VISITAS E CONTATO COM O MUNDO EXTERNO - CONSIDERAÇÕES JURÍDICAS/SOCIOLÓGICAS

No bojo das discussões sobre Sistema Penitenciário e seu papel de sustentáculo da segurança pública, da Lei e da ordem, diria que para, efetivamente, os Estabelecimentos Prisionais cumprirem com seus objetivos de punir e humanizar os que cometeram atos infracionais contra as regras de convívio em sociedade (devidamente ordenadas no Código Penal), faz-se urgente submeter os ordenamentos e estatutos penitenciários pertinentes a necessárias modificações e adequações.

Isto posto, trago para o debate as questões relacionadas à visitação penitenciária, no sentido de se evidenciar um fenômeno concreto, rotina nos estabelecimentos prisionais do Estado, que acontece à margem da Legislação em vigor e, portanto, necessita de um ordenamento jurídico.

Amparada na LEP (Art. 41, X) a visitação nos presídios deve cumprir o propósito de manter o bom relacionamento do encarcerado com sua família e seu meio social como um todo. Assim, o poder público deve favorecer tal intercâmbio e contato físico entre o recluso com o mundo externo, sem, entretanto, se descuidar dos procedimentos de segurança no sentido de inibir a entrada de materiais ilícitos e nocivos à “boa ordem”, tipo armas, drogas, telefone celular, serras, materiais cortantes e perfurantes, etc.

Percebe-se que é necessário toda uma estrutura burocrática/administrativa/operacional para viabilizar o direito do apenado ao contato com seus familiares, vez que a visita tem a importante função de harmonizar o ambiente carcerário.

Diríamos que os(as) visitantes são os elementos de sociablização e contato entre o recluso e o mundo externo, ou seja, elas cumprem o papel de re-oxigenar as suas esperanças, não no sentido de colocá-los na trilha em comunhão com a sociedade, mas para que estes, a partir do intenso envolvimento e intercâmbio com a vida extramuros, não sucumbam ante a deteriorante rotina carcerária e continuem seduzidos pelo retorno à vida em liberdade. Do ponto de vista simbólico, a visitação é envolvida por um manto mítico; como se crianças, homens e mulheres que adentram o estabelecimento com o status de visitante, agissem como mensageiros da deusa liberdade. Aqueles que tem o respaldo de trafegar por dois mundos, influenciando e sendo influenciados por eles, para cumprir a missão de manter a prisão e a liberdade interligadas. Por vezes amenizando e por outras acentuando os conflitos que polarizam ambos os sistemas – reclusão e liberdade.

Para viabilizar tal contato a estrutura penitenciária disponibiliza setores e profissionais para administrar e operacionalizar a visitação. Tomando como exemplo uma unidade prisional de regime fechado para indivíduos de sexo masculino, temos, como profissionais encarregados desta atividade: as Assistentes Sociais e as Agentes Penitenciárias. Às primeiras cabe a tarefa de cadastrar, catalogar e assistir as visitantes no que tange aspectos legais, direitos e restrições no tocante a sua permanência na área interna do presídio. Elas são as profissionais que, juntamente com a direção (Diretor e Chefia de Segurança), têm o respaldo de sancionar, através da confecção do cartão individual de visita (espécie de autorização de entrada) o direito do encarcerado ao contato com seus parentes e amigos.

Já a Agente Penitenciaria além das obrigações relacionadas com a organização e administração do fluxo de visitantes, estão incumbidas da revista corporal, bem como a inspeção do material que é permitido adentrar o estabelecimento. Estas são atividades indelegáveis do Estado, portanto exclusivas ao Agente responsável pela operacionalização da pena privativa de liberdade.

Mas é exatamente sobre tal labor, conhecido como revista corporal/vaginal que a LEP, A SAP e as Direções das Unidades Prisionais se mantém omissas.

O Estado da Bahia, por décadas, mantém a tradição de utilizar a revista corporal/vaginal como condição necessária para que haja o intercâmbio, pelo contato físico, entre o recluso e o mundo externo. Como já visto, a ação visa coibir a entrada de materiais ilícitos que possam contribuir com evasões, agressões ou ainda, atentar contra a segurança dos funcionários, dos internos e daqueles que estão em visita à unidade.

Estas são, dentre outras, as argumentações que validam a revista como necessária à liberação da visitante às dependências do estabelecimento, mas, mesmo havendo um objetivo claramente definido, não há, entretanto ainda, chancela legal. Dito de outra forma, revistar o corpo de um cidadão ou cidadã e vasculhar as suas intimidades sem que haja regulamentação da função e, ou, o reconhecimento do caráter policial de tal atividade é, no, mínimo, embaraçoso.

