MAL DE ALZHEIMER?

SERVIÇO DE UTILIDADE PÚBLICA PARA QUEM AINDA NÃO SABE O QUE O MAL DE ALZHEIMER

"Já não consigo me lembrar quem eu era, antes dessa doença voraz engolir meus sonhos, projetos, ousadia, alegria... Não me reconheço nesses pedaços que tento juntar, para reconstruir um pouco da minha humanidade.

O Alzheimer desconstrói tudo, arranca todos os pilares que sustentavam nosso mundo e depois, deixa um amontoado de escombros, onde um dia planejamos construir um jardim.

Não há sanidade que resista ao chamado desesperado de minha mãe, gritando para eu matar aquela lagarta que está subindo pela parede; ou ao desespero do meu pai, se agarrando no meu braço e pedindo para eu tirar toda a água do quarto, porque vamos morrer afogados.

Eu “mato a lagarta” e “abro as comportas” para que a água escorra... e morro um pouco, afogada nessa água, ou sufocada com essa angústia que não sai da minha garganta.

Tento não mostrar esse monte de pedaços em que me transformei, porque eles não entenderiam; então eu me escondo e começo a costurar cada retalho do que eu fui.

Não basta juntar os pedaços, preciso buscar a beleza na multiplicidade dos remendos e, principalmente nesse meu talento para tecer e refazer cada fio que foi rompido.

Não consigo enxergar beleza no meio de tanto sofrimento e espanto; o chão sumiu dos meus pés e não encontro nenhum galho para me segurar. Eles eram meu porto seguro e nunca precisei navegar em mar bravo, porque quando alguma tempestade anunciava, meu pai, meu capitão aportava meu barco e eu me aconchegava no colo seguro e quente da minha mãe.

Se não consigo enxergar beleza, talvez seja porque também mudei o meu conceito de Beleza.

Belo é acordar e ver a mão de minha mãe estendida saudando o novo dia; belo é o olhar deslumbrado do meu pai quando um passarinho pousa na janela para comer a migalha de pão que ele colocou; bela é a respiração calma quando minha mãe adormece; belo é ouvir Paganini com meu pai, enquanto ele parece voar com as notas...

Bela é a possibilidade de arrancar a ultima gota de sangue, para amenizar a dor deles e descobrir que podemos criar Vida em abundância, mesmo no meio de tanta dor e privação.

Agora já posso parar para redesenhar o mapa da minha vida, pois conheço melhor os atalhos, as bifurcações, os desvios, os pedaços jogados, os remendos alinhavados...

Posso redesenhar tudo isso com mais generosidade, mais amor, menos culpa, menos mágoas.

Sei que não posso reescrever o passado, mas só eu posso escrever um presente melhor; não posso apagar as pessoas que me magoaram, mas posso apagar as mágoas; não posso realizar os sonhos que abandonei, mas posso resgatar minha capacidade de sonhar; não posso desconstruir a infelicidade, mas posso construir uma nova felicidade; não posso desfazer as omissões ou as escolhas erradas que fiz, mas posso me perdoar e recomeçar uma nova história com mais respeito e atenção ao meu coração.

Tento comparar o que fui e o que me tornei depois dessa descida ao inferno.

Começo a voltar do inferno muito mais bonita.

Sou um ser humano melhor!"

Míriam Morata e trecho de Alzheimer diário do esquecimento
Enviado por ivanhoé em 01/09/2023
Código do texto: T7875254
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