O Tempo da discussão jurídica!

Segundo dados estatísticos do S.T. J., existem, aproximadamente, cerca de 75 milhões de processos em trâmite no país. Um a cada três brasileiros está sendo processado ou processando alguém, ou seja, é praticamente um país sub judice. Por outro lado, dentre os três poderes da República o judiciário é o que menos trabalha, o que mais ganha e o menos eficiente, no que se tange ao tempo do início e fim da prestação jurisdicional - um processo judicial leva em média 8 anos para terminar. É inconcebível que alguém pare de viver, para esperar o desenrolar de uma decisão judicial que se processa dentro desse tempo.

O cidadão comum que paga seus impostos regularmente fica refém de um sistema totalmente inoperante. Pois quando nasce acaba assinando um contrato social de aceitação tácita. Onde teoricamente, o cidadão tem o dever de contribuir com o pagamento de tributos, e por outro lado tem o direito de receber a investidura à sua cidadania, ou seja: educação, saneamento básico, saúde, justiça, ou melhor, o direito de ter uma vida digna. Mas o que deveria funcionar como um instrumento bilateral, na verdade opera em sentido único. Pois quando o cidadão resolve acionar o Estado, no sentido de que este venha realizar a prestação jurisdicional, contra uma alteração de equilíbrio social provocada por uma injustiça, descobre que aquele sentimento de justiça transcendental, oriundo de uma ideia nata intrínseca ao ser humano e superior (Deus), não existe dentro do estrato existencial de sua vida. Porque no curso da processualística, cuja dialética jurídica é minudenciada, o tempo acaba corroendo os pilares da materialização do ideal de justiça, simplesmente este se fosforiza. Uma vez que o tempo desta materialização acaba tornando-se incompatível com o tempo das pessoas simples e mortais.

Não raro, no curso da discussão jurídica, vê-se o direito do titular ser transferido por sucessão hereditária aos seus descendentes. Por si só isto já faz com que o objeto da ação se perca, pelo simples fato de que o titular do direito já não mais existe, assim morre o cidadão sem conhecer a prestação jurisdicional. Não se justifica que um direito demore tanto tempo para ser confirmado por uma sentença judicial transitada e julgada.

O cidadão sente um desamparo tão dolorido que lhe chega a cortar a alma. E a si mesmo lhe pergunta; onde está o Estado? Cadê a contrapartida do contrato social? Onde está a prestação jurisdicional? Será que a única forma de realizar uma justiça rápida e efetiva é tomar para si o arbítrio das suas próprias razões?!!!

O pior que tudo isto acontece aos olhos das Autoridades, que por sua inércia padece no abismo de sua inoperância e, assim deixa o espaço livre para que os corruptos, os imorais descomprometidos de qualquer valor humano ou ético atuem dentro do sistema público. Como então esperar que algo positivo venha da parte deste sistema, que se alimenta do desespero e do sofrimento de pessoas que o procuram como forma de alívio ao pesado fardo de suas expiações existenciais?

Novamente, sentimo-nos perdidos dentro de um oceano, onde só enxergamos no horizonte ilhas de indiferença, de injustiça e as dos descasos por parte das autoridades. Qual um náufrago, agarramo-nos à pequenina tábua de nossas consciências na esperança de sermos resgatados pelo grande navio do ideal de justiça, que navega pesadamente dentro deste vasto oceano de normas positivadas ao longo do tempo. Entretanto, a espera é longa, e quase sempre quando o socorro chega já é tarde demais. Já não é mais necessário, pois o navio da justiça dentro de sua processualística move-se lento demais. A ponto de colocar em cheque a própria essência de justiça, em função da injustiça provocada pelo tempo da dialética processual. Muitos não aguentam, perdem as forças e afogam-se dentro deste intrincado oceano de leis a espera de um socorro que não chega nunca.

