O telefone toca e eu atendo

Posso falar com você?


Dia desses ligou para minha casa um empregado de um grande banco espanhol, que comprou recentemente outro banco, que já tinha sido comprado por um banco holandês, para me oferecer um plano familiar com 29 pacotes.

Aí ele me explicou que se quebrasse uma fechadura aqui em casa, bastava ligar para o telefone 0800, que em 40 minutos estaria um chaveiro aqui, para trocá-la sem custo nenhum.

- Ah maravilha! É muito bom para ser verdade – eu disse. – Um chaveiro aqui em casa, em 40 minutos? Nesta cidade? Quando quebra uma fechadura e a gente chama o chaveiro mais requisitado, ele diz que só poderá vir no dia seguinte.

Se a gente chama outros chaveiros, dão a mesma resposta. Um ou outro se prontifica a vir, porém, termina o dia e eles não aparecem.

A gente liga no dia seguinte, e eles dizem que estiveram muito ocupados, por isso não puderam comparecer. Se bem que poderiam ter ligado para avisar, mas nem isso eles fazem.

O pior mesmo é que quando aparecem e descobrem que o conserto é pequeno e não lhes renderá um dinheiro considerável, ficam mais bravos que cachorros quando são impedidos pelo dono de morder a visita. Rosnam e resmungam dizendo que tinham outros serviços mais rendosos. Só não latem. Talvez até latem, mas por dentro, de modo que a gente não ouça.

- Nosso chaveiro aparece em 40 minutos – repetiu o rapaz. – E vão em qualquer rua de qualquer cidade de Brasil.

Ah! Rapaz teimoso! Logo se vê que ele não entende nada da vida, ainda. Talvez seja o primeiro emprego e fique louco pra mostrar serviço. Não sabe das agruras que a gente passou, por acreditar em tudo o que ouve. Foi mais engraçado quando ele disse:

- Vou insistir até você comprar o plano. Não vou desistir. – E disse ainda que há cobertura funeral e pós-funeral, pagamento médico, tratamento de saúde, compra de remédios, enfim pagamento de todas as despesas.

“Ah! Vou deixar ele bem cansado”, pensei. “Igual a peixe que se bate e rebate na água tentando escapar do anzol, sem conseguir. E ele vai ter que dizer tchau, sem me xingar.”

- Não pretendo morrer por enquanto – eu disse. – E você interrompeu meu almoço. Por isso, se você demorar, desligarei o telefone. (Falei tudo o que me veio à cabeça por que sendo assim – já que ele disse que a ligação seria gravada – seus superiores ouviriam a reclamação e a indignação de quem recebe um telefonema que oferece produtos que a gente sabe que é de mentira.

Eu até brinquei:

- A gente liga para o 0800 e ouve: “Tecle 1 para discar o ramal; 2 para pessoa física; 3 para pessoa jurídica; 4 para reclamação, elogio; 5 para cobrança; 6 para falar com um de nossos atendentes; 7 para voltar ao menu inicial”. E, muitas vezes, antes de a pessoa optar pelo número a teclar, surge a voz mecânica idiota com a informação: “Muito obrigado por sua ligação. Volte outra vez”.

Porém, ele insistiu, e eu quase perdi a esportiva. Sabe? Dá até vontade de chamar a polícia para socorrer a gente num caso desses. Mas o policial mais próximo está lá em Fernando de Noronha, a ver se consegue mergulhar no mar, sem dinheiro.

Não sei se posso dizer “Coitado do rapaz” por não conseguir me vender o produto ou coitado de mim por ser vítima constante dessas ligações irritantes.

Por fim, como sou aposentado e doente, e fico em casa o tempo todo, coitado dele, porque o banco o obriga a vender tais planos que prometem tudo e não cobrem nada. Então eu não passei quase 20 anos de minha doce, verde e adorável vida trabalhando em bancos?