“DANDO” E ACREDITANDO EM DEUS.
Fui procurado por um amigo, meio angustiado, para me contar uma história interessante, embora sem novidades na essência, mas nova no acontecimento. Emprestei meus ouvidos, até porque este é um pouco do meu dia a dia profissional. Esse amigo é assumidamente “do babado” – essa expressão eu acho muito boa para a gente identificar um homossexual. Melhor do que gay, bicha, veado, frango, baitola, etc. Chega a ser carinhosa e acolhedora essa expressão que, paulatinamente, vai sendo utilizada pelo país afora. Pois bem: meu amigo estava abismado porque saiu com um rapaz que, aparentemente, não tinha nenhuma intimidade com a vida de quem é do babado. Tiveram uma boa noite de intimidades, mas isto foi o que menos lhe preocupou. O que lhe encafifou mesmo foi quando descobriu que seu “ficante” era evangélico. – Qual é então o problema, indaguei. – “É que ele (o ficante) teve um namorado que é casado com mulher e frequentam a mesma igreja. Como se não bastasse, o “ficante” chegou a namorar com a filha do seu então namorado”. Outro fato que deixou meu amigo meio tonto foi quando, após saírem do “metel”, perguntou o que seu “ficante” iria fazer no próximo final de semana. Obteve a seguinte resposta: “vou à casa do PASTOR em Piedade (bairro nobre da cidade de Jaboatão dos Guararapes – PE), pois no sábado vai haver culto e no domingo tem escola dominical onde eu sou o condutor (professor)”.
De fato não vejo nada de mais nessas preocupações discorridas pelo meu amigo. Fica claro que O FALSO MORALISMO tão em moda praticado pelas principais igrejas evangélicas pentecostais e até outras mais tradicionais, está mais vivo do que nunca. Preferi mostrar, no bojo dessa conversa, o ponto positivo do rapaz "ficante e evangélico": certamente é uma pessoa que pode muito bem não concordar com o sentimento da sua congregação no que concerne a homossexualidade, embora não possa dizer isso em público. Ele é do babado e deve ser um rapaz feliz. Deve entender que não se pode condenar um sentimento que é, de certa maneira, natural. Em sendo natural, Deus pode até nem abençoar, mas certamente não o condenará. Não significa que os héteros também não tenham seus sentimentos naturais. O que fizemos ver foi que há pessoas diferentes no mundo em todos os sentidos. Mostrei que quando a diferença é no paladar, tudo bem. Gostar de doce de coco nem todos gostam, mas isto é normal. Gostar de filme pornô nem todos gostam, mas isto é normal. Não é normal gostar de mulher sendo mulher, nem gostar de homem sendo homem. É aqui que reside (?) o perigo reducionista que põe em xeque grande parte dos pentecostais.
Que não se espere essa questão resolvida em pouco tempo, nem talvez neste milênio. Trata-se de rompimento de paradigmas culturais e religiosos muito sedimentados no consciente e inconsciente coletivo e individual.
Retornando ao caso em questão, não nos causa espanto nem estranheza. Talvez o que meu amigo precise é entender que essa prática “por debaixo do pano” é mais comum que se possa imaginar não só nas igrejas evangélicas. A Igreja católica tem bem mais histórico dessas práticas falso moralistas. “Se gritar pega ladrão não fica um meu irmão”; “Se jogar um caroço de milho no chão vai dar muita confusão”... De fato, o que nos deixa carente de mais subsídios conceituais é o fato de que “se “dar” fosse tão ruim ninguém dava”; se tantos estão “dando”, saindo do armário e enfrentando tanto preconceito e discriminação, algo está precisando ser esclarecido. Não sabemos se há algo errado no lado de quem “dá” ou no lado de quem julga. Mas julgar é problemático, pois pode ser sintoma de cumplicidade, já que para quem gosta de mulher, quanto mais gente “do babado” melhor – sobram mais mulheres no pedaço. Se para quem é “do babado” dá prazer é certo ser feliz em seu prazer. De uma coisa não se pode fugir: “quem tem o que é seu dar a quem quer, ou o contrário, não necessariamente nessa mesma ordem”...