Quem foi Wilhelm Reich?
Decidi escrever sobre este tema depois de ver uma crítica contra Reich numa Rede Social, feita por um conservador (bolsonarista, óbvio), sem nenhuma informação sobre de fato quem o criticado foi. O criticador disse poucas palavras, que foram suficientes para se perceber o grau de conhecimento que ele tinha sobre as teorias reichianas: chamou de louco o teórico da Análise do Caráter, da Vegetoterapia, da Orgonioterapia, da Terapia Corporal, da Couraça, da Economia Sexual, dentre outras, e ainda disse que este “fez uma caixa sobre a qual alegava que a pessoa em seu interior sentia orgasmos”... O pior é que acabei descobrindo que, como aquele criticador, há muita gente no Brasil que investe em críticas semelhantes, sem conhecimento de causa, seguindo, sem saber, os ditames de uma campanha que começou contra ele, nos EUA, há mais oitenta anos.
Há alguns anos escrevi uma monografia, como TCC de um curso de Pós-graduação em Psico-oncologia, sobre a obra “A biopatia do câncer” de Wilhelm Reich. Ele foi um médico neurologista e psiquiatra austríaco, psicanalista, discípulo (e depois dissidente) de Freud. Nasceu em 24/03/1897, em Dobrzynica, uma aldeia da Galícia que, então, fazia parte do antigo Império Austro-húngaro. Morreu nos Estados Unidos em 03/11/1957. Ele foi expulso da Sociedade Internacional de Psicanálise por decidir focar na associação da psicoterapia tradicional com a terapia corporal e no estudo da influência das relações sociais e políticas dos pacientes (inclusive das relações familiares) em seus distúrbios. Foi autor de obras como “Psicologia de Massas do Facismo”, “A revolução sexual”, “Escuta Zé Ninguém”, “A função do Orgasmo”, “A Análise do Caráter”, “O assassinato de Cristo”, “A biopatia do câncer”, “O Éter, Deus e o Diabo”, “Selected Writings: Na Introduction to Orgonomy”, “Les hommes dans I’etat”, “Children of the future: O the Prevention of Sexual Pathology”, “The Invasion of Compulsory Sex-Morality”, “Bion Experiments on the Origins of Life”, dentre outras.
Crítico do Capitalismo no mundo e do Nazismo, na Alemanha, assim como foi crítico das relações ditatoriais que se estabeleceram na União Soviética em nome do Socialismo, ele foi expulso do Partido Comunista Austríaco, do qual fora militante. Mudou-se para a Alemanha, filiou-se ao Partido Comunista Alemão e dele também foi expulso, também em consequência das críticas à postura de Stalin na União Soviética.
Reich, utilizando um microscópio com uma lente especial, adaptado por ele próprio, descobriu que a matéria orgânica fermentada, em decomposição, era carregada de lampejos azulados em pontos que surgiam vesículas que se transformavam em seres unicelulares. Esses mesmos lampejos foram observados na atmosfera e nos seres vivos em geral. Ele concluiu que se tratava de uma energia cósmica que está presente em todos os lugares e que é a energia da vida, responsável por toda a dinâmica que leva todas as formas de vida a se multiplicarem. Ele deu a essa energia o nome de Orgônio, ou Orgone. Essa revelação de Reich incomodou sobremaneira, especialmente os cristãos conservadores, que viram na sua teoria uma tentativa de definir o Deus das crenças monoteístas pelo viés científico, e com um agravante: ele era ateu.
No ser humano essa energia, além de estar presente na manutenção do funcionamento do organismo, está também em todas as formas de prazer sentido; prazer que pode estar no ato de se alimentar, de se hidratar, de se banhar, de respirar, de praticar os atos que redundam na perpetuação da espécie – o prazer sexual está incluído na dinâmica de perpetuação da vida, isto é, nas “estratégias” da Natureza para a perpetuação da vida. Tal qual Freud – neste ponto os dois convergem –, ele admitia que a libido, energia que gera tesão, excitação e o prazer sexual, é a mesma força que gera todas as formas de prazer.
Reich criou a Caixa Orgônica, ou Caixa de Orgônio, uma caixa de metal, com medidas específicas e revestida com camadas alternadas de material orgânico e metal – ele usou camadas de algodão alternadas com camadas de palhas de aço, e o interior da caixa feito com chapas de metal – que, segundo ele, acumularia a energia Orgone em seu interior. A caixa foi chamada também de Acumulador de Orgone. Tal descoberta ocorreu no final da década de 1920. A primeira experiência que ele fez com a caixa foi utilizando maçãs: ele pegou duas frutas com as mesmas condições de conservação e colocou uma no interior da caixa e deixou a outra do lado de fora; depois de alguns dias ele observou que a maçã que ficou do lado de fora entrou em decomposição e a que estava no interior da caixa estava tal qual fora ali colocada.
O criador da caixa desenvolveu um método terapêutico, que chamou de Orgonioterapia, a partir da exposição de pacientes à citada energia no interior da caixa, e a consorciou com o método da Associava Livre e Massagens Terapêuticas. Se já havia comprado uma briga intensa com os crentes e religiosos conservadores, agora comprava de vez uma grande briga com os psicanalistas em geral. Desenvolveu a teoria da Vegetoterapia (estimulação das atitudes vegetativas involuntárias (inconscientes e trazidas à tona sem a verbalização da Associação Livre) e aprofundou estudos sobre a teoria do processo da eletricidade da sexualidade e da vida – de acordo com o padrão orgástico de tensão e descarga, expansão e contração.