Eis que os Agentes Penitenciários (de ambos os sexos) estão tradicionalmente, por décadas, a laborar sem qualquer reconhecimento oficial por este labor. A Constituição Federal, a LEP, A Constituição Estadual, a Lei 7.209/97 (Grupo Ocupacional Serviços Penitenciários que dispõe sobre as atribuições dos Agentes Penitenciários baianos), O Regimento da SAP (Superintendência de Assuntos Penais) e os Regulamentos internos das Unidades Prisionais, são silenciosos no que tange respaldar tais responsabilidades. Em última análise, esta é uma atividade realizada à revelia da lei e, portanto, carentes de regulamentação.

Ninguém saí ileso deste tipo de revista. Tanto quem executa a ação de inspecionar, quanto quem sofre a inspeção, são vítimas de constrangimento por parte do Poder Público. Não é a toa que A OIT (Organização Internacional do Trabalho) enquadrou a profissão como a 2ª do Rank entre as mais estressantes do mundo. Estudo realizado pelo CESAT (Centro do Estudo da Saúde do Trabalhador) diagnosticou que 3 entre 10 Agentes Penitenciários masculinos da RMS (Região Metropolitana de Salvador) sofrem de transtornos psicológicos significantes decorrentes de suas atribuições. No caso das Agentes Femininas este números chega a ordem de 5 entre 10, isto por conta do volume de revistas corporais, a tensão e o desgaste psico/emocional proveniente da atividade.

Ademais a revista estabelece o seguinte paradoxo. Por um lado, são os detentos, e não os seus visitantes, que estão em débito com a justiça, portanto, estas ultimas não podem, enquanto cidadãs, ser criminalizadas a priori, sob pena do ente público ser responsabilizado por desobediência aos Princípios Fundamentais da dignidade da pessoa Humana e dos Direitos Individuais prescritos na Constituição Federal. Mas, por outro, esta prática visa coibir o abastecimento de drogas, armas, serras e demais ilícitos pelas chamadas mulas (que usam a genitália para este fim), evitando que os presídios baianos sejam palco diários de rebeliões e tentativas de fuga.

Eis o impasse. Quanto a ele deixamos as seguintes interrogações: Será que os uso dos portais detectores de metal e esteira de raio X solucionarão o problema de entrada de armas serras e outros materiais cortantes? Quanto as drogas será que a instalação de um serviço de inteligência penitenciária não ajudará na identificação das mulasprofissionais para que a ação da revista seja direcionada a estas pessoas? No caso da entrada de drogas se houver um trabalho de investigação interna para atuar em flagrante delito os internos que usam e, ou, traficam não se resolveria o problema?

Por fim, acredito que o ordenamento legal acerca de tais revistas por parte da LEP e, por extensão, dos demais poderes envolvidos na Execução da Pena, fará um grande serviço à humanização da Pena Privativa de Liberdade e, em especial, às mulheres que estão diretamente envolvidas nesta atividade. Por sinal a maioria delas de ancestralidade africana e, portanto, historicamente vitimadas por um Estado cujas bases são racistas e escravocratas. O Estado brasileiro deve eliminar todo e qualquer entrave a consolidação de uma nação que respeite as diferenças étnicas e a dignidade feminina, a partir de políticas de ação afirmativa em prol da maioria atingida por este processo de exclusão e humilhação.

Como mediar o problema? O ponto de equilíbrio, penso, está relacionado à utilização articulada dos portais detectores de metal e das esteiras de raio X, bem como o funcionamento de um sistema de monitoramento interno com foco nos espaços ocupados pelos visitantes, regulamentação e treinamento dos/das agentes penitenciários para o uso armamento letal e não letal, aliado a um sistema de revista por amostragem. Esta última ação irá preservar a própria visitante, isto porque a certeza da fiscalização por parte do Estado evitará que elas sejam recrutadas pelo crime organizado para abastecer a cadeia de drogas, telefones celulares e materiais que facilitem fugas. Portanto a revista por amostragem atenuará, ao máximo, o constrangimento que servidores e cidadãos são submetidos com esta prática que atinge em cheio os princípios pétreos de civilidade e dignidade humana.

* Este artigo foi publicado em A TARDE/Jurídicas em 29/05/06, foi revisado recentemente acrescentando alguns dados para se ajustar às demandas do tempo atual. Seu autor, Everaldo Carvalho (everdal@ig.com.br) é agente penitenciário, sociólogo pela UFBA, professor de História e Sociologia, autor dos Livros "A Mácula do Crime" e "A Face Maculada", especialista em História da Cultura Afro Brasileira e Gestão em Segurança Pública, atuou como dirigente do Sinspeb (Sindicato de Servidores Penitenciários), ex-diretor da Colônia Penal Lafaiete Coutinho e atual diretor da Cadeia Pública de Salvador.

Sistema Prisional em Debate
Enviado por Sistema Prisional em Debate em 23/12/2010
Reeditado em 28/12/2010
Código do texto: T2688239
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