VAZAMENTO NO QUINTAL

VAZAMENTO NO QUINTAL
J.B.Xavier
15-12-2010

Imagine que você sinta um desconfortável mau cheiro vindo de seu quintal. Numa averiguação rápida, você constata que há um pequeno vazamento na rede de esgotos de sua casa. Considerando que o problema não é uma emergência, você promete a si mesmo que irá consertá-lo o mais rápido possível. Uma semana depois o mau cheiro aumentou muito e já afeta as casas próximas. Seus vizinhos começam a se queixar, cobrando-lhe uma solução para o problema. Numa nova averiguação, você descobre que o vazamento cresceu bastante, e que vai lhe custar mais do que você está disposto a gastar, para consertá-lo. Não estando disposto a se desfazer do dinheiro que você guarda há algum tempo para fazer a viagem dos seus sonhos, você decide jogar um pouco de terra sobre o vazamento. O Mau cheiro desaparece, os vizinhos param de se queixar e você sai para suas férias tranqüilamente.

Em seu retorno, porém, você encontra o caos. Seu quintal todo virou um lodaçal de águas pútridas, exalando um fedor insuportável que se sente a muitos quarteirões. Várias multas da vigilância sanitária estão sob sua porta, e logo aparecem os vizinhos dispostos a escalpelá-lo se não resolver o problema imediatamente. Nessa altura você já não tem mais o dinheiro para o conserto - que agora é de grandes proporções - e descobre que sua situação só pode ser resolvida de uma maneira: mudando-se dali rapidamente.

No Quintal Brasil, há um vazamento semelhante, que não foi consertado ao tempo em que era bem pequeno. Há época o mau cheiro era suportável e ocasional. Volta e meia uma atrocidade ou outra abalava a nação, porém eram raros e quase sempre muito menos graves do que os atuais.

Mas os donos do quintal Brasil – seus governantes, líderes empresariais, religiosos e políticos - sempre ignoraram os avisos insistentes de que a sociedade brasileira adoecia de maneira inexorável. Resultado: o vazamento jamais foi consertado e há muito a nação enveredou para um solapamento sempre crescente das regras mais básicas do convivio social e dos pilares que mantém de pé uma democracia, como o direito à propriedade, o direito de ir e vir, à saude, à segurança e à educação.

Agora mesmo, há alguns dias, nossos parlamentares aumentaram os próprios salários e passam a ganhar nada menos que R$26.000,00 - isto mesmo: vinte e seis mil reais por mês, ou 14.500 dólares, aproximadamente. Ou seja, R$312.000,00 reais por ano. Um salário igual a alguns dos executivos das maiores empresas privadas do país. Vejam bem, isto "trabalhando" três dias por semana, férias de mais de 60 dias por ano, nenhuma obrigação de comparecer ao trabalho, muito menos de apresentar reesultados pelo que fazem, e mais passagens, estadias, diárias remuneradas, assessores, suplentes, e verba para material de expediente. Parece brincadeira? Não parece. É! Uma brincadeira macabra, que representa aonde o Brasil chegou, nas mãos desses senhores, que fazem leis e mal sabem ler. A maioria deles sequer sabe onde se localizam no mapa, a maioria dos Estados brasileiros, como provou um programa de TV quando mostrou a uns 10 parlamentares um mapa do Brasil com os Estados não identificados e lhes perguntou aonde ficava Pernambuco. Nove não souberam apontar sua localização no mapa. NOVE!

Agora, por favor, faça uma pausa na leitura e clique AQUI para ver como atuam os parlamentares da Suécia, um dos países com melhor nivel de desenvolvimento do mundo, cuja rainha, Sílvia, aliás, tem mãe brasileira, morou no Brasil entre os 4 e 14 anos, fala fluentemente sueco, espanhol, inglês, francês, alemão e português, e antes de ser rainha, com seu casamento em 1976, trabalhou como tradutora.  

Percebeu porque eles são Primeiro Mundo? Ok.  Puxando a linha da pipa e e voltando ao Brasil;

Aqui ninguém tenta esconder ou dissimular mais nada. Tudo é feito escancaradamente, desavergonhadamente. A campanha de Tiririca - não a erva daninha, mas o candidato - escancarou de vez essa falta de vergonha ao fazer de bordão: "Eu não sei o que faz um deputado, mas vote em mim que assim que descobrir eu conto a você".  

As câmeras flagram, mas as imagens não tem efeito algum sobre a Justiça. Sempre há um advogado explicando que as imagens são efeitos especiais holliwoodianos, e sempre há um juiz disposto a acreditar nisso, sabe-se lá a que preço.     

Transformamo-nos no país do "salve-se quem puder", do quem tem mais chora menos, da semvergonhice pura e simples e do descaramento deslavado.

Transformamo-nos num país onde as crianças crescem sem exemplos de justiça social, sem que se sintam protegidas por um Estado empenhado em fazer delas pessoas úteis. Um país onde os princípios morais e éticos mais básicos tendem a desaparecer por falta de incentivo ao seu uso.

