Encontros versus Desencontros

Prólogo:

Dentre os desencontros entre os que se gostam a falta de diálogo é um vilão macabro! Grande parte dos casais brasileiros não conversa sobre dinheiro. A afirmação foi feita pela psicóloga Cleide Maria Guimarães, durante a palestra sob o tema "Novos e Velhos Modelos Financeiros" para jovens casais, concedida na edição de São Paulo da Expo Money.

Baseada em sua tese de mestrado, para a qual entrevistou dezenas de casais com 25 a 35 anos, com nível superior completo, sem filhos e com união formalizada, a psicóloga declarou que grande parte dos casais deixa as finanças abalarem a relação, porque não consegue manter um diálogo claro e aberto sobre dinheiro.

"Muitas vezes as pessoas não sabem nem o que seus cônjuges esperam com relação ao dinheiro. Muitos casais me procuram e depois de um teste simples ficam surpresos ao descobrir que o parceiro sonha com um carro novo e a parceira prefere investir num plano de previdência", conta Cleide.

HÁ CONVIVENTES, CASAIS OU ASSEMELHADOS QUE ASSOCIAM DINHEIRO A PODER

De acordo com a psicóloga, a forma com que cada uma das pessoas lida com o dinheiro é uma herança da família da qual vieram. "Cada membro do casal possui uma idéia com relação ao dinheiro que vem da forma como os seus pais tratavam o assunto. Se os pais brigavam muito por isso, pode ser que a pessoa não goste muito de gastar ou associe dinheiro a poder.

Já os que não tinham problemas na infância, provavelmente gastarão mais. Por isso, é importante saber quais são as ideias que seu parceiro herdou antes da união civil".

Ela explica ainda que, em razão das mensagens recebidas pela família, homens e mulheres gastam dinheiro de forma diferente. Isso é uma grande verdade. Homens gostam de futebol, armas, munições, carros, motos, montanhismo (alpinismo), caça, pesca, aventuras outras.

"Mulheres, são criadas para cuidar dos outros e por isso acabam gastando mais com coisas da casa ou para o bem da família. Muitas se sentem até culpadas em comprar algo pessoal, pois sentem que estão tirando um dinheiro que podia ser gasto para o bem-estar de todos. “Enquanto os homens gastam mais com carros e educação”, explica.

"Além disso, para haver harmonia entre o casal, é preciso que um aprenda lidar com os desejos de consumo do outro e isso não é fácil", conta a psicóloga Cleide Maria Guimarães.

HÁ CASAIS QUE NÃO CONFIAM TER CONTA BANCÁRIA CONJUNTA

Aqui cabe uma história real. Aconteceu em 1992, quando eu era estudante de Ciências Jurídicas e Sociais na Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.

A tarde estava quente. O tempo não se mostrava amigável. A Vila Militar, destinada para a moradia dos oficiais e graduados, com poucas árvores e apenas quatorze casas (eu residia na casa nº 14), parecia um caldeirão fumegante, impróprio para forniziar no interior das residências fortemente estucadas.

Explico que havia quatro casas designadas como residências para os oficiais, sendo a nº 1 para o excelentíssimo senhor comandante.

Na modorra do após almoço eu assistia a um programa na TV, no quarto que tremeluzia variando do brilho tênue ao fosco raro. Toc... Toc... Toc... O soar tímido no vidro da janela contígua à porta principal não deixava dúvidas.

Alguém queria falar comigo, com a Fátima, com o Júnior ou o Walter, ou com minha doce filha Fabianne, pré-adolescente (11 anos) à época, por saber que ela passava a maior parte do dia naquele compartimento da casa (quarto dela).

Abri a janela e a senhora Mercedes, viúva recente do Subtenente Gonçalves, com um olhar de assombro disse, quase sem abrir a boca (entredentes):

“Desculpe-me. Posso falar com o senhor por um momento...”.

Juro que pensei em dizer que já estávamos conversando (sempre brinquei desse modo), mas devido o rosto compungido e de espanto da senhora quinquagenária limitei-me, soturno, a convidá-la para entrar.

