife e Olinda, dão gosto ver os nomes dos principais clubes, blocos e troças de carnaval. Algumas:

“SEGURANDO O TALO”; “ARRIANDO SUA SUNGA” (homenagem a Ariano Suassuna)”; “SEGURUCU E SEGURUCUZINHO”; “VIRGENS DO BAIRRO NOVO” (só de homens vestidos de mulher); “VIRGENS DE VERDADE” (dissidência da anterior por conta de suposta participação exagerada de gays); “BAILE VAI TER QUE DÁ”; “ACORDA PRA TOMAR GAGAU”; “BLOCO DO OITI”; “SÓ SE FODA FAMILIA”; “AS QUENGA”; “AS ARROMBADA DO PINA”. “O PINTO DA MADRUGADA”; “NEM SEMPRE LILI “TOCA” FLAUTA”; “BACALHAU NA VARA”, dentre outros. Em Olinda, no carnaval o “Beco da Dedada” é famoso. Fica nos Quatro cantos e o folclore é que ninguém passa por lá sem levar dedada no fiofó.

Como se pode perceber, a sexualidade é a tônica do carnaval. Talvez esteja aí a grande chave para a compreensão dessa inversão de valores em que homem se veste de mulher, mas mulher não.

Como perguntar não ofende, perguntamos:

1 – Seriam as mulheres mais convictas do seu papel?

2 - Será que as mulheres andam "sem segredos ou encantos"? (Susgestão de Ninna Sophia, do Recanto);

3 - Que fetiche é esse que faz com que homens de todos os cantos do país se mostrem como mulheres? (Colaboração de Amarilia, do Recanto);

4 – Seriam os homens tão admiradores da mulher ao ponto de quererem ficar no lugar delas por alguns instantes?

5 – Teriam os homens o desejo de saber como seriam tratados pelos próprios homens?

6 – Existirá algum desejo legitimo de fantasia?

7 – A teoria do armário não estaria colocada sem limites?

8 - Será que os homens se garantem ao ponto de entender que se vestir de mulher não represente "outra coisa" como se pode imaginar?

9 – O adágio popular que diz “as maiores verdades são demonstradas de forma lúdica”, não estaria sendo posto em prática?

Independente de qualquer hipótese, o melhor da vida é fazer carnaval o ano inteiro. Afinal a vida é uma festa que devemos preservar sempre. Neste sentido, o falso moralismo seria menor o ano inteiro, pois as pessoas passariam a se colocar mais no lugar das outras.

Bastando que a alma não seja pequena, com certeza Fernando Pessoa, Manuel Bandeira e outros ficariam felizes. Alma pequena só gera mesquinhez e isto é péssimo nas pessoas, mesmo no carnaval. Afinal, homem vestido de mulher e tendo a alma pequena, continuará de alma pequena... A fantasia só é legítima num plano de realidade. Esta sem sonho fica pífia. Como pífia é a vida sem glamour. Como glamour só tem graça com gente diferente por todos os lados e cercada de respeito e carinho.