DILMA ROUSSEFF – À espera de um milagre

Não serei cínico dizendo que fiquei feliz com a vitória de Dilma Roussef quando as urnas declararam sua eleição por 55.752.529 votos, contra 43.711.388 de José Serra, 29.197.152 de abstenções, 2.452.597 de votos em branco e 4.689.428 de votos nulos. Quem tiver uma calculadora poderá confirmar meus cálculos arredondados: foram mais de 80 milhões de votos não dirigidos à candidata do Presidente Lula. Isso no universo de 135.804.433 de eleitores. Ou seja, consola-me o fato de saber que Dilma Roussef não ganhou com maioria esmagadora de votos, como esperavam os petistas e seu grão-mestre Lula da Silva.

Mas não pensem que estou magoado ou infeliz. Não, não poderia. Não estou infeliz porque a eleição de Dilma quebrou um tabu de quase um século. Sou a favor da quebra de tabus de qualquer natureza. As brasileiras ganharam o direito de votar nas eleições nacionais por meio do Código Eleitoral Provisório, de 24 de fevereiro de 1932. Mesmo assim, a conquista não foi completa. O Código permitia apenas que mulheres casadas (com autorização do marido), viúvas e solteiras com renda própria pudessem votar. Uma estupidez sem tamanho.

As restrições ao pleno exercício do voto feminino só foram eliminadas com o Código Eleitoral de 1934. No entanto, o código não tornava obrigatório o voto feminino, que só passou a ser obrigatório em 1946. O direito ao voto feminino começou pelo Rio Grande do Norte. Em 1927, o Estado se tornou o primeiro do país a permitir que as mulheres votassem nas eleições. A conquista regional desse direito beneficiou a luta feminina para a expansão do “voto de saias” para todo o país. Depois de elegerem, podiam também ser eleitas. Foi uma conquista gradual e dura. Os homens não queriam dividir o “clube do bolinha” com as mulheres.

Apesar dos avanços que se seguiram ao longo de todos esses anos, uma disputa para o mais importante cargo do Executivo Federal nunca havia sido pleiteada antes por uma mulher. Finalmente, em 2006 e 2010, três mulheres, disputaram a Presidência da República: a senadora do PSOL Heloísa Helena, a ex-ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT) e a senadora Marina Silva (PV). Preferi dar meu voto a esta última por seu compromisso com as causas ambientais, firmeza de caráter e humildade. A outra, foi empurrada goela abaixo pelo Presidente que queria provar que faria tudo o que lhe apetecesse enquanto estivesse na presidência. Muita gente votou na candidata que ele indicou em gratidão, apreço ou ainda por piedade, pois não queriam que o ídolo das massas pobres, como ele se tornou, fosse derrotado nas urnas. Entendo que grande parte dos milhões de votos que a candidata eleita conquistou teve esse caráter de “nobreza solidária” de setores mais carentes da população. A outra parte é oriunda daqueles que estão encastelados em seus postos convenientes (cargos comissionados) e de seus familiares que formam milhões de dependentes dessas benesses governamentais em níveis federal e estadual. Precisavam se manter no emprego.

Não me resta muito a dizer pois minha manifestação aqui é solidária aos que não votaram em Dilma. Faço parte dos 80 milhões de brasileiros que de uma forma ou de outra queriam outra pessoa, outro partido, outra ideologia tocando os rumos dessa pátria mãe gentil.

Muitas mulheres comemoram a conquista de Dilma como se fosse delas próprias. Esperam que a alma sensível, meiga, afetuosa, generosa, atenciosa, delicada e refinada da mulher se manifeste na presidente eleita. Alguns duvidam que isso possa acontecer porque tudo o que se sabia dela contrariava essa visão poética, doce e romântica da alma feminina. Quem a conhece de perto, diz, sem esconder da própria Dilma, “que a mulher tem jeito de macho”. Sem ofensas, é claro. Assim, não sei se todas as mulheres têm tanta razão para celebrar. Quem sabe o peso da responsabilidade e do gozo da popularidade tenha o poder de suavizar o semblante, o tom de voz e as atitudes da presidente. Teremos quatro anos para descobrir que tipo de mulher realmente foi eleita. Ficaremos à espera de um milagre.

(*) Mathias Gonzalez é psicólogo, professor e escritor.

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