NA SALA DO BURNOUT
Na sala do burnout
Durante muito tempo, talvez ainda hoje, muitas pessoas enxergam a docência como uma missão, um sacerdócio. No entanto, essa visão tem excedido a esfera da resiliência – a tal capacidade de adaptação e força – de que tanto se tem falado; mas que, no final, tem resultado no fenômeno “burnout”.
A síndrome de burnout se configura em um esgotamento físico e mental, após um longo tempo de atividades laborais. Nome proveniente do inglês, pode ser traduzido como “queima total”, ocorre sobretudo com profissões em que o altruísmo, a lida diretamente com pessoas é predominante. Exemplos são professores, médicos, enfermeiros, advogados e hoje incluímos jornalistas, padres, funcionários públicos e muitos outros. Isso se deve ao fato de não conseguirem estabelecer limites em sua produtividade e entrega, por temerem parecer menos eficientes, ou se demonstrarem frágeis. O burnout atinge quase vinte milhões de brasileiros, de acordo com a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Volto-me aos professores, valendo-me do meu lugar de fala. Estes, sobretudo durante a pandemia do coronavírus, tiveram que se reinventar em pouco tempo para darem resposta às instituições de ensino e/ou aos pais. Assim, notabilizaram-se diversos casos de burnout que, não raras vezes, evoluíram para depressão. Isso motivado pelas precárias condições de trabalho, os baixos salários (o que os obrigam a trabalhar até 80 horas semanais, incluindo os fins de semana).
O pior é que essa situação não ganha tanta visibilidade, visto que muitos acreditam que os docentes estão usufruindo de saúde mental, porque estão trabalhando em suas residências ou por continuarem exercendo “normalmente” suas funções. Porém, tanto o burnout quanto a depressão são fenômenos que, embora incapacitantes, são maquiados porque prevalece o senso de responsabilidade sobre o outro versus o de responsabilidade sobre si.
Ademais, é importante reforçar que, ao contrário do que se pensa, esta síndrome não atinge apenas as pessoas que odeiam seus trabalhos, mas principalmente as que não conseguem dizer “não”, não conseguem se ver livres de suas jornadas – os workaholics – que são obcecados por trabalharem mais e mais, pelo medo de perderem seus empregos, por não se sentirem bons o suficiente e, claro, temerem não suprir as necessidades de sua família.
É preciso repetir incessantemente até que alguém nos ouça: é necessário dar condições de trabalho ao professor, fornecer-lhe segurança, materiais didáticos, formação, salários decentes, dignidade. Ainda desconheço outra maneira de formar seres humanos e profissionais habilitados para gerir uma sociedade mais humana, solidária, empática, em que o descontrole não se torne uma sina diária, sem que vivamos numa sociedade adoecida, a sociedade do cansaço, como diria o filósofo contemporâneo Byung-Chul Han.
Depois de entendermos a necessidade de mudança, só precisaremos andar. Até lá, teremos de encarar o triste cenário em que o docente é responsabilizado pelo fracasso educacional do país, mas se esquecem de que a educação não é feita apenas de um elemento. Exige-se a participação do aluno, da família, da gestão escolar, municipal, estadual e federal. Sem essa articulação, se faltar o envolvimento de alguma dessas partes, dificilmente se obterá êxito na educação de uma sociedade.
Sem educação, há de se dar espaço para a barbárie, ao desrespeito para com o outro, com a democracia, com o cidadão (palavra tão desgastada ultimamente). Nesse janeiro branco, destinado à saúde mental, é preciso chamar a atenção para o cuidado que devemos ter com o nosso cérebro, haja vista toda sorte de demandas e pensamentos exacerbados, em virtude das inúmeras cobranças que a sociedade nos faz – da estética do corpo ao exercício intelectual, passando pelo glamour e delírio da fama.
Que se recorra a psicólogos, psiquiatras, sem recear ser tachado como “louco”. Lucidez demais é loucura. E insano mesmo é considerar que tudo está em pleno equilíbrio, quando sabemos que não está. Educar é estabelecer limites. Limite não é castração. É (auto)cuidado. O professor e outros tantos profissionais devem estar na sala, atuando, não devem estar na antessala do burnout, do transtorno de ansiedade generalizada, da depressão... Que este texto tenha ensinado algo, assim deseja o professor.
(Texto publicado em A União em 13/01/2023
Leo Barbosa é professor, escritor e poeta.