A IDÉIA DA QUALIDADE DE VIDA
A IDÉIA DA QUALIDADE DE VIDA
Luiz Eduardo Corrêa Lima
A expressão “qualidade de vida”, hoje muito repetida em todos os meios sociais, apresenta, além da sua sonoridade agradável, dois conceitos fundamentais implícitos em seu significado. O primeiro desses conceitos diz respeito à vida, aos seres vivos e à permanência dos seres vivos e da vida no planeta. O segundo conceito diz respeito à qualidade, à idéia de ser melhor e da permanência na condição de superior.
Esses dois conceitos, se entendidos amplamente, implicam em tornar a vida dos seres vivos (inclusive e principalmente o homem) e do planeta, na melhor condição possível. É preciso tentar manter a melhor condição de vida ao longo do tempo e, dentro do possível, procurar melhorá-la ainda mais.
Obviamente, é muito difícil manter e melhorar a qualidade de vida, principalmente num mundo conturbado por guerras absurdas e por conflitos injustificáveis. Mais difícil ainda, num país como o nosso, cheio de contrastes naturais e sociais. Porém, essa é uma “necessidade” (condição) da sociedade humana e da modernidade e, ainda que não concordemos em tese, não podemos nos furtar a isso na prática. O “monstro” tem, lamentavelmente, sido muito maior do que nós.
Mas, ainda assim, temos que continuar trabalhando para melhorar a qualidade de vida, embora não estejamos conseguindo caminhar muito nesse sentido. Isso acontece, porque estamos, sociologicamente, entendendo as coisas de uma forma errada e, por conta disso, estamos também definindo posições erradas.
Ao que parece, a palavra conforto, que indica bem-estar, é o melhor sinônimo sociológico para a expressão “qualidade de vida”. Mas, por outro lado, certamente, não é este o conceito biológico-naturalístico para esta expressão. Vamos discutir um pouco sobre isso, para vermos de qual das duas maneiras deveremos passar a entender e utilizar a palavra conforto.
Do ponto de vista biológico, a “qualidade de vida” consiste numa série de condições, que variam desde o ambiente básico onde a espécie em questão vive, alimenta-se, reproduz-se, desenvolve-se e relaciona-se com outras espécies, até o bem-estar material que pode vir a beneficiá-la. Quer dizer, o conforto é apenas uma parte do todo, primeiro é preciso estar vivo e bem, para depois se pensar em ter conforto.
Por exemplo, a qualidade do ar ou da água não são questões de bem estar material, mas sim necessidades básicas para os organismos vivos (inclusive o homem) que precisam estar enquadrados dentro da qualidade de vida que se quer ter. Ar puro e água limpa não são apenas confortáveis, são necessários à vida. Não importa se a água é filtrada ou se o ar é refrigerado, o que importa é que ambos existam para se manter a vida.
Os adjetivos não são vitais, os substantivos é que são. Não adianta adjetivar (qualificar) o que não existe. Sem água e sem ar a vida se extingue e pronto. Numa condição sem água e sem ar, não há como avaliar se a vida está boa ou ruim, simplesmente porque, dessa maneira não existirá vida.
O conforto é acessório, viver é que é essencial. Não adianta ter conforto, se não estivermos em condição de desfrutá-lo. Precisamos garantir a vida e depois, se possível, poderemos torná-la mais agradável (confortável). Essa inversão de valores, que norteia a vida moderna, tem que ser banida do pensamento humano.
Hoje o moderno é falar do pós-moderno, mas, ao que parece não há nada de mais primitivo do que aquilo que se chama de “moderno”. Se quisermos de fato atingir a pós-modernidade é preciso que primeiro respeitemos as questões primitivas e que atinjamos a modernidade de fato. Nossa civilização precisa por o “pé no chão”e “acordar”, pois aquilo que temos chamado, ao longo do tempo, de modernidade, talvez, seja mais um dos grandes males sociológicos, que atuam na degradação da qualidade de vida do homem e do planeta como um todo.
A qualidade de vida do homem tem que estar relacionada com os valores naturais básicos, anteriormente aos valores sócio-culturais que são secundários. O termo secundário na sentença anterior foi colocado com a intenção exata de significar “menos importante”, porém não pretendo admitir que os valores sócio-culturais sejam irrelevantes. E digo mais, a relevância desses valores será cada vez maior, quanto maior for a importância dada à vida.
É preciso que se entenda, de uma vez por todas, que viver é fundamental e que, antes de qualquer coisa, o mais importante vai ser sempre continuar vivendo. Qualquer outro aspecto que não seja a vida em si é acessório. Por melhor que seja ou por mais importante que possa parecer esse aspecto, ele será sempre acessório e dependerá sempre da existência da vida para poder ser utilizado de alguma forma e demonstrar a sua importância e o seu valor.
A importância a ser atribuída aos valores sócio-culturais deve ser menor para a vida do homem e de qualquer outra espécie, que as suas respectivas condições orgânicas. Mais importante que o ninho do passarinho é o passarinho em si. Da mesma forma, mais importante que a casa do homem é o homem em si. Não adianta começar cuidando dos acessórios, primeiramente tem que se cuidar do essencial (fundamental) e no que tange à vida, o fundamental é sempre o organismo vivo.
No caso em questão, organismo humano, vamos imaginar a seguinte situação: um homem rico e culto, com todas as condições sócio-econômicas satisfeitas, encontra-se perdido no meio do Deserto do Saara. Qual a qualidade de vida desse homem? No Saara, um beduíno local, certamente terá melhor qualidade de vida que qualquer outro homem, pois ele está adaptado às condições locais. Conhece todo o ecossistema à sua volta e sabe o que pode e o que não pode fazer. De nada adianta a cultura e o dinheiro do homem rico no Saara, assim como quase nada da cultura do beduíno adiantaria para ele numa cidade grande.
Em suma, o conceito de qualidade de vida perpassa por vários aspectos e transcende a fronteira do bem-estar estritamente material. Do jeito que as coisas estão caminhando, será muito difícil atingir e manter a qualidade de vida para nós humanos, pois estamos muito preocupados com o conforto e estamos esquecendo outros valores. Para nós, viver bem, passou a ser sinônimo de viver confortavelmente, mas esta não é necessariamente uma verdade, pois ter conforto é bom, porém não é essencial. O essencial é viver, a confortabilidade é uma qualidade desejável, porém acessória à condição do ser vivo. É preciso que nos atentemos para esse aspecto.
Nossa vida melhor, nem sempre depende, da casa melhor, do carro melhor, do computador melhor. Às vezes, depende apenas de acampar na floresta, ir à praia, andar a pé, fazer cálculos mentais e outras coisas, às vezes, mais “desconfortáveis”. O conforto deve ser um objetivo a ser alcançado, desde que estejam satisfeitas outras condições básicas de maior significado para a manutenção da qualidade de vida.
A própria seleção natural leva os organismos vivos a procurar condições cada vez melhores (mais favoráveis) para a sua manutenção. No entanto, a seleção natural não permite que os organismos vivos se mantenham totalmente longe de uma busca por condições melhores. Ao que parece, a vida procura, cada vez mais, viver. O conforto ideal é permanecer vivo, ainda que sociologicamente isso represente um desconforto, pois é uma eterna luta pela manutenção da condição de organismo vivo.