RIO DE JANEIRO... o Haiti é aqui!
RIO DE JANEIRO... o Haiti é aqui!
Por Mathias Gonzalez (*)
Não é preciso ser especialista em segurança para entender o que está acontecendo no Rio de Janeiro ao apagar das luzes do ano de 2010. Guerrilha urbana no teatro de operações militares, envolvendo grupamentos do exército, marinha, aeronáutica, polícia militar, rodoviária, civil e federal. A propósito, onde está a tão decantada Força Nacional criada para ações dessa natureza? Foi desmobilizada? A Força Nacional de Segurança Pública (FNSP), criada em 2004, que tinha como prerrogativa básica poder ser acionada sempre que situações de distúrbio público, originadas em qualquer ponto do território nacional, requeressem sua presença. Pelo visto, tal força foi desmobilizada ou incorporada às demais forças policiais e militares. No entanto, ninguém se pronunciou sobre o que foi feito dela. Os contribuintes agradeceriam uma nota de esclarecimento. Afinal, saíram dos cofres públicos as verbas para aquisição de armamento, carros de combate e equipamentos para enfrentamento do crime organizado e outras perturbações da ordem pública.
Ainda não sabemos a extensão dos prejuízos materiais com a depredação e incêndio a veículos particulares e coletivos, além das mortes provocadas pela onda de violência que se abateu sobre a Cidade dita Maravilhosa na penúltima semana de novembro de 2010.
Os noticiários não falam em outra coisa. Os jornalistas parecem ensandecidos na busca de um furo de reportagem, parecem loucos para levarem uma bala perdida e terem no peito um furo feito por bala de fuzil de qualquer um dos lados. Se metem na confusão, pois acham que precisam mostrar tudo nos mínimos detalhes. Nada pode dar mais Ibope para um canal de TV do que uma guerra urbana ao alcance da mão, sem a necessidade de viagens longas pelo mundo para documentar atentados no Iraque, invasões da Coréia do Sul ou revoltas na Velha Europa cansada de guerras. Está tudo aqui mesmo, do outro lado da cidade. Bombas, tanques de guerra, granadas, armamento pesado, fuzis de longo alcance, óculos de visão noturna, além de helicópteros blindados e tropas de elite.
Que Natal lindo é esse que estamos presenciando. Inesquecível. Parece que os bandidos e as forças ditas do bem resolveram iluminar o Ano Novo do Rio de Janeiro mais cedo. Mas não é sobre esse lado romântico da onda de violência que desejo falar. Quero neste artigo pedir um pouco de calma aos jornalistas das grandes cidades brasileiras, aos policiais de plantão, às tropas do glorioso Exército Brasileiro e demais federais. Não invejem o cenário de guerra do Rio de Janeiro. O que acontece lá agora será reproduzido em muito breve na periferia de Salvador, BH, São Paulo, Fortaleza, Recife e, com absoluta certeza, nas inúmeras cidades do entorno de Brasília, a abençoada Capital Federal. Afinal, já bem disse o filho de dona Canô... " O Haiti é aqui..."
Mas não pensem que sou um astrólogo ou vidente de plantão. Nada disso. Qualquer pessoa com um mínimo de informação sabe que essas metrópoles possuem cenários parecidos com as favelas do Rio de Janeiro. A diferença é que lá os bandidos são mais experientes, têm mais horas de crime e isso faz uma enorme diferença. Mas para onde irão esses marginais depois que forem expulsos dos seus guetos? Para onde estão indo agora? Adivinhou? Eles irão para locais onde existem condições iguais para que desenvolvam suas ações criminosas: pobreza, miséria, abandono por parte dos poderes públicos e indivíduos corruptos. Você conhece algum lugar assim? E onde estão os verdadeiros responsáveis? Quem acertar ganha um doce, (para não dizer uma bala) que não está em boa cotação no atual momento. Se você pensou nos governantes, acertou na mosca.
O processo de favelização do entorno de Brasília e de tantas outras cidades brasileiras é o reflexo das políticas criminosas e omissas dos governantes, quer em nível federal, estadual ou municipal. A falta de cuidado com as populações mais carentes, o descaso com o êxodo rural e com a falta de criação de frentes de trabalho e produção, refletem-se no amontoado de seres vivendo em conduções miseráveis, à mercê do crime. A criança sem educação e sem abrigo hoje é o potencial bandido do amanhã. O traficante de hoje nasceu há 20 ou 30 anos.
Em vez dos bilhões gastos em submarinos, aviões e armas de guerra que o governo federal destinou, nas últimas décadas, ao fortalecimento das nossas defesas, deveriam ter usado tais recursos para defender as populações carentes da vitimização do desemprego, da falta de saúde, educação e moradia decente. Em vez dos milhões de reais que vão para os bolsos dos senhores e senhoras deputados e senadores, governadores, prefeitos e vereadores, oriundos das negociatas e dos vultosos salários que o povo lhes pagam, deveriam ser construídas fábricas, escolas técnicas e gerados recursos para promover a subsistência decente dos favelados. Quantas favelas foram extintas em todo o país nos últimos 20 anos? Quais os planos de contingência para atender às populações afetadas pelas secas, enchentes e outras calamidades naturais, evitando que essas pessoas fujam para os grandes centros urbanos na esperança de melhora de vida? Como estão os programas de ocupação do solo urbano, para conter a construção de casebres que se amontoam, formando os labirintos que conhecemos pelos noticiários. Quantos milhões de casas populares decentes foram construídas no Rio de Janeiro nos últimos dez anos? Bastariam 3 milhões para reocupar e reassentar a população das 10 maiores favelas da cidade. Tem alguém interessado nisso? Ou na reeleição?
Parece que é mais fácil mandar tropas militares invadir e ocupar os morros e favelas com UPPs do que oferecer condições para uma vida digna aos segregados pelo abandono e descaso dos poderes públicos. Que se virem! Afinal, foram para lá porque quiseram. Muitos se tornaram bandidos porque não têm caráter, civilidade e são párias da sociedade. Os bandidos tomaram o lugar do governo. Onde há desgoverno, fica mais fácil. Bandidos e milicianos disputam território. Por falar nisso, para onde foram as milícias? Estão esperando o momento de voltarem a manter a paz e ordem nas favelas, por um preço módico. Deixarão agora que as forças federais matem metade dos bandidos. Chumbo neles! Assim terão o caminho livre em breve. Assim que os federias forem embora, poderão continuar com seus cartéis, protegendo as empresas clandestinas de TV a cabo, revenda de celulares, carros e motos roubadas, além da prostituição tão decantada nas praias cariocas no próximo verão. E o crack, cocaína e maconha? As milícias não misturam seus negócios. Deixarão que os traficantes vendam seus produtos para os riquinhos do planalto central e outras metrópoles e às populações mais necessitadas do resto do país.
Seja como for, a guerra não terminou senhores jornalistas e comandantes das forças federais. A verdade é que essa guerra pequena, mesquinha, desumana, travada agora nas ruas miseráveis das favelas nacionais, bem poderia ser evitada se os verdadeiros responsáveis fossem duramente punidos e extintos, fosse com balas de fuzil, granadas ou artilharia pesada. Mas não podem, pois estão agora mesmo entrincheirados em seus gabinetes palacianos, fumando charuto cubano, tomando wisky escocês e comendo caviar.
http://mathias.gonzalez.sites.uol.com.br
(*) Mathias Gonzalez é psicólogo e escritor.