Missivas, e-mails e blogues (Artigo de Opinião)
Há pouco mais de meio século atrás, uma carta era algo de mágico na comunicação humana. As novidades, as expectativas e os casamentos concretizavam-se por seu intermédio.
Fora do Funchal, muitos se dirigiam à venda para levantarem o correio e, em algumas freguesias, havia sempre um cidadão pouco abastado mas de confiança, que se encarregava de obter e distribuir o correio de porta em porta, recebendo como honorários os produtos da terra, que tanta falta lhe faziam. Em alguns casos particulares, o búzio anunciava não só a hora de rega, mas também a chegada do carteiro.
A posse da missiva implicava muitas vezes uma deslocação, mais ou menos secreta, até junto de alguém - fiável e amigo - que fosse capaz de lhe decifrar o conteúdo e se encarregasse depois da respectiva resposta.
O namoro - reflexo do pundonor de uma época - era pedido por carta, à qual se seguiam vários dias de ansiedade: a réplica poderia nunca chegar e isso seria revelador do desinteresse, sem mais delongas.
Desejadas, eram também muitas cartas de chamada, que aconteciam quando o marido emigrante convocava a mulher: «Quando vieres, não tragas o xaile preto, que aqui não se usa. Se puderes, traz-me uma garrafinha de aguardente!».
Cobiçadas, eram as madrinhas de guerra. Procuradas através de anúncios no jornal, conseguidas através de familiares ou amigos, alimentavam as fantasias solitárias de quem estava longe, através de cartas ou aerogramas. Algumas, chegavam depois a destinos distantes, casadas na magia da palavra escrita. Outras, iludiam ardilosamente o futuro marido, através de uma fotografia de apresentação, finalmente enviada, onde se escondia uma perna mais curta ou um olho mais vesgo.
Escondidas eram também as cartas ou as mensagens para a "Senhora Enfermeira", quando esta se deslocava ao domicílio: a pílula, o penso e, mais tarde, o preservativo eram pedidos por escrito, para que ninguém mais soubesse.
Pelo contrário, incentivadas eram as missivas trocadas entre turmas de Escolas tantas vezes distantes, mas também entre professores que, ao perto e ao longe, ansiavam por novas ideias, vencendo o isolamento. O namoro entre alunos, esse, era pautado pela ingenuídade, pelas cartas de amor, pelos recadinhos escritos...
Os Movimentos Católicos de Juventude, mobilizadores e de cariz internacional, fomentavam viagens e novos conhecimentos, que se consolidavam depois por carta, através de uma língua comum, onde as diferenças e as distâncias se contornavam.
Eram tempos em que mal se conhecia a esferográfica e bem distantes do computador; no início, ainda dominados pela pena e pelo tinteiro, ou, quando muito, pela caneta de tinta permanente. Na Escola Oficial, saltava-se o Canto IX.º dos Lusíadas que, ousado, descrevia a chegada à Ilha com a desfaçatez das ninfas, dando as boas-vindas aos perigosos marinheiros. «O Crime do Padre Amaro» era devorado às escuras, entre a luz redonda de um "olho de boi"...
Hoje, a publicidade invade as caixas do correio e as cartas não chegam: foram substituídas por contas para pagar. Da carta passou-se ao telefonema, e deste, à mensagem escrita, num qualquer telemóvel topo de gama.
Popularizaram-se os sites e os blogues, mais céleres, práticos e de fácil manuseamento, para todos os que não se viram excluídos perante as novas tecnologias de informação. Já não se indicam moradas mas endereços de e-mail, já não se escreve em folhas mas nos blogues, não são livros mas sites que se vêem às escondidas.
Porque constantemente nos perguntam «Como estás?» e nunca « O que é que sentes?», a motivação é sempre a mesma, indiferente às tecnologias e atravessando as épocas: a ânsia de comunicar, o recalcado desejo de autenticidade e a vontade de se ser amado e compreendido!
ANTÓNIO CASTRO
OPINIÃO: REVISTA SABER
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