Sobre o problema da medicalização excessiva, com dois exemplos: autismo e transexualidade

Anos 90: "Filho de fulana é mais tímido, introvertido... prefere brincar sozinho do que com as outras crianças e tem um vocabulário avançado"

Diagnóstico típico: "ele parece ser uma criança 'normal'. Só é um pouco diferente dos outros".

Ano 2024

Diagnóstico: "ele deve ser autista"

Problematização: por um lado, é problemático sempre atribuir diferenças cognitivas e psicológicas à norma local ou padrão à psiquiatria. Por outro lado e, por causa das próprias irregularidades constitutivas das sociedades humanas, às vezes é necessário apelar para um diagnóstico médico visando um suporte extra aos indivíduos que se vêem negativamente afetados por suas diferenças em atrito adaptativo aos seus meios social e econômico ( que eu já comentei, minha proposta de categorização e diferenciação diagnóstica: transtorno contextual).

Anos 90: "aquela menina gosta de 'coisas de menino'... não se veste como as outras meninas de sua faixa etária"

Diagnóstico típico: "ela só é uma menina diferente. Pode ser coisa da idade, de sua personalidade ou de sua orientação sexual e nada mais que isso"

2024:

Diagnóstico: "ela deve ser trans"

Problematização: crianças com severa disforia de gênero existem. Mas nem toda criança que é inconformista ao seu gênero tem disforia, porque não é toda menina que gosta de coisas de meninos ou vice-versa que se sente ou que gostaria de ser do sexo oposto. Por isso, é necessário ter muita cautela nesses casos, para não fazer julgamentos prematuros que podem ter sérias consequências a médio e longo prazo na vida dos envolvidos (na verdade, mesmo no caso de crianças com disforia grave de gênero, candidatas ideais à legítima condição de transexualidade, ainda não é racionalmente recomendável que sejam incentivadas a se identificarem como trans ou mesmo submetidas à intervenções médicas visando uma suposta transição sexual, por serem crianças e pelos efeitos notórios e potencialmente negativos dessas intervenções em mentes e corpos que estão em fase de desenvolvimento).