BENS (VALORES) NATURAIS X BENS (VALORES) ANTI-NATURAIS
BENS (VALORES) NATURAIS X BENS (VALORES) ANTI-NATURAIS
LUIZ EDUARDO CORRÊA LIMA
Nós, a espécie humana, somos mais que privilegiados sobre a superfície do planeta e embora queiramos e em certos aspectos até devamos acreditar, somos de fato, seres absurdamente diferentes dos demais organismos vivos que habitam a Terra. É lógico que eu não estou me referindo à condição orgânica e muito menos às atividades metabólicas, pois essas características nos colocam claramente como animais. Mais precisamente somos Primatas, ainda que apresentemos uma capacidade intelectual tremendamente mais desenvolvida que qualquer outro dos “nossos primos”.
O aspecto a que me apego para afirmar que somos diferentes dos outros organismos vivos, inclusive dos demais Primatas, é o nosso comportamento em relação às coisas da natureza e aos valores e, principalmente, às “necessidades desnecessárias” que inventamos e as quais, atribuímos valores extremamente significantes. Isso é o que nos afasta, cada vez mais, dos demais organismos e da nossa dimensão natural e o que nos torna tão diferentes das outras espécies animais existentes no planeta.
Alguém denominou essas peculiaridades exclusivas do “bicho – homem” de “Bens Imateriais” ou ainda de “Valores Supra – Orgânicos”. Particularmente, eu não gosto de nenhuma das duas terminologias, porque “Imaterial” é metafísico e alguns desses bens são físicos e “Supra – Orgânico” estaria acima da vida, o que é um contra senso e não faz o mínimo sentido. Esses valores, além de não serem orgânicos, não são, nem mesmo quimicamente definidos e não têm nenhuma relação com a condição biológica e naturalística da espécie humana. Por conta disso, acredito que talvez fosse melhor denominá-los de “Bens (Valores) Metamateriais” ou pelo menos “Paramateriais”. Bom, mas como o nome a ser usado não vai resolver o problema em si, vou continuar chamando esses valores com a terminologia já conhecida, isto é, “Bem Imaterial”.
Os “Bens Imateriais” são aqueles que só o “bicho – homem” conhece e “precisa”, como por exemplo: o poder, a riqueza, o conforto, a beleza, a elegância, a ganância e tantos outros que os demais organismos desconhecem. Na natureza, apenas três tipos de Bens (Valores) Naturais (Essenciais) são fundamentalmente conhecidos: o alimento para se manter vivo, o abrigo (território) para descansar e proteger as crias e o sexo oposto (no caso das espécies de sexos separados) para a reprodução e consequente perpetuação da espécie. Em outras palavras, na natureza, o que importa é comer, ter um lugar para morar (habitar) e, em determinada época do ano ou mesmo por toda a vida, encontrar o sexo oposto para acasalar e reproduzir.
Somos tão diferentes, que infelizmente alguns homens nem conseguem ter essas coisas básicas e fundamentais, isto é: alimento, território e sexo, no entanto, alguns outros homens entendem isso como algo normal. Mas, não vamos discutir aqui essa questão, pois não é este o objetivo deste ensaio.
Todos os Bens (Valores) Naturais (Essenciais) são estritamente necessários para a manutenção e a continuidade das espécies, e ainda assim, investindo tudo neles, algumas espécies não conseguem sobreviver e acabam por se extinguir. Não há nenhuma espécie viva, além do Homo sapiens, que trabalhe por valores que não sejam os valores naturais ou que não tenham, pelo menos, uma origem natural.
Nesse sentido, o “bicho – homem” não é apenas diferente, mas pode ser considerado uma anomalia, porque ele não só deixou de se limitar aos Bens (Valores) Naturais (Essenciais), como passou a galgar níveis cada vez maiores, criando novas “necessidades” de “Bens Imateriais”. Comer, habitar e reproduzir são consideradas condições já satisfeitas, pelo menos teoricamente, para muitos homens e quem sabe até, para a consciência da humanidade, ainda que mentirosamente, pois na prática há muitos homens que não conseguiram e talvez nunca consigam conquistar nenhuma dessas condições. Mas isso costuma ser considerado um mero detalhe e não importa. O “bicho – homem” precisa galgar mais e ir além.
Por conta disso, um determinado “Bem Imaterial”, a riqueza, passa a ser um bem preponderante, pois permite a aquisição, a partir de si, de vários outros “Bens Imateriais” e com isso, a riqueza “classifica” diferentes tipos de “bicho – homem”: homem rico, homem pobre, homem miserável, etc. Outro “Bem Imaterial” que também passa a ter grande significância é o poder, pois permite o domínio sobre outros homens no segmento social ocupado e muitas vezes até mesmo em outros segmentos, o que é pior ainda.
