Discussão teórica a respeito do que são deficiências
Segundo Rulli Neto (2002) o termo deficientia vem do latim para o português, significando falta, carência, insuficiência.
O artigo 3º do decreto número 3298 de 20 de dezembro de 1999 conceitua deficiência como sendo toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano.
O mesmo artigo conceitua como deficiência permanente aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos.
Para Ferreira Silva (1995 apud RULLI NETO, 2002) pessoas com deficiência são aquelas que por motivos físicos ou mentais se encontram em situação de inferioridade em relação aos demais.
Esse conceito, no entanto, não consegue abarcar a realidade, uma vez que as pessoas com deficiência são aquelas que se encontram em situação de inferioridade em relação aos demais não apenas por razões físicas ou mentais, mas também e principalmente por razões econômicas, políticas, sociais e culturais.
Dizer que as pessoas com deficiência se encontram em situação de inferioridade em relação aos demais apenas por razões físicas ou mentais é colocar na deficiência o “centro” da exclusão social que sofre essas pessoas, é culpabilizar as pessoas com deficiência pela situação de inferioridade em que se encontram. Esse, porém, não é de forma alguma, o objetivo de nosso trabalho.
Ainda no âmbito das definições, o Decreto número 3298 conceitua incapacidade como uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa com deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida.
O mesmo Decreto cita cinco categorias de deficiências:
1) Deficiência física: alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia,amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções; (Redação dada pelo Decreto N° 5.296, de 2004).
2) Deficiência auditiva: perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (db) ou mais, aferida por audíograma nas freqüências de 500HZ, 1000HZ, 2000HZ, e 3000 HZ; (Redação dada pelo Decreto n° 5.296, de 2004).
3) Deficiência Visual: cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os lhos for igual ou menor que 60°; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores; (Redação dada pelo Decreto n° 5.296, de 2004).
4) Deficiência mental: funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:
a)comunicação;
b)cuidado pessoal;
c)habilidades sociais;
d)utilização dos recursos da comunidade;
e)saúde e segurança;
f)habilidades acadêmicas;
g)lazer; e
h)trabalho.
5) Deficiência múltipla: associação de duas ou mais deficiências.
Segundo Rulli Neto (2002) as formas de deficiências podem estar além daquilo que se pode definir; mas como previsão constitucional, independente de detalhes, todas as pessoas com deficiência (pelo menos em tese) deveriam estar protegidas.
Um ponto importante que devemos destacar, é que a pessoa com deficiência se encontrada prejudicada em sua vida social em razão de sua incapacidade, mas não necessariamente impedida.
“Isso porque estar prejudicado para determinada atividade ou tarefa não significa estar impedido. Se estou prejudicado, ainda posso realizá-la. Se estou impedido, jamais. A diferença é fundamental” (RIBAS, 1996, p. 27).
Outro ponto importante que destacamos é a diferença entre doença e deficiência, ou seja doença é uma coisa e a deficiência (física, mental ou sensorial) é outra coisa. Vejamos as contribuições que Ribas (1996, p.23) nos traz:
Doença é um processo contínuo. Deficiência é um estado transitório ou permanente. Doença é algo que está em constante progressão. Deficiência é algo imutável na sua limitação. Uma pessoa doente não é necessariamente uma pessoa portadora de deficiência. E uma pessoa portadora de deficiência quase nunca é uma pessoa doente. Uma criança alérgica, por exemplo, é uma criança doente (ainda que tenha uma leve doença), mas isso não quer dizer que ela tenha uma deficiência. Um adolescente paraplégico, por exemplo, é um garoto deficiente, mas não tem nada para ser doente.
Ribas (1996) aponta ainda para o perigo de ao misturarmos os termos doença e deficiência, acabarmos por acreditar que todas as pessoas são iguais e então passarmos a negar a singularidade e a especificidade de cada ser humano.
Em um contexto social onde a desigualdade, a intolerância ao diferente e a desumanização (expressa na miséria de muitos e na riqueza de poucos) se fazem presentes, a deficiência humana não pode deixar de ser analisada desvinculada desse contexto, uma vez que a miséria e a pobreza, além de serem geradoras de deficiências, são também complicadoras destas, na medida que as situações concretas de vida podem trazer prejuízos biopsicosociais para as pessoas com deficiência, representando, muitas vezes, até risco de morte para o sujeito com deficiência.
Nesta perspectiva, a relação deficiência/pobreza é estreita, uma vez que: “[...] a pobreza deve ser vista como privação de capacidades básicas em vez de meramente como baixo nível de renda, que é o tradicional critério de identificação da pobreza”. (SEN, 2000, p.109).
Sendo a deficiência intimamente ligada a condição de vida da pessoa em todos os aspectos (quais sejam: sociais, econômicos, políticos, culturais, etc.), ressaltamos a importância de enxergarmos as deficiências como expressões da questão social.
No Brasil, conforme nos informa Ribas (1985), a deficiência nos leva de chofre para a questão social. Nós somos considerados “um país em desenvolvimento” (Terceiro Mundo). E, como afirma a Rehabilitation International (entidade internacional de reabilitação, com sede em Nova York), os deficientes do Terceiro Mundo são gente para quem as únicas condições de vida são a pobreza, a fome, a ignorância, a miséria e a falta de perspectiva.
De fato, aqui no Brasil grande parte da população é subnutrida, o que leva à carência dos mais diversos tipos de proteínas, calorias, imprescindíveis para o organismo e para a geração de filhos sadios “[...] os que moram nas zonas rurais mais pobres e nas favelas e cortiços urbanos não têm acesso constante e adequado aos serviços de saúde e assistência. Falta educação, falta preparo profissional, falta saneamento básico, falta informação, falta perspectiva de vida.” (RIBAS, 1985, p.40-41).
Segundo dados consultados na Política Nacional de Assistência social (BRASIL, 2004), o Brasil possuía em 2000 aproximadamente 24,6 milhões de pessoas com alguma deficiência, correspondendo a 14,48% do total da população. A região Nordeste possuía a maior porcentagem de pessoas com deficiência, 16,8 %. O Sudeste, a menor, 13,06%.
Considerando as deficiências em geral, sua incidência está mais associada aos ciclos de vida, enquanto as incapacidades, as doenças mentais, paraplegias e as mutilações estão mais relacionadas aos problemas de nascença, acidentes e violência urbana, mais prevalente entre os homens jovens (BRASIL, 2004).
Ainda conforme a Política Nacional de Assistência Social em 2000; 32,02% da população estava abaixo da linha de pobreza, ou seja tinham rendimento familiar per capita inferior a ½ salário mínimo. Entre as pessoas com deficiência, 29,05% estavam abaixo da linha da pobreza.
Percebemos que entre as pessoas com deficiência a taxa de pobreza é inferior à da população total. Isso se deve provavelmente ao Benefício de Prestação Continuada. No entanto, esse número de pessoas com deficiência abaixo da linha de pobreza é preocupante, na medida que mostra que a política pública de assistência social ainda não tem conseguido garantir nem sequer o mínimo para a sobrevivência dessas pessoas.
Referências
MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME. Secretaria Nacional de Assistência Social. Política Nacional de Assistência Social. Brasília, DF: 2004.
RIBAS, João Baptista Cintra. As pessoas portadoras de deficiência na sociedade brasileira. Brasília, DF: CORDE, 1997.
______. O que são pessoas deficientes. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1985.
______. Viva a diferença: convivendo com nossas restrições ou deficiências. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1996.
______. Preconceito contra as pessoas com deficiência: as relações que travamos com o mundo. São Paulo: Cortez, 2007.
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.