Quando se é vítima de uma violência, de um erro, de uma negligência, de um crime que viola o preceito mais sagrado da existência humana; a Vida. O que fazer? Recorrer à Justiça? Qual a solução quando se vê um ente querido sendo violentado desta forma – dissecado pelos abutres de casaca branca (médicos que se protegem como uma máfia) ou políticos desprovidos de ética? Haja vista, a forma lenta com a qual a prestação jurisdicional se realiza, só resta uma alternativa para o cidadão comum. Agir de forma inexorável contra quem estar cometendo esta violência. Porque se esperarmos pela justiça, provavelmente não conseguiremos evitar o mal maior. Pois não existe justiça quando esta se manifesta tardiamente. Acaso será possível devolver à vida um corpo que teve seu sangue esvaído por um ferimento aberto, e que por negligência de quem sabia estancar o sangramento não o estancou em tempo hábil e, ao contrário deixou simplesmente que a última gota se esvaísse?

Perguntamos então, atônitos, quantos Cristos ainda temos que crucificar para que possamos reagir a este estado de coisas? Como é possível que através do avanço científico e tecnológico tenhamos obrados tantos e verdadeiros prodígios? Fomos capazes de conversar com uma gotícula de ar aprisionado durante séculos no interior de uma geleira. Fomos capazes compreender a filosofia profunda dos oceanos, o pensamento das grandes montanhas, viajar pelo espaço sideral, traduzir a poesia e a música das estrelas. E, no entanto, não fomos capazes de evitar a falência do espírito humano frente à dor e ao sofrimento que aprendemos testemunhar ao longo da muralha dos séculos. Será que estamos todos em estado de torpor a ponto de não sabermos mais qual é a verdadeira essência da razão existencial? Será que perdemos de forma definitiva nossos valores éticos, estéticos, morais e religiosos? Onde está a nossa ciência social, que não consegue aliviar a dor e o sofrimento das pessoas que vivem em total desamparo dentro da suas ilhas de misérias existenciais e, que recebem o golpe fatal proferido pela indiferença?

Será que ainda temos algo de humano no epicentro de nossas emoções? Tudo isto é muito lamentável, temos que presenciar este estado de falência sem que nada possamos fazer, e ainda temos que admitir nossa total incompetência frente à gestão do sofrimento humano. Talvez seja melhor, novamente, que nos entorpeçamos com as drogas sociais, os jogos, as telenovelas, as propagandas de sucesso de um sistema hedonista, que servem apenas aos propósitos das classes que oprimem e ganham com este estado resignável de miséria absoluta. Acho que de tudo isso, a única coisa que fica é a revolta contra tudo, e, em especial contra este sistema que ganha com a exploração do sofrimento alheio. Será que só reagiremos quando a navalha da injustiça nos cortar a própria alma?

E, assim, vemos os processos judiciais arrastando-se durante anos e anos dentro de um tempo interminável. Tempo este que se subdivide nas suas diversas fases processuais: conhecimento do mérito, recursos e execução. Não raro, este tempo chega próximo aos quinze anos, e quando achamos que chegou ao final, descobrimos para nossa total frustração, que existe ainda outra coisa que se contrapõe à consecução da prestação jurisdicional, ou seja, existe ainda a necessidade de se fazer o empenho do valor da indenização dentro da dotação orçamentária, quando a matéria reza sobre direito público. São os chamados Precatórios. Outrossim, todo este tempo é suficiente para que os verdadeiros culpados e diretamente envolvidos no fato antijurídico já tenham se aposentados, mudados de estado ou mesmo morridos. E, assim escapam das suas responsabilidades cíveis e criminais. E como o equilíbrio alterado pela injustiça é pago pelo precatório, a impunidade torna-se prática comum no meio social em que vivemos. Porque, em outras palavras, quem acaba pagando pela injustiça cometida por outras pessoas somos nós mesmos, ou seja, a indenização será paga pelos os impostos que regularmente são arrecadados das pessoas de bem.

Perguntamos, então , que justiça é esta? Como agir de maneira racional para mudar este estado de coisa? Pois me sinto como um solitário dentro do deserto, que só escuta como resposta aos gritos de socorro, os sons dos próprios ecos como retorno dos apelos desesperados.

Espero que este debate se amplie, em nível nacional, na busca de uma solução imediata e concreta para o problema da espera por uma prestação jurisdicional. E que a justiça realmente se faça presente entre os seres simples e mortais, como é a maioria de nossa gente, e, sobretudo que ela se realize, num tempo onde possamos sentir que a justiça é realmente um "Ente" real presente entre nós.

(Fábio Omena)

Ohhdin
Enviado por Ohhdin em 22/04/2010
Reeditado em 27/04/2010
Código do texto: T2212544