Um país onde os pais não sabem mais como educar seus filhos. O que fazer? Ensiná-los a serem honestos e viverem sendo passados para trás pelos espertinhos, cujo número cresce como tiririca? Ou ensiná-los a serem malandros para que possam ao menos se defenderem, e assim aumentarem o número da safadeza em que se transfomou nosso dia a dia?

Acostumamo-nos a ler, ao fim da notícia da condenação do bandido famoso, a frase: Ele vai recorrer da pena em liberdade.

Acostumamo-nos a ouvir os criativos nomes das operações da polícia
e a ouvir sobre as prisões de dezenas de meliantes de todos os calibres nessas bem batizadas operações.

O que nunca se conseguiu foi ver uma foto sequer - nem uma! - num único veículo qualquer de comunicação, de um corrupto famoso atrás das grades. Ao contrário! Há alguns meses, um governador que roubou a verba destinada à educação em seu Estado foi preso numa dessas mega-operações policiais e uma semana depois estava em liberdade e foi recebido com uma também mega-festa em seu Estado!

Como assim? O que aconteceu com esse povo? Perdeu o senso de ridículo, de justiça e de vergonha na cara?

O que se sabe com certeza é que esses vírus sociais, esses excrementos de colarinho branco, esses cânceres que enfraquecem a sociedade sempre mais felizes e sorridentes, rindo-se descaradamente da sociedade da qual eles tripudiam.

Hoje o fedor da podridão dessa lepra social é quase insuportável, mas os governantes não se preocupam com isso, porque vão-se embora a cada quatro anos. Mas os cidadãos comuns, não podem gritar “parem o país que eu quero descer!”. Eles tem que ficar, trabalhar e suportar as conseqüências da profunda irresponsabilidade de seu governantes.

Três manchetes colhidas ao acaso, hoje, 16-12-2010
- TSE valida eleição de deputado acusado de compra de votos
- TSE libera Rosinha a reassumir prefeitura do RJ
´ Nenê Constantino, o fundador da companha aérea GOL é preso em Brasília. Deu advogado pedirá liberdade.

Confira. Se Constantino ficar mais de uma semana preso, eu tiro este artigo da net.
(Atualização: Ontem, 19-12-2010, foi concedido habeas corpus a Constantino, colocando-o em liberdade)

Por aí dá para entender porque estamos como estamos.

O Brasil está doente. Seriamente doente. Não o Brasil das bolsas de valores, ou dos que gravitam em torno dos altos investimentos e da dinheirama – pública e privada – que se queima em nome de “altos ideais” patrióticos. Assim como um vírus causa a doença, mas ele próprio não fica doente, assim também o sistema perverso de distribuição de renda no país causa a maioria de suas doenças sociais, mas ele próprio não adoece.

Aí somos obrigados a ouvir o Ministro da Justiça dizer que “não podemos colocar um menor num sistema prisional deficiente”. Concordo. Concordo também que nenhum país que gaste mais com o sistema repressivo do que o com sistema educacional, como o Brasil, pode aspirar ser chamado de Nação.

O aparato repressivo do Estado de São Paulo, o Estado mais rico da União, é impressionante. Só na Polícia Militar são quase 100.000 policiais! O Exército Brasileiro inteiro tem 200.000. São cães, cavalos, carros avançadosoff-road, sedans de última geração, helicópteros, lanchas, e até bicicletas, tudo para tentar conter o vazamento social que espalhou-se pelo Quintal Brasil, por não ter sido consertado a tempo, com medidas sociais preventivas.

Todo país adiantado investe na prevenção, via educação, porque sabe que ela é mais barata que a repressão. Não no Brasil. Aqui os governantes brincam de governar, e a sociedade brinca de obedecer.

Desde o primeiro dia de governo, o foco do governante eleito é um só: como ganhar a próxima eleição e se perpetuar no poder. Eles não administram um dia sequer! Desde antes de assumirem já começam os conchavos, os discursos, as inaugurações, as aparições em público, que não têm outra intenção senão a de fazer propaganda para seu próximo pleito.

Então somos obrigados a engolir a humilhação de um programa como o Fome Zero, que, afinal não zerou nada, a não ser os últimos resquícios de dignidade que ainda havia no sofrido povo brasileiro. Mas rendeu milhões de votos. 

É incrível que um governo proponha essa humilhação à sociedade: dar ao faminto um prato de comida, ao invés de gerar emprego que lhe dará a refeição de todos os dias. É incrível que um governo pense seriamente que irá resolver os problemas sociais, ou mesmo acabar com a fome, através desse artifício hipócrita. Mas mais incrível ainda é uma sociedade que aceita isso com tanta candura, esquecendo-se de cobrar ações concretas de combate à pobreza, como por exemplo uma reforma tributária séria capaz de promover uma distribuição de renda justa e de diminuir a profundidade do abismo social que separa ricos e pobres.

Disse certa vez Martin Luther king: "O que me assusta não é o alarido dos maus. O que me assusta é o silêncio dos bons!"

