Meninas briguentas
Os últimos acontecimentos ocorridos entre policiais civis e militares no dia 02 de fevereiro no bairro Amazonas em Contagem não podem ser vistos como casos isolados. O conflito entre as duas corporações ocorreu logo depois que policiais civis prenderam sete suspeitos de participarem do sequestro, seguido de roubo, de um gerente do banco Santander. O caso chegou rapidamente à mídia e o Sindicato dos Servidores da Polícia Civil (Sindpol) não tardou em revelar que “o comando da PMMG agora tenta impedir a aprovação de projetos que visam modernizar e readequar a estrutura orgânica, os cargos e as funções da Polícia Civil” (Jornal Hoje em Dia, 04/02/2011).
Há mais ou menos oito anos a Polícia Militar e a Polícia Civil têm tentado uma integração aos moldes do modelo de policiamento norte-americano. Do início dos anos 2000 até hoje, as coisas parecem ter andado como se esperava: a Polícia Militar, potente e com um grande montante de agentes e a Polícia Civil naquela de investigar com cerca de nove mil homens o Estado de Minas Gerais.
É inegável que muitas mudanças foram levadas a efeito, policias civis foram aos poucos deixando de vigiar presos em delegacias e, apesar de ainda fazerem isso, estão mais livres para o exercício constitucional da investigação. Por outro lado, a política de segurança pública, parece ter sido liderada pela Polícia Militar a qual conseguiu, inclusive, o direito de cumprir mandatos. Bem aparelhada, bem mais do que a Polícia Civil, os policiais militares navegam com muito mais tranqüilidade em suas atividades que, de tempos em tempos, devem ser mostradas no Igesp (Integração da gestão em segurança pública). A integração, um modelo proposto ao invés da unificação, apesar dos limites constitucionais, aparentemente tem funcionado. Em paralelo ao controle da criminalidade é inegável a mudança porque passou a polícia mineira nestes últimos anos, principalmente a Polícia Militar na capital.
De todo modo, é visível que a Polícia Civil anda com as pernas bambas ante o poderio da Polícia Militar. O grande jurista e criminólogo Raúl E. Zaffaroni afirmou, com contundência, ser perigosa a unificação das duas forças policiais, haja vista a necessidade de uma força praticamente “tomar conta” ou mesmo aparentar vigilância, em relação a outra. A pergunta, “quem vigia os vigilantes?” em tais momentos aparece com força, pois estamos lidando com profissionais armados, os quais atuam na base do corporativismo, do companheirismo, do sentimento de pertencimento e lealdade à liderança. Por vezes, nos deparamos com muitos que nutrem o “complexo de deus” e estão prontos a utilizar o material de trabalho. As imagens dos policiais com armas em punho são suficientes para o entendimento do argumento.
Mais do que necessário, se faz obrigatória a solução dos problemas e o retorno da convivência possível entre os policiais. Sabemos que a PM e a PC não possuem a mesma cultura e identidade. Elas não frequentam os mesmos cursos e estão, por natureza, em academias e espaços diferentes. Também não comungam a mesma história e o modus operandi laboral. Essa divisão é mais do que clara e o artigo 144 de nossa carta magna somente materializa o que assistimos: entidades diferentes lidam com indivíduos diferentes, os quais, na realidade não comungam os mesmos valores, a subcultura, debates e reflexões.
A subcultura policial, forjada por anos, é uma trama, uma rede de sociabilidades que por muito pouco pode se romper. Essa diferença cultural tende a ficar mais complexa, pois a PM passou a exigir dos seus oficiais o título de bacharel em direito, monopólio antes dos delegados de polícia. Curioso, tudo isso como se a ordem e a paz pública dependessem do seguimento cego do indivíduo ao campo normativo. Além disso, como já mencionado, tarefas historicamente monopolizadas pela Polícia Civil, como é o cumprimento de mandado de busca e apreensão, com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), também passou a ser trabalho de PM. Esse problema, aparentemente de “desvio de função”, tem ocasionado certo conflito entre as forças coercitivas do Estado.
É observável a potencialidade da PM no Estado e o mesmo pode-se dizer da pouca força da Polícia Civil. Há tempos esta última merece um projeto competente de organização e modernização interna. Novos procedimentos e um novo corpo de atribuições podem ajudar. Gente competente para esta tarefa a instituição possui, mas nada deve envolver a idéia perigosa de unificação de duas forças que, para o bem da democracia devem ficar separadas. Estas irmãs briguentas são necessárias e sabemos disso, mas já não é mais possível o pai ou a mãe cuidar mais de uma do que da outra.
* Lúcio Alves de Barros, é organizador da obra "POlícia em Movimento". Belo Horizonte: Ed. ASPRA, 2009.