Refletindo sobre as origens das deficiências
As origens das deficiências estão inteiramente relacionadas com a questão social (desigualdades resultantes da relação capital/trabalho). E sendo as deficiências expressões dessa questão social não podem (e nem devem) serem vistas apenas como disfunções genéticas ou como resultados casuais de acidentes.
As deficiências estão diretamente relacionadas, em sua maioria, a aspectos econômicos, políticos e sócio-culturais. Mesmo as deficiências de origem biológica não podem ser interpretadas à luz apenas da genética, uma vez que não estão livres da influência e do condicionamento sócio-econômico-político e cultural.
As deficiências estão estritamente ligadas a condições precárias de vida. A miséria, a fome, a desnutrição e a não informação a respeito de prevenções estão intimamente próximas das deficiências.
Antes de mais nada, esclarecemos que muito mais do que dividida entre pessoas que têm ou não deficiências, nossa sociedade se encontra dividida entre aqueles que são proprietários dos meios de produção e aqueles que têm apenas a força de trabalho (e que para sobreviverem vendem sua força de trabalho aos detentores do capital). Sendo assim, as relações econômicas que se estabelecem em nosso contexto social são relações fundadas na exploração de uma maioria desafortunada por uns poucos privilegiados.
Atualmente a questão social vem ganhando novas configurações como diminuição do emprego formal e proliferação do trabalho informal (o que implica na ausência de proteção social), precarização nas condições de trabalho, produção de um excedente de pessoas que ficam a margem do trabalho (o que ocorre devido à intensa mecanização da produção), produção e reprodução da miséria (e da pobreza), aumento da concentração de riquezas nas mãos de uns poucos, entre outras.
O cerne da questão social sempre foi a divisão da sociedade em duas classes: a burguesia e o proletariado. Atualmente, com o desmonte sofrido no mundo do trabalho estamos presenciando cada vez mais a diminuição do emprego com carteira assinada e, por conseguinte o aumento do trabalho precário, informal. Sendo assim, cresce cada vez mais a massa populacional que muitas vezes se encontra excluída até mesmo do direito mais elementar que é o direito a viver com qualidade de vida. Ou seja, ao mesmo tempo em que presenciamos a globalização das riquezas nas mãos de uns poucos, notamos também em contraposição a globalização da miséria e das desigualdades sociais.
A globalização trouxe em seu bojo inovações tecnológicas no campo das informações e comunicações proporcionando dois processos que se encontram em contínuo avanço: A concentração de renda e acumulação de capital de um lado e de outro a precarização do trabalho que por sua vez leva ao aumento da exclusão social. E na mesma medida que notamos uma evolução nas formas de comunicação, percebemos também uma evolução nos instrumentos de exclusão.
Neste contexto, a exclusão vem adquirindo dimensões tão grandes a ponto de podermos falar em fragmentação da classe subalterna que implica no surgimento de vários segmentos de pessoas que não tem condições de inserção no sistema produtivo nem mesmo como trabalhadores explorados, ficando, portanto, a margem do sistema. São os chamados miseráveis, excluídos, marginalizados, entre outros.
Da assertiva acima concluímos que a flexiblilidade no mundo do trabalho proporcionou e continua proporcionando o surgimento das chamadas sub-classes que têm como característica principal o fato de terem expropriado o seu direito a vida. Essas sub-classes vivenciam a cada dia variados processos de exclusão e quando são incluídas no sistema são por meio de políticas residuais que não conseguem garantir nem sequer os mínimos sociais quanto mais o direito a cidadania.
Essa discussão sobre desigualdades sociais é importante, na medida em que a maioria das pessoas com deficiência localiza-se na classe subalterna, isso porque segundo Ribas (1985, p.81):
A população mais pobre está mais sujeita à carência de alimentação mínima necessária, à falta de higiene, à moradia em habitações precárias, à falta de saneamento básico, aos acidentes de trabalho e, portanto, mais exposta a doenças, contaminações e acidentes que podem trazer como conseqüência o nascimento de crianças deficientes ou à aquisição de deficiência.
Quanto à origem, as deficiências podem ser divididas em pré-natal (em que se incluem as congênitas), peri-natal e pós-natal. Quanto à primeira origem, após a concepção, o embrião leva três meses para se formar definitivamente, sendo que é nesta época de formação que podem ocorrer às malformações. Aqui podemos citar dois condicionantes: doença da mãe ou do feto, ou distúrbios genéticos (RIBAS, 1985).
A doença contraída pela mãe (como sífilis, toxoplasmose, rubéola, entre outras) pode ser transmitida para o bebê em seu ventre, acarretando malformação. Existem casos em que a mãe já possui a doença, mas não sabe devido a não existência de sintomas, porém a doença está sendo transmitida ao filho e este pode nascer com alguma deficiência (RIBAS, 1985).
A ingestão de drogas também pode ser responsável por malformações, sendo, portanto desaconselhável a qualquer mulher grávida tomar qualquer tipo de remédio sem a devida orientação médica. Existem ainda os efeitos da radiação. O Raio-X, pode vir a acarretar malformações no embrião, o que pode gerar o nascimento de um bebê com deficiência. É por isso que mulheres grávidas não devem tirar radiografias.
Dentro das malformações de origem pré-natal, encontramos também os distúrbios genéticos (ou alterações) que se referem à carga genética transmitida hereditariamente ao feto. O feto pode adquirir um gene deletério (degenerado) da parte da família do pai ou da família da mãe, o que interferirá na sua constituição podendo nascer crianças com Síndrome de Down, surdez, cegueira, hidrocefalia, microcefalia, etc.(RIBAS, 1985).
Mas as deficiências não se originam apenas durante a gestação. Elas têm também origem peri (durante o nascimento) ou pós-natal (depois do nascimento), são as chamadas deficiências adquiridas. Podem ocorrer por acidentes ou doenças infecciosas que geram seqüelas como a varíola, a meningite, o sarampo, a hanseníase, entre outros.
As deficiências adquiridas podem ainda ter origem nos acidentes de parto, de trabalho, de trânsito etc. Em geral, a paralisia cerebral e a epilepsia, por exemplo, são deficiências ocorridas devido a um acidente no momento do parto. Um acidente de automóvel pode fazer deslocar alguma vértebra da coluna vertebral, atingindo a medula espinhal, trazendo a paraplegia ou até a tetraplegia. Um acidente de trabalho, o qual pelo menos aqui no Brasil é muito freqüente, pode ocasionar uma amputação ou uma doença grave que traga algum tipo de seqüela (RIBAS, 1985, p.29).
Referências
RIBAS, João Baptista Cintra. As pessoas portadoras de deficiência na sociedade brasileira. Brasília, DF: CORDE, 1997.
______. O que são pessoas deficientes. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1985.
______. Viva a diferença: convivendo com nossas restrições ou deficiências. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1996.
______. Preconceito contra as pessoas com deficiência: as relações que travamos com o mundo. São Paulo: Cortez, 2007.