O problema da psicologia neoliberal
É uma provável verdade que nossos genes ou nossas biologias têm um papel predominante nos nossos desenvolvimentos e comportamentos individuais. Mas também é verdade que o meio nos influencia, afinal, não existimos sem estarmos inseridos em um ambiente. Portanto, mesmo que os genes ou a biologia tenha a "resposta final" nessas interações, essa resposta também tende a depender do meio. E isso varia de acordo com o indivíduo e com a característica que estivermos falando. No caso dos traços de personalidade, sim, a lógica é a mesma, em que é preciso ter alguma predisposição para reagir desta ou daquela maneira. Mas o contexto também pode ter um papel de destaque. Por exemplo, para uma pessoa que já apresenta, desde a sua infância, uma maior ansiedade, as condições dos meios em que se encontra podem servir como gatilhos para exacerbar essa sua tendência negativa. E nada mais estressante que viver em uma sociedade marcada pelo individualismo e pela competição, isto é, uma sociedade marcadamente capitalista, como a brasileira ou a americana.
Tudo o que foi comentado acima parece bem fácil de entender. No entanto, a minha impressão é a de que tem prevalecido nas teorizações e nas práticas da psicologia e da psiquiatria uma visão tacitamente neoliberal, em que ocorre uma ênfase excessiva no indivíduo ou paciente acometido por transtorno mental, especialmente se for um tipo mais contextual, como os distúrbios de humor, como se a causa para o mesmo fosse a sua própria predisposição, em outras palavras, como se o efeito fosse a própria causa. E mesmo em casos de transtornos psiquiátricos de natureza mais intrínseca, como a esquizofrenia e o autismo, viver em sociedades claramente problemáticas, como as da grande maioria dos países oficialmente reconhecidos pela ONU, apesar de não causá-los, contribui em vários, se não em muitos casos, para agravá-los.
Pois não é justamente isso que as pessoas costumam encontrar quando se consultam com um psicólogo ou psiquiatra??
Além de uma prática comum de "intervenção medicamentosa" precoce, sem antes buscar por uma abordagem cognitiva e comportamental, aquele que procura tratamento desta natureza costuma ser implícita ou explicitamente culpabilizado por sua condição, como se o meio não estivesse tendo nenhum papel no agravamento do seu quadro, ainda mais se tratando de ambientes tão aquém do que seria o ideal, de sociedades minimamente justas.
Então, o domínio ideológico, clínico e acadêmico da "psicologia neoliberal", ao promover interpretações de neutralização da influência do meio cultural e socioeconômico na estabilidade, melhoria ou piora de quadros individuais, evitando tecer críticas de natureza política, principalmente se forem marxistas, acaba apontando todas as causas para os pacientes-indivíduos, induzindo essa crença "bem neoliberal" de responsabilização individual dissociada do meio em que se vive. Assim, o problema estaria sempre neles e não também nas sociedades em que estão inseridos, resultando na prescrição de tratamentos que quase sempre visam ajudá-los a se adaptar às mesmas de acordo com as suas regras e não de se adaptarem de acordo com as suas próprias demandas, claro, desprezando os que apresentam transtorno de personalidade anti-social, já que a acomodação de suas demandas adaptativas tende a ser objetivamente imoral ou danosa aos outros. Portanto, a abordagem psiquiátrica mais adequada deve sempre levar em consideração o meio em que o indivíduo se encontra, até para saber o quão negativa e realmente influente está sobre o mesmo, visando soluções práticas, objetivas, eficientes e/ou precisas.
Também é interessante notar o papel significativo, direto e indireto, justamente de indivíduos "anti-sociais" no aumento e na piora de quadros psiquiátricos, mesmo entre muitos daqueles que, apesar de também sentirem o peso das cobranças do meio social em que vivem, não buscam por ajuda especializada. Dois exemplos. Um direto: a ocorrência de práticas discriminatórias ou sádicas geralmente por esses sujeitos contra indivíduos com predisposição para transtornos psiquiátricos ou já diagnosticados . E um indireto: a presença muito desproporcional desses indivíduos em posições de grande influência social, como a política.