Alguns de nossos “primos”, os Primatas, também valorizam o poder e “elegem democraticamente” um líder, que passa a comandar o grupo. Porém, esse líder vive em função do grupo e só continuará sendo líder, enquanto continuar cumprindo suas obrigações com o grupo ou enquanto o grupo entender que ele está fazendo o seu trabalho corretamente. Do contrário, o grupo, rapidamente, coloca outro em seu lugar. Quer dizer, o poder para os outros Primatas não é um motivo de privilégio, mas uma necessidade imperante para o grupo e uma obrigação para o escolhido como líder (responsável pelo poder). Considerando esse aspecto, me atrevo a dizer que: “talvez precisássemos ser mais Primatas para sermos melhores homens”.
Os “Bens (Valores) Imateriais” estão presentes, em maior ou menor escala, em todos os Seres Humanos. Mas, como surgiram esses “Bens Imateriais”? Em que momento da Evolução os “Bens Imateriais” suplantaram os Bens Naturais (Essenciais)? O que justifica esse fato e esse momento em que invertemos a ordem das prioridades? Estariam os “Bens Imateriais” servindo como valor de sobrevivência para a nossa espécie? Por que parece haver um grande interesse em nos mostrar que a Seleção Natural tem agido no sentido de levar a nossa espécie a preferir os “Bens Imateriais” e preterir os Bens Naturais?
Essas seriam questões interessantes a serem respondidas e que poderiam nos permitir entender um pouco mais sobre nós mesmos e demonstrar as incoerências que cometemos aos nossos semelhantes. Entretanto, estamos tão isolados e somos tão diferentes das demais formas vivas, que a maioria de nós ainda não se atentou para esse fato. A Sociologia ainda não se questionou sobre a necessidade dos “Bens Imateriais” para a Humanidade, porém a Biologia, a Física, a Química e toda a natureza planetária têm sofrido muito por conta desses “Valores Anti-naturais” que o “bicho – homem” inventou.
Não sei se tenho vergonha ou medo de pertencer a essa espécie estranha, o Homo sapiens, que mesmo quando pode, não tenta discutir aquilo que não lhe convém sociologicamente. Não quero voltar às cavernas, mas também não quero perder a minha identidade biológica, nem minhas referências em relação ao que é, de fato, necessário à sobrevivência da minha espécie. Mas, o que fazer, se a maioria dos homens não pensa desta mesma forma?
A Humanidade, lamentavelmente, carece de valores que poderiam colocar um pouco mais da natureza primitiva do Homo sapiens dentro da Sociedade. Não sei o porquê, mas mesmo os grandes cientistas sociais, não conseguem enxergar o óbvio e não partem para uma proposta que leva a uma “renaturalização” do homem em benefício das diferentes Sociedades Humanas e, consequentemente, de toda a Humanidade e da vida no Planeta. A priorização de Bens Naturais, certamente, é o melhor caminho para alcançar esse objetivo.
O comportamento humano é realmente fantástico. Como podemos pensar coisas tão diferentes, sendo indivíduos da mesma espécie e biologicamente tão iguais? Por que nos importamos e priorizamos coisas tão distintas e estranhas aos interesses da nossa espécie como os “Bens Imateriais”? Por outro lado, fica a dúvida: será que estou errado, por achar que a vida e o planeta são as coisas mais importantes e que os Bens Naturais, por isso mesmo, devem ser prioritários? O pior de tudo é que também sou humano e sofro mais que os outros, pois vejo o caminho do fim para o meu planeta a para a minha espécie e, obviamente, não gostaria que isso acontecesse.
Está ficando cada vez mais difícil entender o homem e o seu comportamento. A Sociobiologia está aí para tentar explicar o que acontece nessa área, porém certos setores da Humanidade sempre desenvolvem mecanismos sociais defensivos adicionais, utilizando os “Bens Imateriais” como álibis, que servem para justificar suas atrocidades naturais. Embora a Biologia aponte alguns desses mecanismos, a Sociobiologia, por si só, ainda não tem como contestá-los integralmente. Sendo assim, ainda não é possível demonstrar, para a maioria dos homens, que esses “Bens Imateriais” são maléficos e conduzem direta ou indiretamente a uma postura destrutiva e caracterizam a irresponsabilidade generalizada do “bicho – homem” em relação ao planeta.
Luiz Eduardo Corrêa Lima (53) é Biólogo, Professor e Ambientalista.
(Texto originalmente escrito e publicado pelo autor em 2002)