O (DES)VALOR DO TRABALHO
O trabalho é um valor. Moral, social, religioso, moeda política. Quase todo mundo quer trabalhar. Os vagabundos são muito mal vistos na nossa sociedade. Eu mesmo odeio gente vadia, folgada, que só faz viver a custa dos outros.
Mas tenho inveja desses grandes calhordas filhos de uma puta que se aproveitam do suor escorrido da testa dos trabalhadores trouxas como eu. Quem dera eu ter coragem e cara-de-pau suficiente para viver na boa, sem fazer porra nenhuma. Esse negócio de ter vergonha na cara só estraga com minha vida, um dia aprendo.
Contudo, é preciso ponderar que o trabalho não é um valor absoluto. Em verdade em verdade, para falar como o super creditado Nazareno que pereceu com pregos enferrujados nas mãos e nos pés, nenhum valor é absoluto.
Isso digo eu, o que não é nenhuma novidade e não tem nada de original. Tudo é fluido, tudo muda e está sujeito, de uma hora para outra, a perder seu valor, a descambar de vez num desbunde incrível.
Assim, trabalhar é a salvação e o calvário de muitos.
E já que estamos falando em meio a uma cultura predominantemente cristã, você, digníssima leitora, não fará questão desta minha linguagem por demais eclesiástica, vai? Amém!
Então vá lá, vou falar sobre o meu mote; aquilo que me motivou a perder meu tempo irrecuperável para escrever estas palavras que poucas pessoas lêem. O acento no “lêem” saiu pelo corretor do Word. Em tempo, não sei ainda se vou aderir à nova gramática.
O motivo foi ver alguns homens e mulheres “placas” na rua. Homens placa. Veja, preciosa leitora, o homem se tornou uma placa, reduziu-se à sua miserável função.
Vi uma dessas desgraçadas da vida almoçando no meio da rua com uma marmita metálica nas mãos, daquelas bem pobres, com uns ossos chupados de frango barato de fim de feira.
É óbvio que a comida nem tinha sido esquentada. Bóias frias urbanóides da desgraça pós- moderna, pensei comigo. E a pobreza vai da nutrição precária ao sentar no degrau de uma loja para fazer sua refeição.
Além disso, o sol estava insuportavelmente forte, o que eu particularmente detesto. Por mim o sol podia sumir para sempre, deixando-nos finalmente em paz.
Paz refrescante.
Inimigo mortal do corpo limpo, queimava a pele, esquentava o cocoruto, fazia o nojento suor escorrer em cascata, e fodia tudo que fosse capaz de tocar.
O toque de Midas que torra tudo em que encosta. E quase que ia me esquecendo, os placas têm que ficar em pé o tempo todo, gostoso pacas não?
A propaganda que esses desgraçados da vida, esses desprovidos de sorte e de dignidade, faziam era ficar sob o sol a indicar, (a placa era em forma de seta) o local do empreendimento imobiliário.
E tinham que ficar em pé, fazendo movimento para que a placa indicasse os maravilhosos apartamentos que o pessoalzinho pra lá de besta da classe mérdia vai comprar.
Nisso, compadeci-me com o sofrimento daqueles filhos do diabo que comiam o panem nostrum cotidianum que esta entidade sovou. Compreendi suas dores, minha pele também ardeu ao sol junto com a deles.
Fiquei entristecido em saber que a indignidade ainda faz parte da vida humana em grande escala, contudo é vista como algo natural.
Talvez eu seja algum idiota ou sensível em demasia, vendo como algo cruel o que muitos vêem até como um bem.
É certo que os que vêem este trabalho como um bem, uma coisa muito boa, não labutam nele e nem nunca vão fazê-lo seja por 10 mínimos minutos.
É, leitora assídua e pontual, fiel amiga das catarses reiteradas e maluquices muito anônimas minhas, essa é mais uma das muitas reflexões desta minha cabeça sobre essa loucura incurável chamada vida.
Vida pesada que carregamos em nossas costas como o maior dos pesos. Uns carregam mais, outros menos, é verdade.
Eu, de minha especial parte, visão, tato, olfato e audição, não vejo a hora de me aliviar dessa carga imensa.
Meus ombros já doem de cansados que estão. Tudo pesa.