SAMBA, PRAIA E TIROTEIO. O RIO DE JANEIRO CONTINUA O MESMO. E A HIPOCRISIA TAMBÉM

Recentemente tivemos mais um lamentável (e rotineiro) episódio envolvendo traficantes, policiais, tiroteio em plena luz do dia e sequestro de cidadãos na olímpica cidade do Rio de Janeiro. Traficantes, equipados com seus instrumentos de trabalho (fuzis, granadas, metralhadoras) voltavam de uma noitada de festa num sábado pela manhã, quando encontraram policiais que, por incrível que pareça, resolveram interceptá-los. Foi então que os donos da cidade, inconformados com tal atitude, decidiram mostrar sua força. O auge do episódio foi a invasão de um hotel 5 estrelas, primeiro por bandidos e depois por policiais. O duro era saber quem era quem, já que as duas partes usavam armamento semelhante e coletes à prova de balas. Os brasileiros que estavam no hotel, certamente escolados por tantos casos semelhantes, devem ter achado normal e, depois do susto, continuaram suas vidas. Os turistas estrangeiros, que ainda insistem em visitar o Rio com tantas opções melhores no mundo, talvez tenham imaginado que se tratava de alguma simulação. Seria um novo filme do "amigo" Stallone? Um treinamento da SWAT? Como de hábito, autoridades apareceram para dizer que foi um caso esporádico, que a situação está melhorando (prá quem?) e que o tráfico de drogas está sendo combatido com rigor. É impressionante como há décadas a conversa é a mesma. Durante todo esse tempo o que temos visto são tentativas de combate a apenas um dos lados do problema: o traficante. Autoridades, imprensa e público em geral exigem, indignados, que os bandidos sejam duramente reprimidos, que parem de aliciar nossos jovens, que a pena de morte é a solução, etc., etc., etc. Por que será que ninguém discute o papel do viciado nessa estória? Como em qualquer tipo de comércio, o tráfico de drogas (e o traficante) só existem porque do outro lado está um consumidor. Sem cliente, não há comércio. Não adianta prender, executar ou banir traficantes. Outros surgirão rapidamente. Enquanto existir o freguês, o comércio continuará existindo. Portanto, sob esse ponto de vista, o viciado é tão responsável pela violência quanto o traficante. Mas é sempre tratado como vítima. Muitos deles realmente o são porque atingem uma fase em que a droga funciona como um alimento. Já não trabalham, não estudam, abandonam (ou são abandonados) pela família. Para estes, que se tornam dependentes, a única alternativa é o tratamento de desintoxicação pelo tempo que for necessário com acompanhamento constante. Mas muitas outras "vítimas" sabem perfeitamente o que estão fazendo. Usam a droga para sair da rotina, para ter inspiração, para ficar "bem na fita" com os amigos. Mas continuam exercendo normalmente suas atividades, criando seus filhos e até praticando esportes. Não são dependentes, mas usuários. O que é bem diferente. Milhares são famosos. São cantores, atores, esportistas, modelos, empresários. Pessoas que participam de passeatas contra a violência, dão entrevistas mostrando sua indignação contra a falta de ação do estado e depois vão dar um "tapa" quando chegam em casa. No Brasil, o consumo de drogas é proibido. Os jogos de azar, também. Mas, ao contrário do jogador compulsivo, que é considerado infrator penal, o consumidor de drogas não pode ser preso. Sua conduta pode ser considerada no máximo um ato ilícito.O traficante, se for pego com uma pequena quantidade de drogas, pode alegar que é para consumo próprio e estará livre. É como se a polícia, ao invadir um cassino clandestino, só pudesse deter os donos das máquinas. Os jogadores seriam todos liberados. Mas para aqueles glamourosos usuários que curtem o barato das drogas nas festas, na TV ou nas reuniões com os amigos, o tratamento deveria ser diferente. Quem sabe uma detenção por um bom tempo? Que tal juntar na mesma cela o músico famoso e o galã das novelas, idolatrado pelas menininhas? Ou o craque da bola e o jornalista esportivo? Eles teriam direito a saídas especiais para acompanhar o enterro de pessoas atingidas por balas perdidas. Poderiam também visitar outras tantas que estão hospitalizadas ou condenadas a uma cadeira de rodas. Deveriam contribuir financeiramente para custear as despesas médicas e hospitalares que acabam sobrando para as famílias das vítimas e para o estado (ou seja, para todos nós). Mas enquanto vigorar a hipocrisia de considerarem todos os consumidores de drogas, indiscriminadamente, como vítimas, nada vai mudar. Eles vão continuar agindo como se não tivessem nada a ver com isto. No fim, as reais vítimas disso tudo não são eles, somos todos nós. Como o garoto que morreu na sala de aula, atingido por uma bala perdida. Ou todos os pedestres, motoristas, crianças, idosos que já se viram perdidos num tiroteio provocado pela guerra do narcotráfico. Não tem cabimento tanta violência para satisfazer àqueles que resolvem incrementar suas festinhas com um "pozinho legal". Ou que não tem coragem de subir num palco de cara limpa e precisam de uma ajuda "extra" nos bastidores para enfrentar o público. Mas infelizmente nada vai mudar. Todos eles vão continuar aparecendo nas revistas da moda, falando do sucesso de suas carreiras (sem trocadilho) e sendo paparicados pela mídia como se fossem grandes exemplos para o mundo. E o Rio de Janeiro vai continuar lindo, colorido, maravilhoso...nos devaneios das "viagens" protagonizadas por uma sociedade decadente. Pobre Cristo Redentor.