Com a técnica da Análise do Caráter ele concluiu que todas as formas de repressão e suas contrariedades psíquicas têm efeitos no corpo do indivíduo, causando o aprisionamento da energia sexual. Esse aprisionamento é responsável por produzir um número elevado de neuroses no indivíduo, as quais se manifestam em sintomas físicos na forma de espasmos musculares, que ele chamou de “couraça muscular”. Os espasmos podem ser identificados desde os “cacoetes”, “tiques nervosos”, visíveis a todos, até sinais mais recônditos, só percebidos pelo terapeuta. O desbloqueio da couraça, segundo ele, leva à cura das neuroses e pode ser feito pelo processo terapêutico – Freud afirmou o contrário: disse que as neuroses não têm cura e que podem apenas ser controladas; este foi um dos vários pontos de discordância entre os dois.
A conclusão de que o Orgônio é a força motora do mundo – com mais intensidade nos organismos vivos do que na matéria inerte – levou também a uma conclusão óbvia: se essa energia atua de forma significativa nos organismos vivos, quando há desequilíbrio nessa relação entre organismo e Orgônio surgem as doenças, logo, a exposição desses organismos (incluindo os seres humanos) a essa energia, de forma controlada, previne e cura doenças. A Caixa de Orgônio, segundo ele, surgiu como a grande descoberta para solucionar essa questão. Começava a incomodar a indústria farmacêutica e hospitalar...
Ele se mudou para os Estados Unidos em 1939, a convite do seu amigo Dr. Theodore Wolfe e, ao mesmo tempo, fugindo da perseguição dos Nazistas alemães e de outros inimigos que conquistou com suas teorias. Chegou aos EUA depois de passar alguns anos pela Suíça e Noruega. Em 1942 criou o Instituto do Orgônio nos EUA para ampliar seus estudos sobre o tema.
Morava no Sítio Organon, em Rangeley, Estado de Maine, e ali fez uma experiência colocando por poucos minutos alguns miligramas de material radioativo no interior de uma Caixa Orgônica. Ele julgava que o Orgônio, por ser a energia cósmica onipotente e onipresente, anularia o material radioativo. Todavia, o efeito foi contrário: o efeito radioativo foi potencializado e não só a caixa foi contaminada, mas todo o seu sítio e as propriedades vizinhas. As críticas que já existiam contra ele aumentaram exponencialmente em virtude da contaminação: foi tachado, por aquele ato, de louco e irresponsável. As críticas permaneceram não obstante ele criar, de maneira urgente, um sistema envolvendo um estranho arranjo com grandes tubos que permitiu descontaminar toda a área que ele contaminou, ou seja, o sistema de descontaminação efetivo, criado por ele em tempo recorde, não foi levado em conta. Utilizando esse mesmo sistema para sucção das partículas radioativas na atmosfera ele o adaptou para provocar chuvas artificiais direcionadas para pontos específicos.
Mas, a maior polêmica da sua vida ainda estava por vir: foi quando ele afirmou que o tumor não é o câncer. Disse categoricamente que o tumor é apenas a manifestação tardia da doença – quando o tumor surge o câncer já se instalou há muito tempo, às vezes há anos, no organismo. Com isso, ele teorizou que o Orgônio pode curar uma pessoa com câncer ainda na fase sem tumor e que, depois do aparecimento do tumor, poderia ser uma terapia complementar. Produziu relatórios científicos após testes com ratos portadores de tumores, expondo-os ao Orgônio e com a conclusão de que muitos desses ratos tiveram seus tumores reduzidos e que houve até aqueles em que os tumores desapareceram.
Ele era crítico das cirurgias oncológicas com a justificativa de que o cirurgião sempre retira mais tecidos do que o necessário em virtude de não ter uma noção exata dos limites entre a área afetada e a área sadia. Com isso mexeu com o “ouro” da indústria farmacêutica hospitalar: o câncer. Nenhuma doença ao longo da História rendeu tantos dividendos para a indústria hospitalar e farmacêutica. Depois de uma intensa campanha para gerar o descrédito ao autor de “A biopatia do câncer”, em 1957 o Food and Drug Administration (FDA), órgão equivalente à ANVISA no Brasil, foi acionado contra ele, com a acusação de charlatanismo em relação ao tratamento contra o câncer; o FBI também foi acionado com a acusação de que Reich poderia ser espião alemão ou russo.
Foi preso, acusado de charlatanismo por ter falado na possibilidade da Orgonioterapia prevenir, e até curar o câncer. Recusou-se a prestar depoimento a autoridades policiais e judiciais, alegando que estes não tinham conhecimento científico para aferir suas justificativas. Exigiu que seu depoimento fosse conduzido e avaliado por um Conselho de Cientistas. Não só não foi atendido, como foi internado compulsoriamente em um manicômio penitenciário. Morreu misteriosamente, no Nosocômio, pouco tempo depois da internação compulsória. Seus livros e as Caixas de Orgônio foram queimados e tiveram reprodução proibida nos EUA; suas teorias vêm sendo perseguidas até os dias de hoje. Os cursos de medicina não fazem referência a suas teorias – a grande maioria dos médicos sequer ouviu falar dele.
A medicina oncológica atual trata a questão de o tumor ser uma manifestação tardia do câncer como uma descoberta recente, não obstante Reich, em 1948, ter registrado essa descoberta no livro “A biopatia do câncer”. Hoje se investe no desenvolvimento de exames para localizar sinais do câncer antes do aparecimento do tumor.