"EM QUE PAÍS DO MUNDO ESTAMOS NÓS, AFINAL?"

"Ó tempos, ó costumes!", recorro a Cícero, perplexo diante da insensatez de tantos sujeitos irrompendo em público com seus automóveis barulhentos. Essa bandalheira sonora precisa acabar. Trata-se de um deslavado desrespeito ao direito de todos: o Silêncio.

Cidades organizadas em países civilizados, alerta Alexandre Garcia, são limpas, seguras, silenciosas. Infelizmente, Brasil afora, impera verdadeira bagunça fruto, claro, de um tipinho de mentalidade rasteira, centrada num subjetivismo cínico, rastaquera, imoral. Há um batalhão de Catilinas derrogando princípios elementares de civilidade justificando-se na violação da plena barbárie, isto é, “eu quero” e “os incomodados que se retirem”. A tese perversa não é outra senão “as coisas são assim e não de outro modo”.

A audácia sem freio dessa gente não só é autodestrutiva como põe em risco a saúde pública. Aliás, podemos falar até em uma espécie de “ditadura da amplificação”. Segundo a Organização Mundial de Saúde – OMS -, o nível máximo de som deve ficar por volta dos cinquenta (50) decibéis. A partir dos cinquenta e cinco (55), começamos a sofrer o que se conhece por “estresse auditivo”. De modo que as consequências podem ser gravíssimas: insônia, agressividade, cansaço, depressão, dores de cabeça, aumento da pressão arterial, perda de audição, gastrite, úlcera, perda de atenção e de concentração, quebra de rendimento escolar, no trabalho etc.

Aceito, sim, a irracionalidade desde que exista nela o que Gilles Granger chama de “força positiva e construtiva”, afinal, só avançamos com gotas irracionais. Agora, atitudes que deem vazão a doidices deliberadas, que resultem em violações de direitos, que gerem adoecimentos os mais diversos, enfim, que fabriquem, digamos, fanatismos atoleimados hão de ser combatidas, implacavelmente, em nome dos cidadãos “virtuosamente democráticos”. A prática imprescindível da tolerância não quer dizer acocoramento ou conivência.

Música é energia: faz ou desfaz um indivíduo, um povo. Ritmo, melodia e harmonia são componentes, dentre outros, moduladores deste fenômeno. Infelizmente, parte do que nos empurram ouvidos adentro é de uma pobreza absolutamente condenável. As letras revelam duas das características deste tempo: não há sentido e propósito final em nada. Quão distantes, lamento, estamos do que ensinou Mozart: “a arte é instrumento que deve ser usado para a elevação e liberdade do gênero humano”. Sem falarmos, claro, na crítica consciente.

Nossa convivência social passa por uma consciência de pertencimento coletivo no qual estão inseridos direitos e deveres. Socialização requer forças não apenas coercitivas, mas, antes de tudo, a virtude dos cidadãos, entendida esta como luz esclarecedora para agirmos com sabedoria. O mau uso do som, sem dúvida, é fruto de paixõezinhas insaciáveis agitadas pelos ventos da imaturidade, da indisciplina e da falta de educação.

Até quando, vuvuzeleiros, abusarão de nossa paciência! Até quando o “sinistramente correto” rondará à solta em nossas cidades, nos infernizando, instalando a selvageria sonora como se isso fosse a coisa mais natural do mundo? Até quando, vuvuzeleiros, até quando!