EU TRABALHO NA AREA DA SAÚDE
Após anos atuando na área de certificação de produtos do Inmetro, inclusive tendo uma empresa no ramo, mudei para a área da saúde. Atualmente, trabalho agendando consultas e exames do SUS em um posto de saúde.
É um trabalho ainda administrativo, mas eu nunca imaginei estar tão próximo da área da saúde, que é justamente a formação da pessoa que amo. De certa forma, nós dois agora atuamos na mesma área.
No meu trabalho, utilizo o programa SIGA, da Prefeitura de São Paulo, que é bastante problemático: o sistema é instável e vive caindo. Para marcar uma consulta, é necessário ter uma guia médica, o chamado encaminhamento. Nessa guia, o médico solicita os exames, apresenta a hipótese de diagnóstico e informa o CID-10 da doença, que é um código de classificação usado para identificar doenças. Sem o CID, não é possível agendar consultas ou exames regulados pelo SIGA.
Com o tempo, acabamos nos familiarizando com diversas doenças e seus respectivos CIDs. Por exemplo, doenças relacionadas ao sistema nervoso geralmente começam com “G”, como G80 (paralisia cerebral). Já os transtornos mentais orgânicos têm CIDs que começam com “F”, como F09. Às vezes, sentimos que invadimos a privacidade do paciente, pois temos acesso ao diagnóstico e a informações pessoais, como histórico de depressão, tentativa de suicídio, impotência sexual ou câncer.
No sistema SIGA, também é preciso preencher o procedimento e a especialidade.
Por exemplo, se o médico solicita uma tomografia computadorizada do crânio, o procedimento é “tomografia computadorizada” e a especialidade é “radiologia”. O sistema possui restrições: ele não permite a marcação de exames ou consultas se o CID informado não for compatível com a especialidade. Isso acontece com frequência, como quando médicos solicitam neurologia, mas preenchem um CID relacionado à psiquiatria, ou vice-versa.
Há também médicos que preenchem guias de forma genérica, como usando o CID R69 (causas desconhecidas) ou Z000 (exame geral). Muitas vezes, o sistema não aceita esses códigos, obrigando o médico a ser mais específico. Por exemplo, para exames ginecológicos, o código mais adequado seria Z014, enquanto para ultrassom ou mamografia das mamas, o CID correto seria Z123, relacionado a identificação de neoplasias (cancer) da mama.
Em pediatria, é comum casos de crianças com déficit de desenvolvimento. Esses pacientes precisam ser encaminhados ao CER (Centro Especializado em Reabilitação), e o CID geralmente começa com “F”, como F80 (transtornos específicos do desenvolvimento da fala e linguagem). Se o médico tentar encaminhar para outra especialidade usando esse CID, o sistema não permite.
Com o tempo, adquiri mais familiaridade com as especialidades e os exames correspondentes. Aprendi, por exemplo, que angiologia cuida do sistema vascular e oncologia está relacionada ao câncer. Também desenvolvi uma habilidade especial para decifrar as letras muitas vezes ilegíveis dos médicos. Às vezes, pela hipótese de diagnóstico preenchida, já consigo deduzir o exame solicitado, mesmo que o médico tenha esquecido de especificá-lo.
Sinto uma grande satisfação ao conseguir agendar exames para quem precisa. Ver alguém sair com data e horário marcados é gratificante. Porém, no SUS, a realidade é dura: há poucas vagas, e muitos pacientes entram em filas de espera que podem demorar anos.
Os exames são relativamente mais fáceis de conseguir, mas consultas com especialistas são muito mais complicadas. Por exemplo, a nossa maior fila de espera é para ortopedia, com mais de 200 pessoas aguardando. Quando surgem vagas, como em cirurgia geral, fazemos uma força-tarefa para reduzir a fila, mesmo que as consultas sejam marcadas longe da residência do paciente. Por outro lado, é desanimador quando alguém perde a consulta ou reclama que ela não foi marcada perto de casa.
Apesar das dificuldades, acredito que o brasileiro deve se orgulhar do SUS. É um sistema de saúde pública gratuito e de grande abrangência, algo que poucos países no mundo oferecem.