– Como o senhor sabe o meu marido faleceu faz pouco tempo e eu recebi, entre outras correspondências, um extrato bancário da Caixa Econômica Federal em nome dele. Mostrou-me.

Ao ver o extrato quase gritei. O sobressalto foi pela quantia (saldo) depositada em uma poupança a disposição do finado. Tratava-se de uma verdadeira fortuna! Algo em torno de duzentos e quarenta vezes ou mais o que ganhava por mês um Subtenente.

A conta poupança fora aberta (à época ele era Soldado ou Cabo) há mais de vinte anos! O militar recém-falecido, certamente, apenas depositava e NUNCA fizera uma retirada (saque). Não pagava aluguel. Tinha apenas um filho que não lhe dava despesas porque era Capitão e já estava casado.

O desencarnado Subtenente Gonçalves vivenciava uma vida simplória, nada social e suas despesas eram mínimas. A esposa, senhora Mercedes, distinta e demasiadamente séria, também tinha salário certo. Concursada, era professora do Estado.

Provavelmente o Subtenete, excelente profissional, respeitador e pessoa simples, depositava nessa bendita conta poupança algo em torno de 60% (sessenta por cento) ou mais do total de seus vencimentos.

Embora eu não fosse, ainda, advogado a viúva queria a minha ajuda, orientação, ou um parecer sobre o que deveria fazer para retirar a quantia bloqueada. Ela sabia que eu cursava a UFRJ. Essa conquista foi sofrida (estudei, estudava e ainda estudo muito) para exercer com dignidade a advocacia.

– Se a senhora tinha conta conjunta com o falecido tudo será muito rápido e fácil. Munida de seus documentos pessoais, inclusive certidão de casamento, certidão de óbito do falecido e este extrato bancário vá até a CEF e faça uma boa aplicação dessa fortuna. Quando for ao Banco convide seu filho, Capitão Rogério, para ir junto e assessorá-la nesse sentido. Orientei-a comovido.

Muito pálida e debulhando-se em pranto lamentoso a senhora Mercedes disse que já fora ao Banco e levara o atestado de óbito, mas o gerente disse que, por não ter conta conjunta com o falecido, ela só poderia levantar e tomar posse do dinheiro mediante um Alvará Judicial.

Ora, o gerente estava corretíssimo! É ai que entra a questão. Qualquer estagiário de Ciências Jurídicas e Sociais (Direito) sabe que é assim que funciona para quaisquer importâncias, contas correntes, poupanças, FGTS, PIS/PASEP, resíduos salariais, precatórios, etc., por menores ou maiores que sejam, quando depositadas em contas bancárias, cujo titular da conta está (estiver) impossibilitado de fazer a retirada.

A confecção de um Alvará Judicial é trabalho para um advogado que sem pestanejar cobrará honorários de 20% (vinte por cento) do valor a ser levantado. Um exemplo: Se o valor a ser liberado for de R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais) o nobre advogado ganhará R$ 160.000,00 (cento e sessenta mil reais). Beleza! Não?

Nada mal para um trabalho fácil e rápido (cerca de dez minutos) para elaborar um pedido de liberação da importância bloqueada por uma instituição bancária.

Elaboradas procuração e petição faz-se a distribuição, anexando os documentos pertinentes, e após algum tempo um juiz de uma Vara Cível ordenará, por despacho, à escrivania que procederá a expedição do competente Alvará para a liberação do “quantum” consignado, e seus acessórios (juros e correção monetária), se porventura existirem.

É oportuno lembrar, talvez desnecessário escrever, que a importância que se encontra na conta corrente ou poupança do falecido passará, assim como todos os seus (dele) bens, desde a data de seu falecimento, a fazer parte do espólio (Conjunto de bens deixados por alguém que morreu) e como tal deverá ser arrolado no inventário a ser partilhado entre os herdeiros. E haja tempo e burocracia pelas vias tortuosas da justiça.

A psicóloga Cleide Maria Guimarães afirma que, quando um casal que não tem harmonia financeira possui uma conta conjunta, a situação pode ficar complicada.

