Geração dopada
Geração dopada
Friedrich Nietzsche, Arthur Schopenhauer, Andre Comte-Sponville e outros filósofos já discorreram amplamente sobre a relação conflituosa entre prazer e sofrimento. A nossa incessante busca pelo prazer se mistura ao combate à dor. Na contemporaneidade, o discurso do hedonismo, do “aproveite a vida”, do “deixa a vida me levar” tem promovido a urgência, acarretando patologias. Nessa seara, vivemos uma época de abundância extrema, de tal modo que a expressão não pode ser vista como redundante, mas importante para entendermos as circunstâncias que nos fazem adoecer. Do trabalho às redes sociais, das telas aos alimentos, até a droga e o sexo. Tudo isso como estímulo para nos sentirmos mais interligados à vida, porém afasta-nos mais dela. É um tempo de muita vulnerabilidade, em que, como diria Sartre, o universo das possibilidades nos angustia.
Em Nação dopamina (Vestígio, 2022, 254p), Dra. Anna Lembke, psiquiatra e professora da Escola de Medicina, da conceituada Universidade Stanford, apresenta didaticamente o porquê de esse estilo de vida gerar demasiado sofrimento – e o que podemos fazer para que a procura pela felicidade não desencadeie mais desconforto. Na obra, são relatadas diversas experiências dos seus pacientes e dela mesma. São situações que, embora não tenhamos vivido nem de longe, torna-se difícil não ser empático, haja vista estarmos diante de seres humanos fragilizados por seus conflitos. Diante de todo esse sofrimento, observa-se a esperança como a força responsável por retirá-las dos conflituosos momentos em que a dopamina, neurotransmissor que atua no sistema nervoso central sobre as emoções e a atenção, predomina.
A autora, apesar de não ser contra o uso de antidepressivos, mostra-se preocupada com o crescente número de pessoas que fazem ingestão de medicamentos dessa categoria. De acordo com dados apontados pela psiquiatra, “mais de um a cada quatro americanos adultos, e mais de uma em cada vinte crianças estadunidenses ingere medicamento psiquiátrico diariamente”. Além disso, recente pesquisa do Ministério da Saúde (Vigitel, 2021) revelou que os brasileiros sofrem mais de depressão do que diabetes. Efeitos da pandemia? Ou foi esta que nos convocou para maiores cuidados com a mente?
Em um mundo cada vez mais acelerado, no qual parece que o corpo vai e a alma fica, estamos mais intolerantes ao sofrimento, desafeitos à reflexão, nos refugiando do tédio. No entanto, não conversamos mais delongadamente, apenas nos entretemos com vídeos engraçadinhos, jogos e notícias violentas. O mundo se tornou um circo de distrações e de diversos atrativos que nos afastam uns dos outros e de nós mesmos. Na sociedade dos espetáculos, invertemos a ordem. Antes tínhamos de crescer para aparecer, agora temos que aparecer se quisermos crescer. Mas de que forma? O número de seguidores? A conta bancária? E como ficam os laços de afeto? Será que toda essa exigência, distração e obrigatoriedade por nos mostrarmos felizes em tempo integral têm contribuído para a depressão e a ansiedade?
Tenho visto pessoas que, de tanto odiarem a si mesmas, aumentam o som de seus fones de ouvido para que não escutem suas emoções, suas histórias. Passam os dias conectadas à internet e perdem a oportunidade de estarem conectadas ao mundo real, não idealizado e não editado. É preciso entender que, em meio à chatice do ordinário, podemos criar, nos (re)descobrir. Estamos dopados. Anestesiados. Contudo, o saldo é este efeito rebote, esse capotamento das emoções, essa montanha-russa de adrenalina e cortisol, de álcool e ansiolítico. De remédios estimulantes a soníferos. E, “quando estamos consumindo recompensas de alta dopamina, perdemos a capacidade de extrair alegria de prazeres comuns”, diz a Dra Lembke.
Então, eu te/me desafio a diminuir um pouco a pressa. Tenho tentado fazer isso. Dia desses pensei “eu não quero ninguém me apressando. Já me atropelei demais”. E já tive muitos saldos negativos quando deixei que a ansiedade fosse maior do que a paciência que, em tese, eu poderia ter me dado. É literalmente um presente. Ansiedade é excesso de futuro... É preciso respirar para não pirar. A sensação é que todos estamos hoje tentando parecer normais, mas seria mais honesto admitir que estamos adoecendo, correndo como o coelho de Alice no País das Maravilhas. Porém, antes de correr, precisamos aprender a andar e, principalmente, sabermos aonde queremos chegar.
Leo Barbosa
Texto publicado em A UNIÃO em 06/05/2022