A MANIPULAÇÃO DA RELATIVIDADE

Enquanto ser humano, dotado de cognição e órgãos dos sentidos, entendo que a "riqueza" duma sociedade certamente que não se mensura apenas pelo seu patrimônio material, fruto da sua atividade econômica, mas principalmente pelo desenvolvimento do seu potencial humanístico e consequentemente pela aceleração do seu patrimonio intelectual.

Este meu "pensamento-preâmbulo" me surgiu outro dia enquanto eu via uma reportagem muito interessante que procurava nos mostrar a dinâmica da "ascensão social" que os técnicos qualificam como a melhora das possibilidades de acesso aos bens de consumo e serviços que antes não permeavam a realidade social das faixas de população mais carentes.

Eu até que consegui compreender o que diziam ali, porém tive dúvidas reais, confesso.

Nossa economia de fato cresce, as pessoas consomem mais, compram mais, se endividam mais... porém o que tenho muita dificuldade de entender é qual seria a nossa referência de lastro dessa tão falada melhora social que deveria vincular a tão comemorada melhora econômica das pessoas com a real melhora de sua qualidade de vida.

Por exemplo: penso que o status econômico- financeiro do país e de seus cidadãos deveria crescer paralelamente ao seu discernimento quanto ao social do seu entorno e a sua inclusão nele. Ou não?

Os dados das pesquisas mostram que nosso analfabetismo, saneamento básico, coleta de lixo e mortalidade infantil ainda são deveras altos em todas a regiões do pais. faltam médicos e profissionais da saúde. Em épocas de eleições se percebe que todos os políticos sabem os problemas mas ninguém efetivamente TRABALHA soluções.

A falta de instrução ainda nos choca, mesmo que o critério de classificação do analfabetismo pareça entender ser de bom tamanho saber escrever o próprio nome. Seria isso?

Será que o simples índice de consumo fala por exemplo das condições de moradia e saneamento e risco de adoecimento da população mais carente?

Então vou ilustrar com o que vi lá na reportagem: uma família classe D que ascende na escala social, aumenta o seu poder de consumo, vinculado ao número de salários mínimos na casa com pais e três filhos trabalhando. Não se sabe se é na formalidade ou na informalidade.

Tal dado parece ser bobagem.

Na verdade comemoram porque estão com a moradia entupida de eletrodomésticos.

Todos os cômodos equipados com televisores LCD, nos quartos, na sala e na cozinha.

Têm automóvel, os filhos com curso superior e até já foram à Disney,a cumprir integralmente o sonho de consumo da classe média.

Depois do consumismo que os identifica com ascendentes na escala social, agora sim, perceberam que não têm casa própria.

A violência ronda o seu entorno, não era difícil perceber tal fato durante a reportagem.

Três famílias semelhantes nos foram mostradas pelo vídeo e a reportagem se encerrou tentando nos convencer de que aqueles índices usados para qualificar "tamanha" ascensão social são válidas para o COMEMORADO crescimento "SUSTENTÁVEL" do país.

Muito bem, estamos falando do quê, afinal? Apenas comprar significaria melhorar a BASE SOCIAL?

Nossas crianças estão cada vez mais despreparadas no que diz respeito à conteúdo de informação ,assiduidade nas escolas e visão do seu mundo!

O índice de evasão escolar é altíssimo. Há extrema dificuldade de aprendizado mesmo nas capitais como São Paulo.

A violência de hoje , disseminada por todos os lados e sem controle, impede muitas vezes que professores consigam trabalhar nas escolas públicas.

Prestam concursos, começam e logo desistem.

Por outro lado, a própria formação de professores, multiplicadores do saber, está demais prejudicada. Aonde queremos chegar enquanto nação?

Outro dia um amigo me dizia que uma jovem professora de português lhe preencheu um currículo com erros primários da nossa língua.

Seria pedir demais para que formássemos professores, esta peça fundamental de melhoria social, que de fato saibam ler e escrever, ou seria um sonho preconceituoso?

É importante saber ler e escrever por aqui...ou basta poder comprar e ser político?

Nossos jovens estão sem metas e sem sonhos!

Dizem que são o futuro do país. Qual será esse futuro?

Num trabalho comunitário outro dia lhes foi perguntado o quê gostariam de seguir profissionalmente como adultos.

Ninguém soube responder.Ouvia-se aqui e ali um remoto sonho de se jogar futebol ou de ser modelo feminino.

Uma inércia DA VONTADE que começa bem cedo pelo que pude perceber.

Enfim, todos dizem que melhoramos e confesso que me esforço para enxergar tal melhora, porque gostaria mesmo de ver um uma imensa luz no fim desse túnel longo, escuro e manipulado com maquiagens, no qual uma lanterninha não faz a menor diferença.

Infelizmente.

Para que os melhores vinhos fermentem, há que se buscar pelas melhores rolhas.

Por aqui se comemora a fictícia colheita da uvas antes mesmo de se adubar as parreiras...