Não se vê um pingo de criatividade na maneira de governar. Os comícios eleitorais atuais tem o mesmo tom, as mesmas balelas, as mesmas técnicas de comunicação que aqueles que eu assistia sentado nos ombros de meu pai, molequinho ainda. Nada mudou, nem na retórica, nem na intenção, nem na ambição, nem na ação.

Mas a sociedade mudou. Ora, um problema sem solução é um problema resolvido! Então à falta de solução para os problemas sociais, a sociedade vai resolvendo por si mesma os problemas que tem, e promovendo suas próprias soluções – nem sempre as mais favoráveis.

À falta de emprego, o pai não consegue arcar com o essencial para sua família sobreviver. À falta desse essencial, os filhos não freqüentam uma escola. À falta de estudo vem o sub-emprego com salários miseráveis e altamente desmotivadores, o que acaba desaguando na criminalidade, nas drogas e na inutilização de grande parcela da mão-de-obra do país. Ou na humilhação de ter que aceitar os "bolsa isso e bolsa aquilo" dos mesmos políticos que ganham 26.000 reais por mês!

No outro lado na moeda, há uma casta de abastados que erguem muros ao redor de suas mansões, na tentativa de se proteger dos “bárbaros”, miseráveis, famintos, e, por isso mesmo, perigosos.

Esta casta não pode ser tampouco responsabilizada pelo fedor do Quintal Brasil, porque, afinal de contas é ela que empreende, que, por bem ou por mal, gera oportunidades e riquezas. O que ela faz é exatamente o que se espera de um empreendedor num país capitalista: ganhar dinheiro. Ela simplesmente se aproveita – eticamente ou não – do que lhes faculta a lei. Paga uma montanha de impostos e raciocina que não lhe diz respeito a maneira como o governo vai gastá-lo.

Fala-se muito em “governante” mas não se fala em “estadista”. Há uma diferença notável entre um e outro. Segundo Mestre Aurélio, governante é “quem ou o que governa” e estadista é “pessoa de atuação notável nos negócios políticos e na administração de um país”.

Neste quesito nossa história não ajuda em nada. Nosso último estadista, talvez tenha sido D. Pedro II – homem culto e de visão abrangente, a despeito do que digam os fãs de Getúlio Vargas ou Juscelino Kubitschek.

Há poucos dias vi chorar o delegado que investigou a morte do casal de namorados em São Paulo – um homem de 60 anos, calejado policial com 22 anos dirigindo delegacias na Grande São Paulo e mais de 3.000 casos investigados – tem-se uma idéia da atrocidade do crime. Palavras dele: “O que mais dói é saber que esse garoto ficará na FEBEM somente até os 21 anos. Depois estará livre!”

O fedor do Quintal Brasil extrapolou os limites do suportável. Tanto que já começamos a nos acostumar com o mau cheiro e já quase nem o notamos. Já nem olhamos curiosos ao ver os garotos com o rosto enfiado num saco de plástico cheio de cola. Uma moça mandou matar os pais em S. Paulo. Semanas depois, um pai matou toda a família no rio e em seguida suicidou-se.  Há apenas dois meses uma filha de 29 anos matou os pais em Santana do Parnaíba, a cidade que abriaga os condomínios Alphaville, de classe média alta. E já não se fala mais nisso! Convivemos com siglas do mundo do crime como se fossem meras siglas de nosso dia-a-dia. É como se estivéssemos de volta á Chicago dos anos 30, só que perto de nossa violência, Al Capone era um escoteiro.

Morrem em média 50 pessoas em S. Paulo, entre sexta feira à noite e segunda feira de manhã. Apenas baleados! É muito, até mesmo para Capone!

Somente no Estado do Pará, a polícia matou, oficialmente, 800 bandidos, apenas em 2009! 

A média diária de casos de tiroteio com morte, registrada pela PM paulistana no primeiro semestre de 2010, foi de 0,78  - 141 casos em 181 dias.

E ainda se fala nos 111 de Carandiru... Cujo comandante da operação, Coronel Ubiratan, aliás, foi também assassinado.

No Rio de Janeiro os números são ainda mais alarmantes.

Enquanto isso vê-se os governantes, ministros e quetais dando entrevistas sorridentes, rechonchudos, corados e felizes.

E agora a pior parte: O fedor do Quinta Brasil vai aumentar. Creio que o pior ainda está por vir - será quando, daqui a alguns anos, essa geração, criada na libertinagem e sem sonhos, assumir o dia-a-dia da nação. (permitam-me a cacofonia) 

Vale lembrar o que disse o pai de uma garota recentemente assassinada em S. Paulo: É preciso que aconteça com a filha de um deles, para que eles saibam o que estou passando!”

Eu acrescentaria: Eles têm uma eleição à frente para se preocupar, por isso não prestam atenção à sua dor. Já o senhor terá uma sepultura para visitar e muito a chorar, pelo resto de sua vida!




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JB Xavier
Enviado por JB Xavier em 16/12/2010
Reeditado em 20/12/2010
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