LESBIANISMO TARDIO
LESBIANISMO TARDIO
Fenômeno sexual cada vez mais presente em nosso quotidiano, a súbita atração de mulheres maduras por outras mulheres — fossem estas lésbicas “de nascença”; fossem estas sáficas eventuais — envolve sobretudo a consciência do papel nefasto do Patriarcalismo nos relacionamentos cis e heterossexuais. Com efeito, a uma altura da vida em que já não se vê oprimida pelos papéis sociais que exigem da mulher uma sexualidade tradicional, seja como filha de alguém; esposa de alguém, formadora/cuidadora de alguém e, por último mas não de somenos, mãe de alguém. Os papéis sociais aliados à formação patriarcalista fazem com que a mera possibilidade de envolvimento afetivo-sexual da mulher com outra mulher fosse existencialmente incompatível com a condição humana feminina, isto é, um ser que tem no potencial de formar outro ser mediante o encontro humano. Aparentemente, toda mulher deveria se reprimir qualquer impulso lésbico sob pena de jamais ser mãe, de acordo com esse viés tradicional da sociedade sobre sua existência. Uma vez compreendido que tal contradição de papéis é sobretudo artificial, a mulher se sentiria livre para ousar não só novos amores, mas sim novas formas de amar.
Não obstante, vivenciados a filialidade, os relacionamentos heteronormativos e a maternidade, a mulher se perceberia pronta para novas vivências. Não faltando, aliás, argumentos excepcionais em favor do lesbianismo para os novos relacionamentos d’uma balzaquiana, a saber:
- desnecessidade de uso de contraceptivos;
- ínfimo risco de violência sexual ou mesmo de feminicídio;
- compreensão mútua dos ciclos e alterações de humor;
- melhor sensibilidade e compreensão nas relações sexuais;
- maior tolerância em relação às questões morais do Patriarcalismo (infidelidade, prostituição, abandono de lar etc…
- maior tolerância com as questões fisiológicas e psicológicas da saúde da mulher, em especial no que concerne à baixa de libido ou mesmo à dispareunia.
O carácter sexopático d’este fenômeno se expressa, todavia, antes nas pessoas em geral em face da mulher de meia idade que “de um dia para o outro” assume um relacionamento lésbico absolutamente inédito em sua vida. Sexopática é a estupefacção alheia, não o comportamento lésbico tardio em si. De certo, esse fenômeno questiona todas as ideias correntes sobre sexualidade, logo, tem potencial para transformar toda a relação das pessoas com seus arranjos afetivos. O jamais ter olhado com afeição ou desejo para outra mulher não impede, per si, tal encontro humano. O que se considera digno de nota é porque esse primeiro impulso lésbico tem acontecido com cada vez mais frequência após os quarenta anos. Além das razões pragmáticas aventadas acima, percebe-se uma sincera decepção das mulheres de meia-idade para com as promessas jamais cumpridas de adequar-se ao lugar que o Patriarcado que lhe destinou, insistindo na desimportância da sexualidade em face das glórias da vida familiar em detrimento das limitações heteronormativas.
Ao contrário do safismo/aquilianismo — onde se percebe uma posição mais fluida e/ou instável com a homossexualidade — o lesbianismo tardio constrói toda uma sexualidade nova sobre as ruínas da antiga. Trata-se de uma descoberta de novos papéis sociais do que a busca d’uma existência alternativa ou descolada da sociedade. A mulher de meia-idade ao assumir uma existência homoafectiva não se afasta de sua posição social, ao contrário, traz para a sociedade a “normalização” do amor entre mulheres como um facto tão digno e comum quanto qualquer relação heterossexual. Aliás, todo o passado da lésbica tardia, com seus relacionamentos amorosos inclusive, são reconsiderados tendo em vista a emergência de recomeço que a meia-idade impõe sobre as pessoas. A ideia de mudar tudo para tentar de novo de modo diferente parece muito sedutora à essa altura da vida. Não são mulheres ressentidas por não terem se descoberto lésbicas antes, visto que não o eram mesmo. Repare-se: Não saíram do armário pois jamais haviam entrado antes.
É a quantidade imensa de casos similares que tem feito com que muitos estudiosos passassem a se debruçar sobre o lesbianismo tardio no afã de encontrar razões de ordem psíquica para um comportamento sexual que se acreditava firmemente vinculado às descobertas sexuais da adolescência e às escolhas comportamentais da mocidade. Isto porque as teorias sexuais vigentes tendiam a demonstrar que a opção sexual se daria entre os 16 e os 22 anos, mais ou menos na mesma época em que o indivíduo escolhe uma carreira profissional. A opção ou orientação sexual era vista segundo as citadas teorias como um impulso irresistível ao qual o indivíduo seria incapaz de ignorar ou rechaçar, definindo-o enquanto homossexual. Houve até quem falasse em determinismo genético ou biológico para explicar “a exceção à regra” que a homossexualidade se apresentava para os teóricos comportamentais do século passado.
Hoje em dia, em todo caso, a homossexualidade é vivida pela mulher de meia idade como uma opção prazerosa e racional. Algo que se consolida com a visão que relacionamentos heteronormativos (família, filhos e tais…) são por via de regra menos espontâneos e mais rígidos do que os relacionamentos lésbicos, onde o encontro humano, o prazer sexual e o companheirismo são mais valorizados do que questões patrimoniais ou de segurança jurídica.
Como essa sexopatia tem ganhado contornos de pandemia, a reacção da sociedade patriarcalista a denuncia como questão a ser “curada” pelo bem da “família”. Esposas-e-mães a preferir relações homossexuais ao casamento pode ser o início de um processo de implosão da sociedade tal como a conhecemos. A revisão das teorias comportamentais sexuais em face do fenômeno do lesbianismo tardio pode mudar tudo o que se conhece sobre sexualidade humana e seu psiquismo, onde se pode prenunciar um mundo onde os relacionamentos sejam fruto de encontros humanos não condicionados pelo gênero sexual.
Betim — 12 08 2022