DIÁRIOS ABERTOS

Para quem é de fora do Paraná, ontem aconteceram por aqui (em 13 cidades) manifestações populares contra a corrupção que assola, há anos, a Assembléia Legislativa do estado. E eu fui a uma delas, aqui em Curitiba. O artigo de hoje é sobre isso.

“O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons.” (Martin Luther King)

Não me importa quem organizava a manifestação, eu saí de casa para exercer a minha vontade de expressão. Não importa quem discursaria, eu saí de casa – sob cortante frio – para me posicionar perante a roubalheira que acontece há anos na Assembléia Legislativa do Paraná. Não importa se a Boca Maldita (tradicional ponto de protestos em Curitiba) estaria cheia ou vazia, eu fui por mim. Não importa se veria muitas bandeiras de organizações sindicais; se teria por lá apenas estudantes com batuques e cânticos decoradinhos; se políticos discursariam; se haveria santinhos distribuídos, ou se, no fundo, ignoro as reais (sejam quais forem) intenções da OAB ou dos veículos de comunicação organizadores do evento – eu fui porque precisava fazer alguma coisa. Nem que isso só servisse para aplacar a minha garganta, que já doía por se manter tanto tempo calada. Queria parar de sentir essa dor originada pelo entrave, causada por apenas conseguir sussurrar minhas indignações entre amigos e famílias.

E confesso que, para minha surpresa e felicidade, lá não vi escancaradas declarações partidárias (afinal, apenas sete deputados paranaenses apoiaram a manifestação – o resto calou-se). Vi, sim, discursos pela ética, democracia e transparência. Se sobre aquele palanque havia hipócritas inescrupulosos discursando, não sei. Não fui lá por estes supostos, fui por mim. Fui pelos impostos que eu e toda a minha família sempre pagamos. Fui para, pelo menos, deixar evidente que não admito ver o dinheiro público ser abarcado pelo ralo da corrupção. Poderia fazer isso sozinho? Sim, poderia. Poderia, por conta própria, escrever meia-dúzia de palavras de ordem num pedaço de papelão e ir para a frente da Assembléia... mas faria alguma diferença? Poderia também assinar esses abaixo-assinados que circulam pela Internet. Já seria alguma coisa. Mas eu precisava de algo físico. Necessitava sentir sobre a pele arrepiada que fiz a minha parte.

E acredito que as milhares de pessoas, com os dentes batendo de frio, que saíram de suas casas e foram à rua também não o fizeram por este ou aquele. Não o fizeram por que esta ou aquela rede de comunicação pediu. Não o fizeram por que o arcebispo de Curitiba conclamou. Fizeram por si. Fizeram porque cansaram de falar que este país nunca protesta, nunca faz nada, sempre se cala. Vira-e-mexe, aplaudimos os argentinos por sua gana e consciência política. Pois nesta terça-feira, na Boca Maldita, em Curitiba, cada pessoa lá presente o fez porque deveria estar – com o perdão da palavra – de saco cheio de sentir-se de mãos atadas. E, na primeira oportunidade, decidiram sair e gritar – todas juntas – basta!

Portanto, não me importa quem estava no palanque. Falarei, sim, de quem vi na platéia. Vi as filhas dedicadas, indignadas e atuantes do seu Oscar: a dona Inês, minha mãe, e minhas tias Celina, Terezinha e Ester (que viveram sob ditadura e sabem, muito melhor do que eu, o valor de um protesto). Vi muitas e muitas pessoas de cabelos brancos, vi gente bem vestida, vi gente humilde, vi jovens, vi profissionais liberais, vi mulheres de salto alto, vi vovozinhos e vovozinhas com narizes de palhaço, vi engravatados, vi protestantes bem-humorados fantasiados de fantasmas, vi empregados, patrões, trabalhadores, vi famílias, vi professores, eu vi o povo.

E parafraseando um jurista (perdão, não lembro o nome no momento) que estava no palco: Nélson Justus (Presidente da Assembléia Legislativa Estadual), essa cadeira não é sua; essa cadeira é nossa. O senhor não é dono do seu mandato; o seu mandato é do povo do Paraná. O senhor não tem o direito de trair o seu mandato. O senhor – e todos os envolvidos – devem acatar a vontade daqueles que representam. Os senhores não podem, sob pretexto algum, achar que a casa em que trabalham lhes pertence. Muito menos usurpar, impunes, o erário público sob a proteção do poder – protegido por leis antigas e canalhas – que lhes foi atribuído.

Não sou ingênuo e, portanto, acredito que havia interesses envoltos na organização desta manifestação. Mas assim é a sociedade e, consequentemente, a política (sua fórmula de organização): movidas por interesses. Essa é a essência de ambas. Esse é o jogo da democracia. Todavia, há limites éticos para essa troca: e a honestidade e transparência nos Três Poderes são alguns deles. Mobilizar a sociedade abertamente preservando o livre-arbítrio para uma reivindicação, seja lá de qual lado você esteja e qual interesse representa, é legítimo. Já meter a mão no pote público, apunhalando a confiança depositada pela população mediante voto, é inaceitável, é caso de polícia. Simples assim.