A SOLIDARIEDADE ACORRENTADA PELAS LEIS E PELA MÁ VONTADE

A SOLIDARIEDADE ACORRENTADA PELAS LEIS E PELA MÁ VONTADE

Nesse último sábado, andando por uma calçada, vi na minha frente uma mulher andando lentamente, de mãos dadas com uma criança de mais ou menos um ano e meio. Chegando perto, vi que ela chorava muito, balbuciando “ai Jesus, ai meu Deus”. Fiquei, por uns segundos, indecisa quanto a mudar de calçada, passar por ela ou perguntar se eu podia fazer algo por ela. Optei por perguntar. Quando ela se virou para mim, vi que estava grávida, de mais ou menos uns 7 meses. Aceitando minha ajuda, ela me disse que o “marido” dela – morador de rua (ela, o “marido”, o filho...) estava com a amante e que numa briga, bateu na tal mulher e estava preso na delegacia e que ela, a “esposa”, tinha uma cesárea marcada para segunda-feira (estava de nove meses) e não tinha com quem deixar o filho (isso, aos prantos). Fiquei penalizada. Pedi que ela tivesse calma, olhei para a criança, ofereci uma banana que eu tinha na bolsa. A mãe disse que ele ainda não havia comido nada até àquela hora (11.20h). Estava muito calor e eu sugeri tirar o casaco da criança – Nossa, o menino estava com cinco casacos de frio e duas ou três blusas; ela explicou que fazia muito frio a noite e como dormiam debaixo de uma árvore, ela colocava muitos casacos nele. Convidei a tal mãe desesperada para irmos até a padaria, onde ela poderia fazer um lanche enquanto conversávamos no caminho. O “marido” preso só sairia sob pagamento de fiança (R$1.000,00); ela não tinha um conhecido sequer, nem um parente. Tinha vindo da cidade de Irece, Bahia. Nem sabia como tinha vindo parar aqui. Dei alguns conselhos, inclusive para que ela voltasse para a terra dela, junto aos familiares. Ela disse que o CDS (Centro de Desenvolvimento Social) daria a passagem, desde que ela tivesse a certidão do filho – o que ela tinha conseguido na Delegacia, quando puxaram uma segunda via. Assim que ela tivesse o bebê, iria embora sim. Mostrou-me onde guardava suas coisas – num carinho de supermercado, debaixo de uma árvore. Fiquei muito comovida com a situação... Eles tomavam banho raramente (nem precisava dizer...), porque uma senhora de uma casa deixava que ela e o filho usassem o banheiro uma vez por mês. As vezes comiam, outras não. Enfim, deixe-os comendo na padaria, não sem antes dar meu telefone e prometer que eu ficaria com o filho dela.

Mas ao chegar em casa, lembrei-me de que eu trabalho! Não tenho empregada doméstica! Como cuidar de uma criança? Entrei numa espécie de pânico. E comecei a “correr atrás” de informações para resolver a situação; passei a tarde toda ligando para Centro de Desenvolvimento Social - não trabalham aos sábados; Casa do Menor Carente – ninguém atende; Direitos Humanos – só gravação; Casa Abrigo – não atendem; Conselho tutelar – não atendem; Vara da Infância e da Juventude - não atendem. Por fim, já quase noite, peguei o metrô e fui à Delegacia de Mulheres. Após relatar o fato, o atendente disse que realmente não tinha nenhum órgão que ficaria com a criança. Sugeriu que eu ligasse para o SOS, o que fiz de lá mesmo. Mais uma vez relatei o caso e fui informada de que eles não poderiam fazer nada. Uma atendente da Delegacia, talvez a única que teve uma boa vontade mais acentuada, ligou para um abrigo em Taguatinga e fomos informadas que se a mãe fosse junto para autorizar, eles ficariam com a criança por uns quatro dias – o tempo da mãe fazer a cesárea e ter alta.

Fiquei mais aliviada, porém precisava dar a notícia à mãe, já que na segunda-feira ela iria me procurar na certeza de que eu ficaria com o filho dela. Assim, no domingo, por volta de meio-dia, voltei ao local onde eu a havia encontrado, andei pelas redondezas e não achei. Voltei as 16.00h, andei novamente e não achei. Fui até a Delegacia para pegar informações quanto ao fato de ficar com a criança por alguns dias e...o policial foi categórico : - “De jeito nenhum”. Resumindo, ninguém podia ficar com a criança exceto os pais ou alguém que tivesse posse e guarda expedida pelo juiz. Não tem nenhum órgão que dê proteção à criança, exceto ela sofresse violência. Enfim, não havia como ajudá-la.

Aguardei, então, que ela me procurasse na segunda-feira, o que não aconteceu. Liguei então no hospital onde a moça disse que faria a cesárea e, ao dar o nem dela, tive a seguinte informação: Ela foi internada pela manhã, mas perdeu o bebê (que para minha surpresa, tinha menos de dois meses)...achei muito estranho. Então sai do meu trabalho, peguei o Metrô e fui no Hospital. Lá, depois de uns 10 minutos esperando aparecer alguém para me atender, a pessoa disse que não podia me ajudar, que eu falasse com o Guarda (sentado na porta). Aqui em Brasília, nos Hospitais públicos, os guardas/vigilantes só faltam fazer o atendimento médico. Ele disse que eu não poderia entrar, mas chamaria uma enfermeira. Vindo a enfermeira, conto toda a história e ela, pouco ou nada simpática, disse que iria verificar. Voltou dizendo que uma pessoa com aquele nome já tinha sido internada, mas que já havia tido alta e que nem estava grávida. Virou as costas e saiu. Bom, eu vi com meus olhos o tamanho da barriga daquela mulher. Não podia ser ela. Resolvi ligar de novo, no fim da tarde, no Hospital e perguntar por ela...Foi quando descobri que a pessoa que está lá tem o mesmo nome, porém um sobrenome a mais.

Hoje, já terça-feira, estou ligando nos hospitais públicos em busca dela, mas não encontro. Encontro apenas má vontade, profissionais despreparados, pessoas sem educação, desinteresse, falta de boa vontade, etc. A noite, liguei para SAMU e para o Corpo de Bombeiros, e não havia qualquer registro em nome da tal mulher.

Enfim, relato essa estória com intuito de colocar para fora a minha indignação de ver o quanto falta para que o nosso País seja merecedor do título “Coração do Mundo, Pátria do Evangelho”.

Talvez a moça grávida e seu filhinho de menos de dois anos tenham morrido de frio, doença, fome, assassinato. Talvez ela tenha tido o filho sozinha, debaixo de qualquer árvore. E o glorioso chamado “Direitos Humanos” talvez sirva apenas para os bandidos que estão nas cadeias, para os traficantes que levam tiro, para os motoristas bêbados que atropelam as pessoas, entre outros mais, exceto para àqueles que fazem jus por merecê-los!

Seja como for, o que importa? Não estamos todos com as nossas consciências resguardadas pelas leis?

Bem, para muitos (e muitos mesmo) as leis dos homens são empecilhos para que se tenha o tal amor ao próximo. Mas as Leis de Deus, que são as verdadeiras Leis, cobrarão a ausência da solidariedade.

Estamos acorrentados sim! Principalmente por nossa ignorância, nossa falta de educação, nosso egoísmo, por nossos medos, pela nossa covardia.

Ainda falta muito...muito mesmo.

Mira Dias

Ago/2010

Mira Dias
Enviado por Mira Dias em 11/08/2010
Código do texto: T2431628
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