ADULTÉRIO NÃO É CRIME
Prólogo:
Muita gente defende que a monogamia não é natural do ser humano.
Há quem afirme que os casamentos foram feitos para perpetuar a espécie e manter a prole sadia até que possa sair para o mundo.
Afirmo: O amor nada tem a ver com isso. O prazer orgânico deve ficar alheio à organização da família e NUNCA DEVERÁ ficar adstrito às regras sociais quase sempre canhestras, imperfeitas e castradoras das mais gratificantes iniciativas.
“Inicialmente é de bom grado esclarecer que minha opinião talvez seja ou esteja solitária nesse universo massificado de axiomas. Não creio e não gosto da palavra infidelidade. Os dicionários definem essa palavra como sendo uma ação desleal ou traição. Ora, desde quando você estará cometendo uma deslealdade ou traição quando busca apenas complementar um anseio fazendo uso do sagrado direito de ser feliz?”. (Texto – "Suas dúvidas entre dois amores" - Publicado no Recanto das Letras).
Se meus fiéis leitores quiserem ter uma noção de um modo de vida feliz e perigosa é só ver alguns filmes que tratam do mesmo assunto em comento. A literatura também é farta. Vou fazer uma pequena lista de filmes, possivelmente já conhecida da maioria dos que me lêem, para que possam tirar suas conclusões.
INFIDELIDADE - O filme gira basicamente em torno de três personagens principais: Edward Sumner (Richard Gere), Connie Sumner (Diana Lane) e Paul Martel (Olivier Martinez). O enredo é simples mas cativa o público. Somos apresentados no início do filme ao casal Edward e Connie Sumner que aparentemente vivem bem e tem um filho pequeno.
O casal dá alguns sinais de frieza (aquela velha tecla do casamento caindo na rotina), mas em nenhum momento há sinal de desentendimento entre ambos. Há uma acomodação. Existe um aceite silente até que um dia Connie vai para o centro da cidade e, durante uma ventania enorme, encontra Paul Martel, que faz o estilo "garotão francês charmoso com sotaque". Edward descobre e ocorre um assassinato que gera um sentimento de culpa extremado.
Infidelidade tinha tudo para ser um daqueles filmes péssimos, com história batida e por outras vezes tanto já contadas. Contudo, o filme prova ser bem mais do que isso. Infidelidade é um filme tenso, com exceção de algumas partes até engraçadas, e, acima de tudo, um filme muito, mas muito sensual.
ATRAÇÃO FATAL - (Michael Douglas é um advogado que aproveita a viagem da esposa para ter um rápido caso com uma executiva - Glenn Close em seu melhor papel. mais tarde ele irá perceber que ela era desequilibrada e não aceitaria um caso passageiro. Este filme é assustador até hoje).
O DESTINO BATE À SUA PORTA - (Jack Nicholson é um andarilho que consegue um emprego num posto de gasolina e restaurante de beira de estrada. em pouco tempo vai começar um tórrido romance com a esposa de seu empregador (Jessica Lange) - e decidem matá-lo para ficar juntos e com todo o dinheiro).
DESEJO E PERIGO - (durante a ocupação japonesa na China na segunda guerra, uma jovem terrorista se infiltra na casa de um militar colaboracionista com intuito de conseguir informações e matá-lo. Para atraí-lo terá que tornar-se sua amante dentro de sua própria casa, sob a hospitalidade da esposa. A relação se incendeia e os dois, mesmo sabendo dos riscos que correm, acabam se apaixonando).
O AMANTE DE LADY CHATTERLEY - Sylvia Kristel (que também atuou em Emmanuelle) está "linda" (segundo o The New York Times) como a esposa solitária de um rico aristocrata nesta deslumbrante história de amor, luxúria e fantasias proibidas. Baseado no famoso romance erótico de D. H. Lawrence, esta "suntuosa produção" captura o "esplendor do interior da Inglaterra" (segundo o The Hollywood Repórter) e os conflitos aflitivos entre dever e desejo.
Sir Clifford Chatterley (Shane Briant) ficou paraplégico depois de lutar na guerra e tenta convencer sua esposa, Constance (Sylvia Kristel), a arranjar um amante que satisfaça suas necessidades carnais. Mas ela tem uma intensa relação com um homem de classe muito inferior, o viril e grosseiro capataz Mellors (Nicholas Clay), e a inesperada tormenta de paixões abala não apenas um casamento, mas toda a sociedade européia e, principalmente, inglesa.
Eu poderia citar e comentar pelo menos mais uma dezena de filmes que esplendem chispas e enaltecem o amor praticado às escondidas. Não farei isso! O ser humano sabe muito bem o prazer que sente ao fazer algo que lhe proporciona extremada excitação do espírito.
No Recanto das Letras publiquei, entre outros, três textos versando sobre INFIDELIDADE E TRAIÇÃO: “Suas dúvidas entre dois amores”, “Infidelidade versus Felicidade” e “Infidelidade feminina em xeque”.
Felizmente no Brasil adultério não é crime!
Em decorrência do advento da Lei nº 11.106, de 28 de março de 2005, em seu art. 5, foi revogado o art. 240 do Código Penal, onde o adultério encontrava-se tipificado, portanto tal conduta deixou de ser crime!
Sendo assim, hoje em dia, o que já era tido em desuso, foi descriminalizado, ocorrendo o fenômeno da 'abolitio criminis'. Tão logo se considere enganado, resta ao cônjuge traído amparo com uma ação de indenização pelo dano moral que lhe fora causado.
O crime de adultério estava previsto no art. 240 do Código Penal, e tinha por objeto jurídico da tutela penal “a organização jurídica da família e do casamento”. Mesmo reconhecendo a importância da proteção jurídica da família e do casamento, é de se concluir que hoje não mais se justifica a proteção penal outorgada pelo legislador de 1940.
