Vou de táxi...
É um problema ser cadeirante... No meu caso, sou mais que cadeirante, já que eu não tenho força nos braços. O máximo que posso fazer para me “locomover” sozinha é quando estou numa cadeira motorizada e posso manejar com minha mão (que “funciona”) os botões de direção. Como ainda sou “barbeira”, costumo atropelar algumas canelas...
Acho que o maior problema é ESTAR cadeirante, mais do que SER. Andar numa cadeira mecânica é só pra inglês ver, uma vez que ela é extremamente pesada e ninguém consegue me empurrá-la ou arrastá-la caso ocorra alguma surpresa. Ou seja: só posso passear se for em linha reta, chão liso e sem qualquer obstáculo à minha frente ou no piso.
Precisar de uma engenhoca é um transtorno, ainda mais em minha cidade (Rio de Janeiro). Acrescento a esta situação o fato de morar num bairro de subúrbio. Se até anciãos ou doentes com dificuldades de deambulação sofrem com buracos em calçadas, ausência de rampas (que quando existem são íngremes) e tantas coisas mais, imaginem gente em cadeira de rodas – ainda mais se for a mecânica!
Para eu poder dar um simples passeio, preciso de pelo menos dois cães de guarda. Sim! Cães de guarda, mais que anjos da guarda. Um serve pra me posicionar, me ajeitar, ver o que eu preciso, ouvir de perto o eu quero falar, essas coisas. O outro fica cercando os espaços que percorro, atento aos declives, multidões, pedindo licencinha, pedindo informações, antecipando-se a eventuais transtornos e barreiras ao meu caminho e minhas vontades.
Não é fácil... Quando vejo quem me ajuda ficar cansado, até me conformo em me manter desajeitada, só para não dar mais trabalho, porque não tenho grana para contratar mamutes que me posicionem toda hora do jeito que preciso. Acabo me tornando mais imóvel do que devia. Mas faz parte – da minha realidade e da realidade de muitos como eu. A gente faz o que pode e vamos à luta! Uma luta diária.
Quando quero me divertir - ver a natureza, por exemplo -, já começam os problemas. Muitas vezes desisto e não consigo usufruir dos meus direitos de cidadã. Apesar de na minha cidade termos lugares maravilhosos pra curtir, ainda são poucos os lugares que cumprem a lei de acessibilidade e que são realmente adaptados ao atendimento a deficientes físicos.
Adoro o Jardim Botânico. Depois que deixei de andar de vez (há 5 anos), só voltei lá uma vez e sinto saudade daquele paraíso. É muito bom ver a natureza, observar os bichos, mesmo bem de longe, olhar aquelas palmeiras. Dá uma sensação de liberdade e eu me esqueço que estou presa ao meu corpo.
Os eventos artísticos ao ar livre estão acontecendo e eu hoje queria ouvir música, mas coisas aconteceram que me impediram:
1 - Possibilidade de chuva. A meteorologia disse que ia cair um pé d’água, como caiu.
2 - Para eu ir ao Jardim Botânico, teria eu que contratar um serviço de táxi especial, que é mais caro que a tarifa normal. Se eu quisesse um táxi comum, dependeria da boa vontade de alguém pra me carregar no colo e me colocar no carro e ajeitar a cadeira numa mala grande, essas coisas. Os motoristas até fazem isso, mas uma boa parte se nega.
3 - Existem transportes coletivos adaptados que até passam perto da minha casa, mesmo demorando horas. Daí eu teria que me dirigir até o metrô de Vicente de Carvalho, que não possui rampas, só escada; teria que pedir para que dois guardas me levassem na cadeira até o vagão. A seguir, eu teria que ir até o Metrô de Botafogo (adaptado) e de lá pegar um ônibus adaptado que me deixasse no Jardim Botânico. Fora as horas perdidas e o sacrifício físico, eu teria ao meu lado mais duas pessoas cansadas. Não é pra qualquer um, não...
Vou deixar pra sábado que vem, quando Gilson Peranzzetta e Mauro Senise farão show com participação especial do guitarrista Leonardo Amuedo.
Tentarei armar um esquema para transporte para semana que vem. Se eu pedir táxi especial, somando o que gastarei com o pão de queijo da lachonete do Jardim Botânico (almoçarei aqui em casa mesmo...), empregada pra cuidar de mim e gastos dos meus ajudantes, vaõ se lá uns R$ 290,00.
O lazer e o show saem de graça para um cadeirante, mas para assisti-lo, pagarei bem caro...
Vejam nos links abaixo:
Carro adaptado
http://www.youtube.com/watch?v=opHzxCG4pEc&feature=related
Lei de da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida
Copiem os links em seus browsers
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5296.htm
Conheçam o saxista e flautista Mauro Senise
http://www.youtube.com/watch?v=dJPbAbpus50
Ouçam Senise com o pianista Gilson Peranzetta
http://www.youtube.com/watch?v=T1TwCbWtLpg
Márcia Garcês
Rio de Janeiro, 6 de novembro de 2010
http://www.marciagarces.recantodasletras.com.br
Fotos de Luiz Gonçalves Martins