A TRANSITORIEDADE DO HOMEM
A TRANSITORIEDADE DO HOMEM
Luiz Eduardo Corrêa Lima
Quando o homem apareceu aqui na Terra, todo o resto do que existe no planeta ou, pelo menos, a maior parte do que existe, aqui já se encontrava há muito tempo. Essa é uma verdade insofismável.
Se nos utilizarmos do modelo do “Calendário Cósmico”, proposto por Carl Sagan, na década de setenta, vamos observar que, naquela analogia, o homem surgiu somente nas duas últimas horas do último dia do ano, num ano de trezentos e sessenta e cinco dias. Mais precisamente, os primeiros Homo sapiens teriam surgido às vinte e duas horas e trinta minutos, do dia trinta e um de dezembro. E mais, a nossa história só começa a ser conhecida e contada efetivamente a partir das vinte e três horas e cinquenta e nove minutos daquele mesmo dia. Pois é, tudo que sabemos sobre nós mesmos, resume-se a pouco mais de um minuto do Tempo Geológico.
Se continuarmos a analogia, podemos dizer que estamos vivendo o primeiro segundo do ano novo. Todo o nosso conhecimento do homem moderno, não ultrapassa a marca de um minuto e um segundo do “Calendário Cósmico”. Há de se convir que somos quase nada no tempo, nossa existência é insignificante perante a grandiosidade do Tempo Geológico.
Por outro lado, parece que somos o nível máximo de organização biológica em nosso planeta, pelo menos até aqui, e nenhuma espécie desenvolveu-se tão rápida e perigosamente como a nossa. Mas, por que evoluímos tão rapidamente? Por que queremos e podemos tanto? Por que surgimos? Qual o nosso significado? Como chegamos até aqui?
É muito difícil entender porque o processo evolutivo parece ter estacionado na forma humana, pelo menos aqui na Terra. Porém, mais difícil ainda é se admitir um “salto evolutivo” tão grande, apesar de tanta semelhança morfológica e fisiológica entre o macaco e o homem. Ainda que, biologicamente, sejamos macacos (não há como negar nossa condição de Primata), intelectualmente, somos muito superiores a qualquer macaco, por mais evoluído e inteligente que ele possa ser. Talvez, a distância intelectual entre nós e os macacos seja equivalente à distância temporal entre nós e a grande explosão que originou o Universo.
Não há dúvida que algo aconteceu evolutivamente entre os macacos não humanóides, macacos humanóides e o homem, pois esse algo, talvez nunca saibamos explicar fisicamente, ou para explicarmos, deveremos nos reportar a explicações metafísicas e abordagens religiosas, que transcendem a intenção desse artigo.
Por outro lado, temos certeza de nossa transitoriedade. Como tudo que existe e que é vivo, nós também nascemos, crescemos e morremos. Nesse sentido, somos tão frágeis como qualquer outro organismo vivo. Aliás, nesse aspecto, talvez sejamos até mais frágeis do que as outras espécies vivas, porque somos a única espécie que tem consciência desse fato e isso nos faz temer a morte.
Então eu pergunto: se estamos aqui, dependemos daqui, nascemos aqui, crescemos e embora tenhamos medo de morrer não conseguiremos evitar a morte e morreremos aqui, por que então não pensamos em melhorar ao invés de destruir o planeta? A Terra é a nossa casa, por enquanto a única que temos e é bem possível que jamais encontremos outra casa para nós em todo o Universo. Por que não nos utilizamos de nossa razão para tratarmos de preservar as condições de vida do planeta , o que, em última análise, significa tentar preservar a nossa própria vida.
Só existem três respostas compatíveis com essa situação antagônica em que nos colocamos, em relação ao planeta: ou somos alienígenas, ou somos loucos ou somos ignorantes.
Como alienígenas talvez tenhamos tido nossa origem em outro corpo celeste, que se destruiu por qualquer motivo desconhecido e chagamos aqui na Terra e nos mantivemos, até hoje, com o espírito e a índole do colonizador que só quer para si. Mas, se isso for verdade, tudo o que escrevemos sobre evolução, particularmente sobre evolução do homem com todas as analogias e homologias entre nós e outros organismos vivos do planeta, inclusive os macacos, são, na verdade, homoplasias, Isto é, meras coincidências fortuitas e sem nenhum relacionamento evolutivo.
Como loucos, talvez sejamos loucos o bastante para não termos cosciência de nada. Se assim fosse, jamais teríamos nos preocupado com a evolução e com a nossa origem, porque sendo loucos, o que menos pesaria em nossas mentes seria a responsabilidade histórica, tanto futura, quanto a passada. Nesse sentido, não valorizaríamos a família, hábitos culturais, arte e outras coisas.
Como ignorantes talvez todos os nossos problemas residissem no nosso desconhecimento generalizado das coisas a nossa volta. Por mais que cada um de nós saibamos, sempre há uma infinidade de coisas muito maiores que cada um de nós não sabe. A nossa ignorância não tem limites. Mas isso também não justifica a nossa desunião e as nossas discrepâncias ideológicas e morais, a ponto de se desenvolverem culturas tão diferentes em áreas geográficas tão próximas. Por exemplo, um palestino e um israelita, ou mesmo uma civilização grega e outra romana, para quem lembrar do passado.