Não se trata de render homenagens ao adultério. O que é forçoso reconhecer é que o casamento e a família encontram outras formas de proteção no ordenamento jurídico, a exemplo do que ocorre no art. 1.566, inc. I, do Código Civil, que determina o dever de fidelidade recíproca entre os cônjuges.
Conforme assevera Claus Roxin, o direito penal é de natureza subsidiária. “Ou seja: somente se podem punir as lesões de bens jurídicos e as contravenções contra fins de assistência social, se tal for indispensável para a vida em comum ordenada. Onde bastem os meios do direito civil ou do direito público, o direito penal deve retirar-se”.
O direito penal deve ser considerado a ultima ratio da política social, o que demonstra a natureza fragmentária ou subsidiária da tutela penal. Só deve interessar ao direito penal e, portanto, ingressar no âmbito de sua regulamentação, aquilo que não for pertinente a outros ramos do direito.
As regras previstas na legislação civil são apropriadas e suficientes, e sendo assim, a revogação do tipo penal em que se encontra o crime de adultério é medida juridicamente saudável e condizente com a realidade jurídico-social em que vivemos.
Sobre INFIDELIDADE E TRAIÇÃO o psicólogo António Carlos Alves de Araujo analisa as consequências para o casal em um excelente trabalho. Aqui citarei um trecho desse escrito para melhor embasar minha conclusão:
“A traição feminina segundo alguns psicólogos tem a finalidade de por fim a determinado relacionamento que há muito tempo está falido. Tal conclusão é verdadeira em parte, pois a questão ultrapassa este conceito. A postura sexual da mulher não deixa de ser um "espelho" perante todo o histórico do comportamento de seu par; a traição feminina encerra não apenas um componente de vingança frente ao que o homem resistiu em proporcionar a mulher, mas, também guarda uma memória afetiva e sexual extremamente elevada sobre todas as situações vividas.
O interessante é que o sofrimento feminino perante a traição remete a falta de amor de seu parceiro; já no caso masculino, a primeira leitura é sobre o desempenho sexual, ou se outra pessoa consegue ir além de suas capacidades, reforçando o caráter da competição citada acima. Outro fator interessante é como cada um reage frente à traição.
A mulher por mais ferida que esteja ainda tenta entender o que aconteceu no relacionamento que acarretou tão trágico episódio; o homem faz a leitura de que a traição feminina sempre fez parte de um desvio de caráter da mulher, tentando se eximir de qualquer responsabilidade pessoal. O quadro cultural em que o ser masculino foi criado diz que o mesmo "ama quem não deseja" - sua esposa, e "deseja quem não ama" - seja uma amante ou aventura sexual qualquer. ”- (Psicólogo António Carlos Alves de Araujo)
CONCLUSÃO
Conforme visto, as modificações introduzidas no Código Penal foram significativas e tendentes à atualização do sistema penal repressivo no que pertence aos delitos alcançados. Embora sujeita a críticas pontuais, é força convir que, em sentido amplo a nova lei contém mais acertos do que erros, contrariando a sofrível realidade da produção legislativa no campo penal nos últimos tempos, o que se espera seja o primeiro passo na escolha de um novo caminho.
Essa trilha nova é preparada, elaborada com esmero pelos usos e costumes da sociedade que tem a força criadora das leis. Já é tempo de uma conscientização mais pragmática, de uma aceitação menos hipócrita da realidade conceitual dos termos Infidelidade e Traição. Quando a Lei Maior (Nossa Constituição) preestabelece: “Todos são iguais, sem distinção de qualquer natureza".
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
Homens e mulheres iguais em direitos? É aí que eu vejo uma incoerência e agressão ao princípio constitucional. Vejamos dois exemplos simples:
1º Exemplo - No meio da madrugada um homem poderá sair de sua casa e se dirigir a um barzinho para beber uma cerveja. Uma mulher poderá fazer isso sem incorrer na aversão, na censura dos demais amigos e amigas? Da sociedade? Dos familiares? Não!
2º Exemplo – O filho adolescente, com dezessete anos de idade, passa a noite fora de casa. No dia seguinte os pais preocupados perguntam onde ele dormiu, o que fez ou deixou de fazer durante a interminável noite. Sorrindo o rapaz responde que estava em um motel com sua namorada, mas se cuidou e se protegeu usando preservativo.
A bronca que esse rapaz leva dos pais é bem menor do que o abraço apertado do pai orgulhoso pelo filho macho tal qual ele. E a moça? Ela poderia contar essa história em sua casa sem sofrer grave censura dos pais, irmãos e demais membros da família? Claro que não!
Foi por essa razão inconteste que no texto “Abaixo a hipocrisia!” escrevi feliz:
“Esse amor vil, bandido, inconseqüente,
sublimado por vontades inconfessáveis,
castiga-me ao fazer emergir desejos secretos,
fazendo vir à tona pecados doidos, prazeres
ousados apenas nos sonhos obsessivos.”
“- Deixa-me esgotado física e mentalmente uma demorada felação,
o amor espontâneo, atrevido; quando todas as torpezas de outrora
são permitidas; onde tudo o que antes era praticado às escondidas,
hoje é visto e sentido na produção de espasmos sexuais dignificantes.
Só os hipócritas não admitem isso.
Portanto: Grito aos quatro ventos... Abaixo a hipocrisia!”
FONTES CONSULTADAS:
Código Penal anotado, São Paulo, Saraiva, 8ª ed., p. 280.
DELMANTO, Celso, e outros. Código Penal comentado, 6ª ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2002, p. 505. Problemas fundamentais de direito penal. Lisboa: Vega, 1986. p. 28.
Outros textos do autor publicados no Recanto das Letras.