"Na conta conjunta cada gasto fica registrado. O marido sabe quanto a mulher gastou em sua última ida ao shopping e ela sabe quanto ele gastou no bar com os amigos. Se não houver maturidade, a conta pode ser um fator complicador".

No entanto, Cleide acredita que optar por contas separadas é opção de casais que não vivem uma relação sólida. "Casais que moram junto, mas não unem sua renda, mostram que também não são unidos na relação.

Essa coisa de o que é meu é meu e o que é seu é seu revela que as pessoas não estão preparadas para dividir as coisas e não estão disponíveis para ajudar o outro. Já tive clientes que emprestavam dinheiro para suas mulheres e faziam elas assinarem um recibo com a promessa da devolução daquele valor".

A psicóloga alerta ainda para outro fator que pode acabar, danificar o casamento. "Algumas pessoas, sejam homens ou mulheres, utilizam o dinheiro como poder. Quando estão casadas, elas até possuem uma conta conjunta, mas fazem questão de lembrar que depositaram mais dinheiro na conta do que o outro. Isso não é saudável, porque cria situações de opressão dentro do relacionamento", explica.

"A qualidade da relação influencia muito a forma como o casal lida com o dinheiro. Casais que se dão bem se ajudam financeiramente, mas casais com muitas diferenças tentam se punir por meio do dinheiro. A solução é tentar manter a independência financeira, mas sempre incluir e solicitar ajuda do outro na hora de definir o destino que será dado ao dinheiro", garante.

MINHA CONCLUSÃO:

Na história real exemplo que narrei – troquei os nomes dos personagens – o falecido Subtenente causou, sem contar os trâmites desgastantes, penosos e burocráticos característicos da justiça brasileira, um prejuízo à família de no mínimo 20% (vinte por cento) da importância amealhada com o sacrifício do próprio lazer quando NÃO FEZ sua (dele) poupança junto com a digníssima esposa!

Há mais de vinte anos ele mantinha essa conta poupança em segredo e há mais de vinte e cinco anos convivia com a mesma mulher! Ele pensou que era imortal? Ele não confiava na companheira?

Alerto sem medo de errar: É preciso conversar! Sem diálogo as relações interpessoais vão de água abaixo. O fazer de conta, fechando as portas ao diálogo, NÃO É BOM para a solidez da família, para a composição dos anseios, para a consecução de propósitos edificantes.

Atenção! Defendo com unhas e dentes a privacidade nas correspondências, nos “e-mails”, nas ligações telefônicas. Entendo NÃO SEREM corretas as escutas clandestinas, por meio de extensões ou outros dispositivos, ou mesmo que um ou outro dos casais atenda ao celular que não lhe pertença, cheire peças de roupas, remexa em bolsos ou bolsas, ou que abra correspondências eletrônicas ou escritas dos seus parceiros sem a devida autorização.

Isto não é confiança. É despreparo social! É fraqueza e insegurança extremada! É atraso existencial! É desrespeito! É disposição de espírito ou condição de quem não confia nos outros, e, à luz da lei, é crime (ART. 5º, XII, CF/88)!

Essas atitudes abjetas ou comportamentos mesquinhos podem ser comparados à promiscuidade, igual à esposa que se encontra no toalete, fazendo sua higiene íntima, e o marido (companheiro, amante, noivo, namorado, amigo) resolve permanecer escovando os dentes, ou mesmo de bobeira, sem nada fazer, no mesmo ambiente.

Extremista? Eu? Não! Talvez um pouco conservador. Ressalvo que sou a favor do banho a dois (é ótimo!). É nessa brincadeira, entre os que se gostam, que se incendeiam os ânimos para se afoguear a libido (energia vital) há algum tempo adormecida.

Todavia, para a verdadeira harmonia do casal é necessário aprender a respeitar os espaços individuais, lidar não apenas com os desejos de consumo do outro, mas, sobretudo, aprender a trabalhar a tolerância aceitando, sem rancores, indignações, mágoas ou ressentimentos os defeitos, limitações, birra, irascibilidade de cada um.