Ninguém é Culpado e nem Inocente.
Muitos terapeutas, psicanalistas, psicólogos e psiquiatras, como também boa parcela da população, sempre pensa que determinadas ações e atitudes se iniciam primordialmente no individuo, vai florescendo na alma até gerar seus frutos, os quais serão externados e classificados como “inaceitáveis, estúpidos, ilícitos, imorais, etc.” Tais pessoas que afirmam tais idéias, que “a distorção é de dentro para fora, e não o inverso”, ainda não analisaram tal questão com minúcia.
A distorção, ou seja lá o que denominarem, tudo começa primeiramente por fatores, elementos, causas, e agentes externos, que são inoculados no interior do indivíduo. Tomemos por exemplo o caso de Adão e Eva, partindo do pressuposto que seja verídico: Adão era perfeito, mas ele fora induzido por circunstâncias e forças externas a desobedecer. Ele tinha livre-arbítrio para evitar a desobediência? Não, pois Deus queria que a Adão caísse, e com ele toda a humanidade, para mostrar aparentemente sua misericórdia, poder, amor e graça através do sacrifício expiatório de Jesus. Só depois da desobediência é que o pecado passou a estar nos cromossomos e genes de toda a humanidade hereditariamente por causa de Adão. A doutrina e a crença no livre-arbítrio são só um subterfúgio e um embuste para tirar qualquer responsabilidade e culpabilidade, direta ou indireta, do onipotente, presciente, e onipresente Deus, e jogar toda a culpa no ser humano e no diabo. Deus se torna o herói de todos os acontecimentos que ocorrem no Universo. Só imbecis de consciências atrofiadas acreditariam nisso.
Se os fatores permanecerem ainda constantes na vida do indivíduo, as sementes, venenosas ou frutíferas, poderão contribuir para que tais sementes cresçam dentro do indivíduo. Ainda que os agentes externos fossem suprimidos, a semente, ou as sementes, estão no humo da alma do indivíduo, e os impulsos orgânicos, os desejos, as idéias, o inconsciente, as emoções, as sensações, a cultura e os pensamentos do indivíduo podem fazer tais sementes crescerem, expandir-se por todo o organismo do ser, e brotar seus frutos por meio de ações comportamentais inaceitáveis ou aceitáveis.
Por exemplo, se alguém se suicida, ou se torna dependente de algum tipo de entorpecente, ou pratica um assassinato, ou faz coisas consideradas destrutivas ou perniciosas, tudo se origina de fora e se introduz para o interior do ser. Nenhum ser humano é um assassino, ele pratica um assassinato. Ninguém é um ladrão, pratica-se um roubo. Se alguém faz algo, e passam a classificar o indivíduo como “ele é isso ou aquilo”, tal afirmação é puro erro. O verbo ser indica “essência, constituição inerente”, por tanto dizer que alguém “é um criminoso, ladrão, mentiroso, etc.”; é um pré-conceito dos mais abomináveis e ridículos.
Nunca é só uma coisa ou fator específico. É todo um conjunto de fatores e agentes que propiciam intensamente ao indivíduo a fazer o que ele faz. Não é que o próprio ser decidiu voluntariamente e de forma espontânea a praticar algo, contudo a ação ou as ações concretizadas o impeliram a cometer, a fazer, a ser tal coisa. Claro que o indivíduo tem uma parcela de responsabilidade naquilo que ele faz, mas a porcentagem dessa parcela é mínima.
Há a influência genética, o aumento do desemprego, a exclusão social, as crises econômicas, uma educação pobre em todos os sentidos, doenças, o caos da saúde pública, a banalização da violência, milhares de religiões e igrejas cada uma afirmando que a verdade pertence a ela, e não a outra; a desvalorização de cada ser humano; o próprio cérebro que comanda várias ações do corpo sem a nossa total participação e aprovação; o clima e suas variações que afetam também o ser humano; os átomos e moléculas que vibram tanto exteriormente como dentro de nossos corpos; inúmeros transtornos psíquicos e enfermidades têm origem psicossomática; incontáveis são as fontes que podem levar o indivíduo a praticar ações classificadas como “intoleráveis e absurdas”. Esse é o resultado em se viver em um mundo intolerante, em um universo absurdo, acreditando em coisas que em si são absurdas.
Desde criança, nós somos talhados por diversos tipos de oleiros: os pais, a família, a escola, os professores, os amigos e colegas, o governo, o estado, as igrejas, as culturas predominantes, os livros lidos, Deus (se Ele existir, pois o apóstolo Paulo afirmou que da mesma massa Deus faz “uns vasos para honra, e outros para desonra conforme o beneplácito de sua própria vontade”); entre diversos oleiros que nos moldam conformem os padrões que eles acham serem os ideais.
Não meus prezados “juízes e juízas do Saber e da Certeza”: o indivíduo não se auto-constrói do dia para noite com suas próprias mãos. Cada um de nós é construído desde a tenra idade por mãos alheias, mesmo que tais braços e corpos pareçam ser amigos e cheio de boas intenções.
Tudo se origina de fora, (a própria fecundação do óvulo feminino se inicia primeiramente de fora para dentro); até que algo, ou um conjunto de coisas, se introduzem no cerne da pessoa, todavia a responsabilidade completa é atirada inteiramente só para o indivíduo. As razões, os motivos, as circunstâncias, fatores e agentes e forças externas passam a ser desconsideradas e tornadas irrelevantes por esses juízes do certo e do errado, que muito pouco entendem sobre a fusão que cada ser humano o é.
Ninguém é culpado e nem inocente de absolutamente nada.
Gilliard Alves