Alienígenas ou não, temos um mundo, o planeta Terra, e estamos saindo à busca de outros. Já estivemos na Lua, conhecemos Marte, Vênus, Saturno, e vamos por aí a fora. Sabemos que esse nosso mundo, o planeta Terra, é nosso. Nosso no sentido mais estrito da palavra, pois somos as únicas criaturas que temos o poder de modificar o ambiente a nossa volta e, consequentemente, podemos mudar toda a fisionomia do planeta. Sempre é bom lembrar, que nós podemos até destruir todo o planeta em poucos segundos. Ou seja, muito mais rapidamente que a natureza levou para produzi-lo e para deixá-lo conforme se encontra nos nossos dias. Mas, por que chegamos a esse nível? Que força maligna ou benigna nos move para tanto? Onde chegaremos?
Loucos ou não, vivemos. E a maioria de nós não só vive, como gera filhos, aumentando assustadoramente nossa populações. Fabricamos crianças, como se fôssemos todos crianças irresponsáveis, que acabamos de ganhar um brinquedo novo de presente. Nosso brinquedo novo é o sexo, do qual fazemos uso indiscriminadamente e que a história nos mostra que sempre foi assim. Sigmund Freud disse que o sexo está presente em todas as nossas atividades e que nós somos quase que totalmente movidos por esse brinquedo diabólico. Nossa loucura chega assim, muito mais para um fanatismo sexual do que para uma neurose, uma psicose, uma demência ou outra doença neurológica qualquer. Somos, generalizadamente, “doentes neurossexuais”.
Ignorantes ou não, muitos de nós procuram abrangência dos conhecimentos e tentam começar a entender o porquê das coisas e das situações. Muitos de nós são conscientes de que existem situações corretas e situações errôneas e, por isso mesmo, procuram acertar mais do que errar. Muitos de nós seguem princípios, mais ou menos, rígidos de conduta ética e moral e, esses princípios não justificam a nossa ignorância, nem nossa loucura e, muito menos, a nossa alienação para com as coisas, em qualquer situação ou lugar, sobre a superfície do planeta.
Que estranho ser o Homo sapiens. Que mistura de coisas e situações produziu essa espécie diferente de todas as outras que vivem no planeta, se não do ponto de vista anátomo-fisiológico, pelo menos, do ponto de vista comportamental?
Uma espécie que age como um estranho em seu próprio planeta, pois o destrói indiscriminadamente. Que age como um louco em seu próprio planeta, pois se reproduz sem avaliar a consequências do aumento exagerado de suas populações. Que ignora quase tudo que acontece em seu próprio planeta, pois só faz o que não deve, quando não deve e onde não deve, no que tange a preservar a vida na Terra.
O homem é uma anomalia, cuja origem e o entendimento talvez estejam fora dos limites físicos, mas ainda assim, é preciso que se discuta sobre o que fazer. Por menos que nos importemos sobre nossa própria existência, devemos ter em mente que ela é transitória e que essa transitoriedade será maior ou menor em função do destino que dermos a ela. Se temos medo de morrer, é melhor que assumamos o nosso medo abertamente e cuidemos para que nossas vidas valham um pouco mais para nós mesmos.
É possível que não sejamos nem alienígenas, nem loucos e nem ignorantes o suficiente. É possível que sejamos uma espécie suicida, que da mesma forma repentina que surgiu, poderá também desaparecer. Não gostaria de discutir aqui, as questões metafísicas e religiosas que envolvem o problema, mas é possível que as respostas estejam nessas questões. Quantos de nós não preferimos cruzar os braços, alegando que “Deus sabe o que faz”.
Sinceramente, eu espero que Deus saiba realmente o que faz e que em breve ele arrume um novo Noé, uma nova arca e novos passageiros (se sobrar alguma). Do contrário, essa anomalia biológica, esse contra-senso filosófico, essa entidade fisicamente inexplicável, esse monstro ideológico, essa figura ímpar chamada homem, terá acabado com o planeta.
Mas, por outro lado, eu prefiro não ter que depender de Deus para resolver os problemas terrenos criados pelo homem. O ano novo está apenas começando agora, estamos apenas no primeiro segundo do ano novo do “Calendário Cósmico” e o homem tem que ser capaz de sair da ignorância, da loucura e da alienação em relação às coisas do planeta. Nossa espécie não pode morrer tão jovem, dentro de um Universo tão velho.
Luiz Eduardo Corrêa Lima (53) é Biólogo, Ambientalista e Escritor;
Professor de Ensino Superior, Médio e Técnico; Membro Efetivo da Academia Caçapavense de Letras.
(Artigo escrito em 1994 e originalmente publicado na Revista Ângulo de Lorena/SP, Número 61, p. 4-5, jan/fev. 1995).