PROCESSO DE VIVÊNCIA GRUPAL

PROCESSO DE VIVÊNCIA GRUPAL

Desde os primórdios dos tempos imemoriais o espírito nômade do homem, aliado ás hostís condições da época, o obrigava a viver em grupo para sobreviver àquele ambiente sem alternativa até que decorridos muitos anos sobreviesse o sedentarismo, a favorecer uma maior convivência. Tal fato, porém, propiciou o surgimento do individualismo desenfreado e a competição, a desencadear conflitos de toda ordem, a refletir-se até no âmbito familiar.

Isso aconteceu porque o homem saiu da fase cultural pela sobrevivência pura para à fruição, cada vez maior, do produto resultante do progresso alcançado sem dimensionar nem limitar a ambição aos frutos dele resultante. Evidenciou-se o processo de cultura ao bem material, o acumular riquezas, o desprezar do exercício da cultura imaterial herdados oralmente dos descendentes mais remotos.

No entanto, tal conseqüência forjou, também, valores positivos antes desconhecidos: o apego ao lugar de nascimento, o sentimento nativista, o valorizar das convenções sociais a nós transmitidos permanentemente. Seria impossível tal evoluir caso o homem não houvesse se adaptado, embora com as características diferenciadas. Incorreria na dificuldade de assimilar os hábitos próprios da civilização atual: crença religiosa, comunicação em linguagem formal e formação profissional cada vez mais técnica. Para comprovar a sobreeminência da afirmação, trago à colação excertos da historia das meninas Amala e Kamala.

Ao conviver na selva desde a idade mais nova, entre animais, assimilaram hábitos iguais a estes: se deslocavam de quatro pés, não falavam, grunhiam e dilaceravam os alimentos. Assimilaram em toda sua inteireza as características do meio em que se desenvolveram. Daí a diferença ontológica constatada, pois em sua convivência grupal o homem desenvolve toda uma gama de qualidades e valores que o diferencia dos animais.

Têm sentimentos, têm consciência da necessidade de solidariedade, choram na tristeza; alegram-se no prazer ao alcançar objetivos nobres. Tais valores propiciaram as influências exageradas do progresso que deu vez à desmedida prevalência do individual sobre o coletivo.

Este comportamento foi se agravando pelo paulatino crescimento das urbes e, por conseqüência, o surgimento das moradias condominiais em estranha antítese, a gerar distanciamento, a privilegiar o egoísmo, o individualismo exagerado ao tornar as pessoas acres, menos solidárias, solitárias e menos sociáveis. A ponto de algumas delas (pasmem!) se orgulharem de não manterem contato e desconhecerem até mesmo o nome do vizinho de porta de há muito tempo!

Poderíamos perguntar: as comunidades interioranas ficaram imunes a essas transformações? Diríamos que não; no entanto, nos grotões, nos rincões, nos distritos, ainda mantêm resquícios da outrora salutar convivência. Dou por exemplo os três anos e meio em que trabalhei entre as cidades sertanejas de Floresta e Ouricuri; me chamava a atenção a interação havida entre aquelas pessoas a ponto de a três ou mais léguas de distâncias daquelas localidades se conhecerem intimamente, a conservarem, ainda, a salutar convivência e a solidariedade grupal.

A propósito, há cerca de duas ou três semanas atrás o cronista “bissexto” do Jornal do Commercio, Joca de Souza Leão, ressaltou em crônica intimista a salutar aproximação da vizinhança de seu tempo, na qual era comum entre si pedirem sem cerimônia uma xícara com um pouco de óleo, um pouco de café; se uma outra fazia iguaria diferenciada logo se apressava em enviar uma fatia ou porção, a caracterizar, assim, a época pura em que o grupal, o coletivo, sobressaía ao individual.

Seria tão bom se, concomitante ao progresso hoje alcançado, com a informática a atingir performance inimaginável, reservássemos uma pequena fração dessa estreita convivência fraterna outrora vivenciada para suavizar a aridez dos tempos de hoje! Teríamos, dessa forma, um mundo mais justo no qual a fugaz fraternidade sazonal de final de ano daria lugar à permanente, tão necessária para manutenção da paz e o progresso sentimental entre os povos.

ANTONIO LUIZ DE FRANÇA FILHO –

Recife, 09 de setembro de 2008.

Advogado e aposentado da Celpe

e-mail:antoniofranca12@yahoo.com.br

ANTONIO FRANÇA
Enviado por ANTONIO FRANÇA em 17/11/2010
Reeditado em 15/05/2020
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