Sobre a prisão de funkeiros e a liberdade de expressão

Nesta semana, a polícia do Rio prendeu quatro cantores, acusados de apologia ao crime e envolvimento com tráfico de drogas. O delito consistiu em cantar, durante um espetáculo, uma música cuja letra dizia que um acusado de tráfico de substância entorpecente estava livre, enaltecendo assim o acusado.

Os cantores permanecem reclusos (ainda estarão hoje? no domingo?), provavelmente em condições desumanas. A pena para os crimes dos quais são acusados é fortíssima, em contraste com a aparência inócua do suposto delito.

A situação faz relembrar os tempos da ditadura, quando a censura a todas as formas de expressão eram, e são ainda hoje, consideradas muito intensas. Apesar disso, a repressão não era tanta que impedisse os oprimidos de expressar o seu canto.

Difícil sentir saudades da ditadura, mas os que moram no morro, tenho certeza, as sentem. Tempos em que, para eles, havia liberdade. Querem calar a voz do morro, talvez, para que o sangue continue a jorrar silenciosamente.

Fico pensando onde andará o velho Charles, cantado por Jorge Ben em 1969.

“Ôba, ôba, ôba Charles

Como é que é

My friend Charles

Como vão as coisas Charles?

Charles, Anjo 45

Protetor dos fracos

E dos oprimidos

Robin Hood dos morros

Rei da malandragem

Um homem de verdade

Com muita coragem

Só porque um dia

Charles marcou bobeira

Foi sem querer tirar férias

Numa colônia penal…

Então os malandros otários

Deitaram na sopa

E uma tremenda bagunça

o nosso morro virou

Pois o morro que era do céu

Sem o nosso Charles

Um inferno virou…

Mas Deus é justo

E verdadeiro,

E antes de acabar as férias

Nosso Charles vai voltar

Paz alegria geral

Todo morro vai sambar

antecipando o carnaval

Vai ter batucada

Uma missa em ação de graças

Vai ter feijoada

Whisky com cerveja

E outras milongas mais…

Muitas queima de fogos

E saraivada de balas.

Pro ar,

Pra quando nosso Charles,

Voltar…

E o povo inteiro feliz

Assim vai cantar…

Ôba, ôba, ôba Charles

Como é que é

My friend Charles

Como vão as coisas Charles?”

Volte Charles, o morro precisa de você.